XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

PLANEJAMENTO CONCOMITANTE PARA CONSTRUÇAO DE NOVOS GASODUTOS E PARA LICITAÇOES DE CAMPOS DE PETROLEO E GAS: PERSPECTIVAS PARA CAMPOS ONSHORE

Resumo

O Brasil possui grandes reservas de gás natural não convencional onshore, contudo ainda não há exploração comercial dessa fonte de energia no país. Mudanças no planejamento da exploração e produção de gás natural se fazem necessárias, assim como a expansão da malha de transporte para escoar essa produção. A experiência internacional tem mostrado que a viabilidade de campos onshore costuma ocorrer em paralelo a investimentos voltados para o aumento de suas infraestruturas de gasodutos. Em âmbito nacional, lições advindas do setor elétrico brasileiro são importantes sinalizadores ao mostrar que houve sérios problemas relacionados à falta de um planejamento integrado entre os ativos de geração e de transmissão de energia elétrica, de sorte que planejamentos descasados entre ativos complementares já se mostraram ineficientes no país. Neste contexto, este artigo tem por objetivo analisar o potencial da indústria brasileira de gás onshore e propor aprimoramentos no planejamento das licitações de campos terrestres de forma unificada com a expansão da infraestrutura de gasodutos, evitando descasamentos indesejáveis e usufruindo de possíveis sinergias entre as atividades de exploração, produção e transporte. Para atingir esse objetivo foram revisitados os aprendizados internacionais dos Estados Unidos, Canadá, China e Argentina e as lições advindas da experiência do setor elétrico brasileiro. Os resultados da análise indicam que é possível levar a cabo a contratação coordenada e de forma economicamente vantajosa para a construção de gasodutos e para a licitação de campos onshore voltados à exploração de gás natural.

Palavras Chave

Gás Natural. Gás Natural não Convencional. Gasodutos. Campos Onshore. Rodadas de Licitação. Brasil.

Introdução/Objetivos

Embora o Brasil seja conhecido pela exploração de hidrocarbonetos offshore, há importantes reservas onshore que precisam ser viabilizadas antes que a transição energética leve a um mundo no qual tais reservas poderão não mais ter valor significativo. As descobertas de grandes reservas de gás onshore – incluindo os não convencionais, dentre os quais o shale gas é o mais conhecido – têm desencadeado, em várias partes do mundo, importantes mudanças no mercado de energia (LAGE et al., 2013). Contudo, a exploração desse energético, em especial dos não-convencionais, requer tecnologias específicas que viabilizem a produção. Por outro lado, observa-se que há um grande potencial para expansão do mercado de gás natural (GN), tanto no mundo, quanto no Brasil. Além disso, as reservas mundiais do GN onshore passaram a ser ainda mais significativas quando foram incluídas as reservas de GN viabilizadas pelas tecnologias de exploração do shale. Tais tecnologias, no ano de 2012, adicionaram nada menos que 47% a mais nas reservas de GN tecnicamente recuperáveis no mundo (REIG; LUO; PROCTOR, 2013).
Desde 2016, observa-se que quatro países – Estados Unidos, Canadá, China e Argentina – assumiram a dianteira na produção comercial de shale gas. Espera-se que durante a década de 2020 ocorram ainda mais aprimoramentos tecnológicos que incentivem a exploração de shale gas em outros países (EIA, 2016). A partir da virada do século, a indústria de GN dos Estados Unidos experimentou uma verdadeira revolução tecnológica devido à utilização de poços horizontais com a tecnologia do fracking que viabilizou economicamente a produção de shale gas naquele país (BELLELLI, 2013). Boa parte do sucesso da produção de shale nos EUA se deu em consequência da estruturação de um arcabouço regulatório mais flexível, ágil e menos burocrático. Outro fator que contribuiu para o grande desenvolvimento da indústria gasífera nos EUA foi a extensa malha de gasodutos que o país já possuía, antes mesmo do advento do shale e também da sua capacidade de atrair investimentos para ampliar tal malha.
O Brasil, apesar de não possuir produção comercial de shale, conta com reservas significativas de GN onshore. Tais reservas, de acordo com o último relatório sobre o tema disponibilizado pela EIA (2013), colocava o país na 10ª posição do ranking dos países com reservas de shale tecnicamente recuperáveis. Assim, domesticamente estima-se haver aproximadamente 11,7 trilhões de m³ apenas do GN advindo do shale (EPE; MME, 2019). As reservas de shale gas no Brasil localizam-se principalmente nas bacias do Paraná, do Solimões e do Amazonas, e justo essas localizações podem propiciar o desenvolvimento do mercado de GN no interior do território nacional. De acordo com LAGE et al. (2013), a viabilização dessa oferta de gás pode contribuir para a diminuição dos seus preços, tornando os vários segmentos industriais que consomem essa commodity mais competitivos e menos centralizados.
Mudanças regulatórias e incentivos governamentais foram cruciais para países como os Estados Unidos e Canadá, que se tornaram líderes mundiais no mercado de gás natural. Para o Canadá, por sua vez, a demanda americana é crucial para viabilizar as receitas de sua indústria gasífera. Nesse sentido, as experiências internacionais podem ser aprendidas e colocadas em práticas a fim de favorecer outros países, como o Brasil e seus demais vizinhos na América Latina (KILEBER; PARENTE, 2015).
Neste contexto, o objetivo deste artigo é propor melhorias no planejamento das licitações de campos terrestres de óleo e gás, verificando se há vantagens em se realizar tais licitações de forma concomitante com as chamadas públicas para a construção de novos gasodutos. Para isso, o presente artigo estrutura-se em cinco seções. A primeira seção é referente a introdução, em que será apresentada uma visão global do estudo e determinando o objetivo do trabalho. A segunda seção, abordará uma breve evolução da regulação do gás natural no Brasil e nos Estados Unidos, as características da produção de shale gas nos países e como a malha de gasoduto pode ajudar a alavancar a produção de gás natural. A terceira seção aponta um paralelo com a realidade vivida pelo setor de Geração e Transmissão de energia na década passada, em que houveram graves problemas com usinas de geração desconectadas à rede básica por atrasos em obras de linhas de transmissão. A quarta seção apresentará uma proposta para melhoria do planejamento das rodadas de licitação em conjunto com o planejamento da expansão do transporte gasífero. Por fim, a quinta seção traz as considerações finais e resume as principais conclusões relacionadas ao objetivo do presente artigo. Completam esse artigo os agradecimentos e as referências bibliográficas utilizadas.

Metodologia

O Brasil teve uma produção de GN de 46,6 bilhões de m3 em 2020. Esse volume de produção representou um aumento de 103% na década passada. Observa-se, por exemplo, que a produção registrada em 2010 foi de apenas 22,9 bilhões de m3, ou seja, em 10 anos o país mais que dobrou a sua produção de gás (ANP, 2021).
O desenvolvimento das bacias sedimentares com potencial aproveitamento de shale gas, poderia indicar o advento do mercado de gás no Brasil. A matriz de geração elétrica brasileira é fundamentalmente composta por usinas hidrelétricas e renováveis intermitentes. Essa composição com uma grande parcela de usinas hidrelétricas fornece uma falsa sensação de segurança energética, pois em períodos de secas prolongadas o fornecimento de energia fica comprometido. Dessa forma, o mercado de gás com a produção dos campos de shale gas seria uma alternativa para o fortalecimento da matriz energética brasileira.
No Brasil, os recursos minerais, inclusive os subterrâneos, são considerados bens do governo por lei. Assim, o Governo Federal, por meio da agência reguladora, ANP, organiza rodadas de licitações que dão direito à exploração e produção de petróleo e gás natural. Esse arcabouço jurídico-regulatório estabelecido no Brasil torna as atividades de exploração e produção (E&P) de gás menos atrativas aos investidores quando comparadas ao modelo norte-americano.
Outro ponto que dificulta o crescimento da indústria de GN no Brasil é a falta de infraestrutura para escoar e transportar a produção. O Brasil possui dimensões continentais e conta com apenas 45 mil km em gasodutos (CBIE, 2019). Essa malha ínfima dificulta novos investimentos no setor de E&P, pois não há gasodutos capazes de transportar o energético, fazendo com que o gás produzido seja na maioria das vezes reinjetado no poço. As novas construções de gasodutos enfrentam o "dilema do ovo e da galinha". Visto que são investimentos dispendiosos que requerem uma demanda mínima para viabilizar economicamente a construção e para criar uma demanda nova é necessário que haja infraestrutura de escoamento da produção.
Os Estados Unidos são o país que detém a maior reserva provada de shale gas no mundo. A produção de shale gas também teve um crescimento significativo na última década. De acordo com os dados da EIA divulgados em 2021, a produção de shale saltou de 0,8 bilhões de m3 em 2009 para 7 bilhões de m3 em 2019, apresentando um aumento de 775% em apenas 10 anos. O forte crescimento da indústria de shale gas nos EUA foi possível devido a soma de alguns fatores, como por exemplo a ampla infraestrutura de gasodutos e políticas regulatórias favoráveis adotadas pelo país.

Resultados e Discussão

O planejamento da expansão do setor de E&P no Brasil tem tido o intuito de viabilizar novas áreas a empresas interessadas na exploração e produção, assim como o planejamento da construção de novos gasodutos tem sido formulado de acordo com a necessidade de demanda por escoamento e transporte do gás natural. Entretanto, observa-se que não há nenhum planejamento ou estudo envolvendo as rodadas de licitações para E&P de petróleo e GN sendo feitas em conjunto com a expansão da malha de transporte dutoviário.
Após um período de paralisia entre os anos de 2008 a 2013, o planejamento da expansão do setor de petróleo e GN voltou a ser revisto anualmente, levando à definição de áreas e seus respectivos blocos a concedidos em licitações. Já no segmento de transporte de gás, apesar de haver um plano indicativo de expansão da malha, ele é menos específico. A falta de clareza quanto a um planejamento integrado entre os segmentos relativos às atividades de E&P onshore e a de construção de gasodutos traz incertezas e afeta o desempenho do mercado de gás no país, sobretudo quanto à sua interiorização.
Com o objetivo de viabilizar a concessão de campos onshore, bem como a construção de novos gasodutos, propõe-se que as rodadas de licitações promovidas pela ANP sejam realizadas em conjunto com editais de novos gasodutos. Um planejamento integrado entre a expansão do setor de E&P e a indústria de transporte do GN explorando possíveis sinergias entre ativos envolvidos, impacta positivamente a percepção do risco do negócio e contribui para a viabilidade do investimento. Isso porque um risco menor se traduz numa taxa de desconto menor dos fluxos de caixa futuros dos projetos, levando, por sua vez a um valor presente líquido mais alto.

Conclusão

Analisando a situação da indústria gasífera brasileira, percebe-se que, apesar das recentes mudanças regulatórias visando aumentar a atratividade do setor aos investidores, o arcabouço regulatório vigente ainda é bastante burocrático não favorecendo a atração de novos investimentos ao setor. Isso porque, conforme foi visto, diferentemente do que ocorre em outros países, no Brasil, de acordo com a Constituição Federal de 1988, o direito de posse dos recursos minerais do subsolo está reservado à União. Tal condicionante dificulta arranjos de investimentos mais dinâmicos para a exploração de gás natural, especialmente em campos onshore, cujas atividades são, na maioria das vezes, exploradas por investidores de menor porte e com uma produção em menor escala do que nos campos offshore.
Ademais, o planejamento individualizado para as atividades de gás – ora voltado apenas para a exploração e produção de gás onshore e ora para a exploração da infraestrutura de transporte e distribuição dessa commodity – dificulta o desenvolvimento do mercado gasífero no país, já que essas atividades estão interconectadas e precisam caminhar juntas. Com efeito, sem investimento na exploração de gás não haverá o que transportar e distribuir. Do mesmo modo, sem a infraestrutura de distribuição, não haverá como levar o gás extraído ao consumidor final.
Da análise realizada ficou claro que enquanto as rodadas de licitação de petróleo e gás vieram acontecendo desde a virada do século com periodicidade praticamente anual, buscando atender uma demanda crescente por esses energéticos, o mesmo não ocorreu com a expansão da malha de transporte. As chamadas e estímulos para atrair novos investimentos na infraestrutura de gasodutos ficaram praticamente estagnados a partir do ano de 2010. Esse descasamento em atividades naturalmente complementares confirma a carência de um planejamento integrado. Caso tal planejamento tivesse ocorrido, seria de se esperar que a expansão das atividades de E&P de gás estivessem relacionadas à expansão das atividades de transporte e distribuição, o que fortaleceria toda a cadeia de gás no país, propiciando inclusive a interiorização da indústria gasífera no país.
Após a análise da evolução dos segmentos de geração e de transmissão de energia elétrica no Brasil, foi possível constatar que o planejamento descasado entre os ativos de geração e de transmissão ocasionou uma série de problemas. De fato, algumas usinas que estavam aptas a operar não puderam fazê-lo por faltas de ativos de transmissão conectados à rede básica, comprometendo o fornecimento de energia ao Setor Elétrico Brasileiro. Assim, tendo feito um comparativo desses segmentos da indústria de energia elétrica com os segmentos de produção e transporte de gás natural, fica claro que os fatos ocorridos com setores interdependentes como geração e transmissão de energia elétrica, assim como na exploração e produção de gás e na sua infraestrutura de transporte e distribuição podem produzir descasamentos com consequências deletérias se não forem adequadamente harmonizados.
Por fim, reafirma-se a importância de que a infraestrutura de gasodutos acompanhe a crescente evolução da exploração e produção de gás, como ocorreu em outros países. Isso é particularmente importante para as bacias onshore, que precisam contar com formas de escoar e transportar o energético produzido. Desse modo, destaca-se que a proposição de um planejamento concomitante para a expansão setores de exploração e transporte de gás está atrelada ao crescimento em conjunto das partes envolvidas. Pode-se concluir que a formulação de um planejamento conjunto entre os setores de E&P de gás e do transporte e distribuição, através de gasodutos e de malha fina das distribuidoras, mostra-se como uma alternativa promissora para viabilizar a produção de novos campos onshore, potencializando o crescimento do mercado no interior do país.

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Área

Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural

Instituições

Universidade de São Paulo - São Paulo - Brasil

Autores

OLIVIA DEL-PUPPO PEREIRA FERNANDES, VIRGINIA PARENTE