Congresso Catarinense de Obstetrícia e Ginecologia

Dados do Trabalho


Título

ANGIOMATOSE MAMÁRIA EM PACIENTE DE 13 ANOS, UM RELATO DE CASO.

Introdução

A angiomatose mamária se trata de uma patologia mamária rara com poucos casos descritos em literatura. Consiste em um desafio diagnóstico mesmo frente a mastologistas e patologistas experientes. A confirmação diagnóstica desse tipo de lesão é de extrema importância devido seu padrão anatomopatológico muito semelhante ao angiosarcoma, lesão maligna e com prognóstico e tratamento muito distinto das angiomatose. Debatemos o caso de paciente de 13 anos, feminina com achado de lesão mamária exuberante de crescimento rápido com diagnóstico anatomopatológico de duas biópsias de hiperplasia pseudoangiomatosa estromal. O diagnóstico de angiomatose somente foi aventado após realização de imunohistoquímica da lesão inteiramente retirada cirurgicamente por oncoplastia com enxerto livre de aréola.

Material e Método

O trabalho trata-se de um relato de caso de uma paciente atendida no Ambulatório de mastologia da maternidade Carmela Dutra em Florianópolis, Santa Catarina

Resultados

No caso relatado houve diagnostico de lesão mamaria vascular primária e benigna, muito rara, de mama com desfecho positivo para a paciente descrita.

Discussão e Conclusões

A angiomatose faz parte do quadro de lesões vasculares benignas da mama (MEKHAIL, et al. 2019), trata-se de uma lesão de origem na proliferação do epitélio dos vasos de pequeno a médio calibre, infiltrando difusamente tecidos moles. Pode ser encontrada, por exemplo, na pele, subcutâneo, músculo e ossos, ou podendo englobar por contiguidade tecidos vizinhos (RAO, 1992), e, como neste caso relatado, acometendo tecido mamário. Acomete ambos os sexos, sendo predominante no sexo feminino (WEGNER, et al., 2019).

Essa patologia é um achado muito raro e apresenta grande dificuldade diagnóstica tanto pelo baixo número de casos relatados em literatura, quanto pelo conhecimento limitado que se tem sobre o assunto (MEKHAIL, et al. 2019), colaborando para a falta de diretrizes de diagnóstico e tratamento de tais lesões (REUSCHE et al., 2015). Não raro se apresenta de forma assintomática, sendo comumente identificada por achado incidental em exames de investigação, o que torna mais difícil o diagnóstico dessa condição (MEKHAIL, et al. 2019). Sua incidência varia para idade de diagnóstico, o que pode estar relacionado ao caráter assintomático da doença, porém está mais fortemente ligada às duas primeiras décadas de vida (RAO, 1992).

Tumores vasculares primários de mama são raros sendo o angiossarcoma o mais comum. Outras lesões vasculares de mama incluem hemangioma e lesões vasculares atípicas (MEKHAIL, et al. 2019).

A apresentação clínica, majoritariamente, é de massa assintomática macia à palpação com crescimento progressivo, por vezes diagnosticada apenas nos exames de imagem. A maioria das vezes se manifesta às imagens com áreas císticas de permeio com septos associados (MEKHAIL, et al. 2019). Comumente está associada à recidiva local, séries de casos mostram recidiva em torno de 90% para angiomatose de tecidos moles (não somente de mama) em casos de pacientes acompanhados por tempo adequado com média de 5 anos do tratamento à recorrência (RAO, 1992). Entretanto não se conhecem casos de metástase ou transformação maligna da doença (MEKHAIL, et al. 2019).

Os achados em exames de imagem tem pouca validade para o diagnóstico diferencial desta patologia, devido à ausência de sinais patognomônicos da mesma. Tanto a mamografia quanto a ultrassonografia mamária apresentam lesão com características suspeitas, quase sempre, simulando carcinoma (WEGNER, et al., 2019). Desta forma, o diagnóstico somente se confirma após análise anatomopatológica e imunohistoquímica da lesão.

Anatomopatologicamente a angiomatose é muito semelhante às lesões de angiossarcoma de baixo grau (LGAS), por isso existe grande importância na diferenciação entre essas duas entidades. Os angiosarcomas de mama são lesões bem mais comuns que a angiomatose mamária e, por se tratarem de uma patologia maligna, necessitam de seguimento e tratamento distintos da doença benigna e apresentam prognóstico, também, diferente (MEKHAIL, et al. 2019).

Os casos histologicamente estudados na literatura (GINTER, et al., 2019) majoritariamente mostraram tamanhos variados de vasos ectásicos, revestidos de paredes finas de endotélio normocrômico, difusamente infiltrando estroma e/ou tecido adiposo. Identificou-se infiltração de vasos lesionais entre as unidades lobulares do ducto terminal (ULDTs) e em seu entorno, mas não em estroma intralobular individual. Há descrito uma combinação de vasos de aparência linfática e hemangiomatosa, a última ocasionalmente revestida por paredes musculares finas descontínuas. Por vezes demonstrou-se apenas um ou outro padrão de aparência, isoladamente. Anastomoses vasculares foram identificadas em todos os casos, variando de poucas a muitas. A inflamação estromal crônica também foi percebida. Nenhum caso mostrou trombose luminal ou hiperplasia endotelial papilar. Características evidentes de malignidade estavam ausentes em todos os casos.

No caso em questão, a peça cirúrgica foi submetida à análise histológica. Os cortes da massa tumoral descrita mostraram espaços vasculares ectásicos, contendo ou não eritrócitos, revestidos por células epiteliais sem atipias em meio a estroma denso, além de células fusiformes estromais de natureza fibroblástica, também sem atipias. Em um dos cortes histológicos, houve processo inflamatório crônico granulomatoso, com células gigantes do tipo corpo estranho de permeio. Em outras áreas foram identificadas fibrose estromal e cistos simples. Os achados sugeriram diagnóstico de PASH, sugerindo complementação com estudo IHQ.
A PASH das mamas é doença benigna do estroma mamário, muito mais comum que a angiomatose, caracterizada histologicamente pela proliferação de fibroblastos e miofibroblastos maduros com formação de fendas simulando canais vasculares. O mecanismo exato da proliferação tecidual é desconhecido, mas pode estar relacionado à resposta exacerbada de miofibroblastos ao estímulo hormonal endógeno ou exógeno, em especial à progesterona. A apresentação clínica varia desde achados incidentais microscópicos focais, podendo também ser encontrado como nódulo evidente ao exame clínico e mamográfico, porém a forma tumoral com crescimento rápido das mamas é rara. Incide principalmente na pré-menopausa e na pós-menopausa em uso de terapia hormonal (TUMEH, et al., 2017).

Para elucidação, o material em questão (4 blocos de parafina) foi enviado à IHQ. Após desparafinação e reativação, os cortes histológicos foram incubados com painel de anticorpos monoclonais e policlonais. A leitura da reação foi possível utilizando a técnica detecção polímero-peroxidase (HRP). Os marcadores e seus respectivos resultados foram: CD10 positivo nas células mioepiteliais, CK citoqueratina AE1/AE3 positivo no componente epitelial, desmina e SMA positivos em parede vascular, ERG positivo em epitélio vascular, Ki-67 positivo em 5% no componente estromal, RE e RP positivos nos componentes epiteliais.
Outros trabalhos (GINTER, et al., 2019) citam os seguintes anticorpos utilizados na IHQ: CD31, D2-40 e Ki-67. Cita-se positividade difusa para o CD31 em vasos de aparência linfática e hematogênica nos casos estudados. Visto que ele é um marcador endotelial de amplo espectro e é frequentemente expresso em uma variedade de tumores vasculares, o achado de positividade difusa em ambos os vasos lesionais (hemangiomatoso e linfangiomatoso) eram previsíveis.

Já o D2-40 positivou para os vasos de aparência linfática em todos os casos, exceto um, e foi negativo ou fraco em todos os vasos de aparência hematogênica. Uma vez que há especificidade de D2-40 para o endotélio linfático, era de se esperar que os vasos com essa aparência fossem imunorreativos para tal, enquanto aqueles de aparência hemangiomatosa não (ou fracamente reativos). Como alguns angiosarcomas têm mostrado reatividade para expressar D2-40, ele não seria de todo útil para diferenciação com angiomatose.

Os índices Ki-67 encontrados na literatura foram <1% em todos os casos estudados, exceto um, o qual demonstrou índice de 5%, compatível com o resultado encontrado no caso em questão. Estudos anteriores demonstraram que o LGAS parece ter um índice de proliferação Ki-67 aumentado (normalmente > 20%), enquanto os hemangiomas normalmente não mostram tal aumento, assim como os casos de angiomatose estudados, e esta diferença pode ser útil para o diagnóstico.

No caso aqui relatado, o baixo Ki-67 foi ao encontro dos estudos anteriores. A presença de marcadores vasculares à IHQ afastou a possibilidade de PASH, por se tratarem de vasos verdadeiros. Observou-se acometimento angiomatoso dos tecidos mamários adjacentes e da derme. Ademais, há marcadores de parede, e não de endotélio vascular, achado este diferente daquele habitual no angiossarcoma. Também não foram demonstradas atipias nos vasos. A conclusão, após IHQ correlacionada à apresentação clínica, foi tratar-se de angiomatose mamária.

O tratamento da angiomatose inclui retirada das lesões com margem livre de doença (MEKHAIL, et al. 2019). Para tanto, consideram-se adequadamente tratadas as lesões que sejam totalmente retiradas, seja por cirurgia conservadora ou mastectomia (MEKHAIL, et al. 2019 e RAO, 1992). Apesar de não existirem protocolos de manejo e seguimento desses pacientes, encoraja-se o tratamento conservador da lesão a fim de diminuir morbidade pós-cirúrgica (RAO, 1992) e promover melhor aceitação estética pela paciente. A mastectomia continua sendo indicada no caso de lesões que englobam tecidos superficiais ou grande extensão de doença, bem como, doença difusa que não permita manutenção de tecido mamário após sua retirada (RAO, 1992 e WEGNER, et al., 2019). Da mesma forma, indica-se seguimento ambulatorial, no intuito de diagnosticar precocemente as recorrências, levando em consideração o alto número de recidiva local da doença mesmo após tratamento cirúrgico otimizado (RAO, 1992).

A adjuvância com tratamento medicamentoso não se faz útil, visto que alguns medicamentos já foram testados em pacientes do angiomatose de outras partes moles (interferon alfa2-a, ciclofosfamida e corticóides), porém, sem melhor custo x benefício que o tratamento cirúrgico (RAO, 1992).

Conclui-se que aventar o diagnóstico de angiomatose e saber como diferenciá-la das patologias malignas e de outras lesões vasculares primárias de mama é de extrema importância para escolha de manejo, tratamento e seguimento das pacientes acometidas. A falta de dados na literatura mundial e a falta de protocolos definidos a respeito dessa condição ainda a torna um desafio diagnóstico. Como neste trabalho, a complementação da análise histológica com a IHQ sinaliza uma ferramenta diagnóstica promissora para contribuir com as condutas relacionadas à patologia.

Palavras Chave

Angiomatose mamária. Tumores vasculares primários de mama. Lesões benignas de mama.

Arquivos

Área

Ginecologia

Instituições

Maternidade Carmela Dutra - Santa Catarina - Brasil

Autores

ELIZABETH BERGAMO LEAL, JULIA VOLPATO, BRAULIO LEAL FERNANDES, SILVIA EURIDICE BEAL