XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

MODELO DE FISCALIZAÇAO RESPONSIVA DA AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIARIOS (ANTAQ)

Resumo

O objetivo do presente artigo é apresentar o contexto e a abordagem metodológica do projeto de implementação da Fiscalização Responsiva na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) com a implantação de modelo descritivo de quantitativo de risco dos regulados visando à alteração do formato de atuação fiscalizatória da Agência à luz dos 11 (onze) princípios desenvolvidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Palavras Chave

ANTAQ. Fiscalização Responsiva. OCDE.

Introdução/Objetivos

O princípio da teoria responsiva fora formulado originalmente por Ian Ayres e John Braithwaite, em 1992, fornecendo mais do que um simples modelo regulatório, mas uma ferramenta que permite pensar a regulação de forma flexível e atemporal.

O termo “responsivo” está definido em dicionário como “que contém resposta”. Quando se torna característica do planejamento fiscalizatório, ganha um significado mais abrangente: ter a resposta adequada para cada situação enfrentada.

A teoria responsiva estabelece que as estratégias voltadas para o alcance da conformidade regulatória devem ser moduladas a partir da análise do histórico comportamental das empresas a serem fiscalizadas, ou seja, se baseia na premissa de que diferentes agentes demandam diferentes respostas, devendo essas se apresentarem em ações combinadas de intervenções dissuasivas e persuasivas.

A partir do diagnóstico do histórico comportamental de uma empresa, o regime regulatório deve ser elaborado e utilizado de forma proporcional a sua conduta, sendo o comportamento dos agentes e as peculiaridades do setor os principais fatores que irão justificar uma maior ou menor intervenção estatal.

De acordo com Ayres e Braithwaite, e diferentemente do que muitos acreditam, a estratégia mais efetiva de fiscalização é aquela em que infrações similares não obrigatoriamente são objeto de idêntica abordagem e tratamento, mas devem ser alvo de um comportamento regulatório que visa ao cumprimento de regras e atingimento de padrões, o que pode se dar através da utilização de um rol de diferentes ações: educação; orientação; obtenção e análise de dados; divulgação de informações e resultados de desempenho dos agentes regulados e do setor como um todo; atividades de fiscalização no sentido mais estrito tais como notificação, advertência, multa e aplicação de sanções de forma geral.

Por isso é de grande importância trabalhar junto às empresas o conceito de Regulatory Compliance, ou seja, a aderência às leis, regulamentos e diretrizes que são relevantes para seus processos de negócio. O próprio conceito já prevê em sua descrição que as violações a essas diretrizes de conformidade regulatória geralmente resultam em punições legais.

Mas como essas punições devem ser aplicadas pelas Agências Reguladoras? Com que peso a mão regulatória deve ser exercida? Foi para responder a essas perguntas que Ayres e Braithwaite apresentaram a pirâmide de conformidade regulatória:

Figura 1 – Pirâmide de fiscalização

Fonte: Congresso Brasileiro da ABAR

Metodologia

Os estudos iniciais apontaram para o objetivo central do projeto: o desenvolvimento de estratégias voltadas para o alcance da conformidade regulatória, moduladas a partir do histórico comportamental das empresas componentes do ambiente regulado da ANTAQ, ou seja, diferentes comportamentos dos fiscalizados passaram a ser tratados com diferentes abordagens fiscalizatórias.

Vejamos que, de partida, o raciocínio central da ação fiscalizatória da Agência migra do modelo dualístico de alocação fiscal para uma modelagem seccionada e customizada em gradações de comportamento dos regulados, concatenada com abordagens fiscalizatórias específicas, como veremos a seguir. Aqui, percebe-se que o foco sai da atenção à penalização pela constatação de condutas infratoras, sem prejuízo da necessidade de sua aplicação quando necessário, para o estímulo à conformidade fiscal do ambiente regulado.

Recapitulando a simbologia da famosa “pirâmide regulatória” desenvolvida por Ayres e Braithwaite, chegamos aos elementos/pressupostos conceituais básicos da fiscalização responsiva, a saber:

a) A atividade fiscalizatória necessita de múltiplas formas de atuação e aplicação de sanções de “seriedade escalável”;
b) O esforço fiscal empreendido deve ser piramidal, ou seja, as sanções mais pesadas são usadas preponderantemente para o topo da pirâmide, formado por regulados com histórico de inconformidade regulatória mais acentuado. Assim, sanções de maior intensidade são aplicadas com menor frequência que aquelas direcionadas à base da pirâmide, de menor impacto sancionador;
c) Todas as formas de ação e sanções fiscais previamente estabelecidas devem ser efetivamente utilizadas quando necessário. Denota-se, portanto, a necessidade de desenvolvimento e oferta de um espectro de soluções fiscais mais amplas, com diversas ações a serem utilizadas para cada faixa de conformidade regulatória; e
d) Os níveis mais altos de sanção são incentivos para que os níveis menores funcionem.

A tomada de decisão pela implementação do modelo de fiscalização responsiva na Agência passou por uma outra decisão fundamental e decisiva, que acabou por determinar o grande diferencial da incorporação do conceito de responsividade fiscal na ANTAQ. Ora, se o histórico de conformidade regulatória dos players estaria diretamente relacionado ao modo como se daria a ação fiscalizatória da Agência, que modelo determinaria a classificação de todo o ambiente regulado? A resposta encontrada pela Agência foi inspirada nos Princípios 1 e 3 da OCDE já discutidos anteriormente neste artigo: fiscalização baseada em evidências (Evidence-based enforcement) e foco em risco e proporcionalidade (Risk-focus ans proportionality).

Neste sentido, a Agência deu início ao desenho de uma modelagem de gerenciamento de risco regulatório baseada no histórico comportamental dos fiscalizados, baseada no desenvolvimento de indicadores divididos em 3 (três) tipos de risco, quais sejam:

a) Risco Primário: nível de risco caracterizado pela baixa propensão marginal ao cometimento de infrações, representando um pequeno dano/impacto à conformidade regulatória;
b) Risco Potencial: nível de risco caracterizado pela média propensão marginal ao cometimento de infrações, representando um dano/impacto médio à conformidade regulatória; e
c) Risco Incidental: nível de risco caracterizado pela alta propensão marginal ao cometimento de infrações, representando um dano/impacto alto à conformidade regulatória.

Figura 2 – Tipos de risco dos indicadores

Fonte: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.

Resultados e Discussão

O formato de desenho da modelagem de risco por meio do desenvolvimento dos indicadores permitiu a agregação dos regulados por similaridade de risco fiscal, viabilizando o agrupamento em 3 (três macro faixas), com sua respectiva correlação com os graus de frequência e intensidade fiscais, conforme pode ser definido graficamente pela figura abaixo:

Figura 3 – Formato de agrupamento e correlação com frequência e intensidade fiscais.

Fonte: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.

As 3 (três) macro faixas de agrupamento, embora de fundamental importância para a materialização conceitual dos grupos de risco, ainda não conferiam ao modelo a precisão desejada quanto à adequação aos critérios e frequência e intensidade, tampouco viabilizava o modelo de alocação piramidal de Ayres e Braithwaite, ensejando uma subdivisão das faixas que viabilizasse a intenções iniciais.

Para tornar possível essa modelagem, a área de fiscalização da Agência decidiu por apresentar um formato de agrupamento baseado no Triângulo de Pascal e na Sequência de Fibonacci. A proposta atingiu o objetivo almejado, ou seja, não somente permitiu a segregação em mais grupos de risco, como também possibilitou o aprofundamento do conceito de "intensidade e frequência fiscais" com a manutenção de níveis quantitativos de fiscalização mais exequíveis.

Figura 4 – Modelo do Triângulo de Pascal e Sequência de Fibonacci.

Fonte: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.

Nestes termos, o modelo final de alocação não somente foi ao encontro dos pressupostos iniciais do projeto, como também permitiu um perfeito relacionamento com a especificidade requerida para os padrões e frequências fiscais previamente estabelecidos, com a seguinte formatação final:
Figura 5 – Modelo final da Pirâmide ANTAQ.

Fonte: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.

Conclusão

Até o ano de 2019, a atividade fiscalizatória da ANTAQ estava baseada num modelo linear de alocação de regulados, ou seja, o planejamento das ações fiscais decorria de uma classificação binária do ambiente regulado, em que as decisões de fiscalizar ou não fiscalizar estavam fundamentadas em impressões sobre o comportamento dos regulados obtidas a partir de regras lineares de tratamento obtida pelas impressões fiscais observadas em anos anteriores.

Todavia, os desafios já citados no presente artigo apontavam para obsolescência do modelo adotado até então, seja pela adoção do modelo linear de tratamento dos regulados, seja pela própria inviabilidade de continuar fiscalizando um ambiente regulado que havia tomado grandes proporções sob os pontos de visa quantitativo, no que tange à quantidade de empresas que passaram a compor o setor de transporte aquaviário sob a competência da ANTAQ, e sob a perspectiva qualitativa, quanto ao aumento da complexidade das relações jurídicas, operacionais e econômicas do mercado.

Nestes termos, a grande mudança proposta para a atividade fiscalizatória da Agência passava, necessariamente, pelo desafio de compreender cada regulado de forma individual com o objetivo de adotar a gradação fiscal necessária a partir de instrumentos diferenciados de coerção.

O grande divisor de águas que permitiu a transição metodológica para um ambiente de monitoramento fundamentado nas modernas premissas da OCDE, foi a adoção de um modelo quantitativo de gerenciamento de risco com base em evidências como estado da arte em práticas fiscalizatórias.

Percebe-se que, com a aplicação do modelo de fiscalização responsiva, um novo cenário se constrói, visando ao dispêndio de energia fiscalizatória de forma mais racionalizada, trazendo benefícios para a Agência e para o setor.

Pelos diversos fatores já mencionados, fica, então, clara a tendência de esgotamento do modelo tradicional e a necessidade de ferramenta moderna que solucione os problemas enfrentados. Diante desse diagnóstico, não se vislumbra alternativa a não ser a inovação do modelo fiscalizatório.

O que se espera como resultado decorrente dessa reforma está relacionado ao incremento da conformidade regulatória, à melhoria na qualidade dos serviços prestados e ao fortalecimento na relação de confiança já construída entre a Agência e seus regulados.

Por fim, se vislumbra importante mudar a discussão dos termos de cultura de esforço para uma cultura de resultados, alterando o modelo de comando e controle para modelo de influência e incentivo de comportamentos em direção aos resultados almejados.

Referências Bibliográficas

AYRES, I., & BRAITHWAITE, J. Responsive Regulation: Transcending the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press, 1992.
FERNANDES, Camilla. A Reforma do Modelo de Fiscalização do Setor Elétrico Brasileiro. Enap. Brasília, 2018.
OECD. Regulatory Enforcement and Inspections. OECD Publishing, Paris, 2014. Disponível em: https://www.oecd.org/gov/regulatory-enforcement-and-inspections-9789264208117-en.htm. Acesso em: nov.2017.

Área

Transporte (todos os Modais)

Instituições

ANTAQ - Distrito Federal - Brasil

Autores

FABIO QUEIROZ FONSECA, GABRIELA COELHO DA COSTA