15° Congresso Brasileiro de Clínica Médica e 5° Congresso Internacional de Medicina de Urgência e Emergência

Dados do Trabalho


Título

Miocárdio não compactado: relato de caso

Introdução/Fundamentos

Esta patologia trata de uma cardiopatia congênita rara, em que há uma falha na compactação do miocárdio durante a vida embrionária, entre a quinta e a oitava semana. Esta cardiomiopatia é caracterizada por trabeculações miocárdicas proeminentes com recessos intertrabeculares profundos e espessamento do miocárdio em 2 camadas distintas (compactado e não compactado).
Os sintomas frequentemente aparecem, após ser diagnosticado, em torno de três a quatro anos, com casos de dispnéia, fibrilação atrial crônica, insuficiência cardíaca e presença de quadros de dor torácica. Casos isolados de falência ventricular são esporadicamente observados na MNC (miocárdio não compactado), mas a etiologia ainda não foi constatada.

Objetivos

Posto isso, como futuros médicos atuando nas mais diversas áreas, é importante conhecermos sua sintomatologia a fundo, já que se relaciona com outras patologias como: insuficiência cardíaca refratária e doença coronariana. Devido a raridade do diagnóstico, pode passar despercebido e não ser cogitado, postergando o tratamento. E, além de fornecer conhecimentos necessários para concretização de diagnósticos diferenciais, melhor tratamento e prognóstico da doença.

Caso

ACS, 43 anos, sexo masculino, branco, casado, natural de Pádua/RJ, sem comorbidade prévia, exame físico sem alteração com ritmo cardíaco irregular, queixando de dispneia aos esforços. Paciente procurou atendimento médico, com quadro de dispneia aos esforços que veio piorando há 3 meses, essa dispneia era associada apenas a sintomas de cansaço e palpitação, não teve nenhum tipo de comodidade prévia e historia familiar negativa para doenças coronarianas.
Foi realizado então eletrocardiograma resultando em uma irregularidade do ritmo cardíaco com bigeminismo. Efetuado também uma ecocardiografia, mostrando disfunção cardíaca e hipocinesia difusa. Devido a idade do paciente foi solicitado uma angiotomografia para avaliar se havia obstrução de coronária, resultando negativo. Porém viu-se que havia uma não compactação do miocárdio, fazendo ressonância para confirmar. No momento, o paciente está fazendo uso de anticoagulante e tratamento para insuficiência cardíaca. No laudo do paciente há sinais de não compactação do ventrículo esquerdo caracterizado por excessiva trabeculação do terço médio e ápice do ventrículo com razão de miocárdio não compactado para compactado de cerca de 2,5 obtidas no eixo curto na fase final da diástole. Não há evidências de realce tardio que pudesse caracterizar área de fibrose, defeito de perfusão ou outras características sugestivas de miocárdio hibernante. Não há ainda realce heterogêneo ou edema que pudesse sugerir miocardite.
No caso em estudo, o paciente apresentou os seguintes resultados: o ventrículo esquerdo tem dimensões no limite superior da normalidade (DDFVE=62mm), exibindo FEVE estimada em 39%; o septo interventricular mede cerca de 10mm e a parede lateral-inferior 10mm; ventrículo direito com dimensões e função sistólica global preservadas (FEVD=54% e volume diastólico de 133ml); átrio esquerdo no limite superior da normalidade; átrio direito sem evidência de alterações; valvas aórtica, mitral, tricúspide e pulmonar sem alterações de sinal ao método; pericárdio sem sinais de espessamento e ausência de derrame pericárdico.
Paciente foi submetido a angiotomografia das artérias coronárias, estudo este realizado com tomógrafo multislice de 128 cortes simultâneos com 0,6mm de colimação, antes e durante a administração do meio de contraste venoso não-iônico, que foram pós-processados, obtendo-se imagens axiais e reconstruções multiplanares e tridimensionais.
O paciente não apresenta calcificação coronariana detectável. Este achado se correlacionada a um baixo risco cardiovascular global. Na miocardiopatia não compactada, a morfogênese endomiocárdica sofre anormalidade devido a uma parada da compactação das fibras miocárdicas. Há a presença de trabéculas proeminentes, em significativa quantidade, com recessos intertrabeculares que adentram profundamente por meio do miocárdio ventricular, desenvolvendo uma frouxa rede de fibras musculares entrelaçadas. Nesse sentido, embriologicamente, aproximadamente entre a 5ª e a 8ª semanas, essa malha esponjosa de fibras e espaços intertrabeculares sofrerão a compactação do epicárdio em direção ao endocárdio e da base em direção ao ápice cardíaco. Ao mesmo tempo em que ocorre a compactação, a circulação coronariana desenvolve-se com a diminuição dos recessos intertrabeculares e formação de capilares. Neste processo é envolvida a secreção de fatores de crescimento endotelial (neuregulinas e angiopoietinas) e sobrecarga de pressão ou isquemia miocárdica tendo papel na regressão dos sinusoides embrionários, resultando na persistência dos espaços intertrabeculares, podendo ter, em alguns casos, comunicação direta com cavidade ventricular e circulação coronariana. Com relação aos achados de microscopia eletrônica, há a ausência de um padrão histológico específico, apesar de alguns estudos terem descrito a presença de necrose e fibrose na biópsia endomiocárdica. Algumas anormalidades cardíacas podem estar associadas à MNC, como desordens neuromusculares, a presença de sinusóides e fístulas da artéria coronária direita apresentando anormalidades congênitas nas vias de saída dos ventrículos esquerdo e direito; presença de anomalia de Ebstein, valva aórtica bivalvular e transposição dos grandes vasos; defeito no septo ventricular; associação com doenças metabólicas e síndromes genéticas, incluindo a síndrome de Barth, a doença de Charco-Marie-Tooth e a síndrome de Melnick-Needles.
Os pacientes podem passar toda a sua vida sem apresentar sintomas ou evoluir com deterioração progressiva da função cardíaca, resultando em óbito precoce. Existem três manifestações clínicas mais frequentes como arritmias ventriculares, insuficiência cardíaca sistólica e diastólica, e embolização sistêmica, que pode ocorrer devido a presença de trombos nos átrios ou nos recessos intertrabeculares.
A MNCI é uma miocardiopatia genética com possibilidade de recorrência familiar em 18%, sendo assim, torna-se necessário realizar triagem por meio de estudo ecocardiográfico em parentes de 1º grau. Além disso, devido ao diagnóstico da MNC poder levar ao diagnóstico neurológico, é sugerido que os pacientes realizem avaliações neurológicas e musculoesqueléticas, devido à associação com desordens neuromusculares, as mulheres devem evitar a gravidez e os esportes competitivos são proscritos.
O método diagnostico mais utilizado para essa doença, por indicar suas características histológicas especificas é o Ecocardiograma. A ausência de anormalidades cardíacas valvares e coronarianas, a presença de proeminentes e numerosas trabéculas com recessos intertrabeculares profundos e razão de espessamento entre as camadas compactada e não compactada superior a dois, a identificação de fluxo sanguíneo diretamente da cavidade do ventrículo dentro dos recessos intertrabeculares, e envolvimento majoritariamente das regiões lateral média, inferior média ou apical do ventrículo esquerdo, são critérios realizados neste exame, sendo a MNCI diagnosticada quando três desses critérios estão presentes.
A RMC (Ressonância Magnética Cardíaca) é importante quando o paciente não obteve boa janela ecocardiográfica, apresentando como vantagem a identificação de déficits de perfusão subendocárdica. Podem ser realizados ainda, a tomografia computadorizada e ventriculografia esquerda para diagnosticar ou confirmar a suspeita clínica. Os principais diagnósticos diferenciais da MNC incluem: cardiomiopatia dilatada, doença cardíaca hipertensiva, cardiomiopatia hipertrófica apical, cardiomiopatia infiltrativa, e endomiocardiofibrose.
O tratamento varia com a apresentação clínica. Nesse contexto, a insuficiência cardíaca é tratada com anticoagulantes, independentemente da identificação de trombo intracardíaco. Pessoas da raça negra, apresentam maior incidência de hipertrabeculação cumprindo os atuais critérios de diagnóstico, independentemente da presença da doença ventricular esquerda.

Conclusões/Considerações finais

A doença do miocárdio não compactado mostrou-se de difícil diagnóstico, principalmente por ser uma doença a qual o paciente poderá passar toda a sua vida sem apresentar sintomas ou poderá evoluir para uma deterioração progressiva da função cardíaca, levando a uma insuficiência cardíaca progressiva (que poderá ser muito das vezes confundida com insuficiência coronariana), motivo esse que poderá terminar em óbito. 
No caso clínico em questão, o paciente não apresentava fatores de risco ou dados na história epidemiológica que falassem à favor do diagnóstico, apresentando clínica inespecífica. Dessa forma, para iniciar a investigação diagnóstica, foi fundamental o auxílio de exames complementares e a realização de diagnósticos diferenciais baseados na queixa clínica do paciente.
No presente estudo, a integração das informações relatadas na anamnese do paciente com os resultados dos exames clínicos fora importantes para elucidar o caso. Porém, como se trata de uma doença rara e pouco investigada, a realização de exames complementares foi de suma importância para a confirmação do diagnóstico de miocárdio não compactado.

Palavras-chave

Área

Clínica Médica

Instituições

UNIG - Campus V - Rio de Janeiro - Brasil

Autores

Rafaela Coutinho Chequer Cabral, Anna Ximenes Alvim, Thaiana Raad Drumond, Natalia Alves de Souza Correa, Maria Ester Vieira Curty Bernardo, Gabriela Coutinho Chequer Cabral