Dados do Trabalho
Título
REGULAÇAO E RISCO: UMA ANALISE SOBRE O USO DO HERBICIDA GLIFOSATO
Resumo
O presente estudo visa descrever o processo regulatório para utilização do herbicida glifosato no Brasil, bem como discutir seus riscos, embates e pressões entre reguladores e regulados nesse processo. Para tanto, serão apresentadas e aplicadas ferramentas regulatórias utilizando os seguintes modelos de análise: Mapeamento em matriz 2X2 e axiomas de Heinmann (1997), framework de Hood et al. (2001), framework de Baldwin e Black (2008), ferramenta Bow Tie e representação de riscos em matriz 4X4.
Palavras Chave
Regulação. Agrotóxico. Glifosato. Saúde Pública. Meio Ambiente.
Introdução/Objetivos
Desde a década de 50, quando se iniciou a chamada ‘revolução verde’, foram observadas profundas mudanças no processo tradicional de trabalho agrícola no Brasil, bem como seus impactos sobre o meio ambiente e a saúde humana. (PEREZ et. al., 1999). Nas duas últimas décadas, as mudanças que acompanharam a modernização da agricultura destacam-se na irrigação, na mecanização, na aplicação de fertilizantes e no uso de agrotóxicos destinados a combater pragas, doenças e ervas daninhas. (ZAVATTI, 1999).
Conforme Perez et.al., 1999, a utilização destes produtos no Brasil tem origem, basicamente, no período de 1960-70, quando no campo constatou-se um progressivo processo de automação das lavouras, com o implemento de maquinário e utilização de produtos agroquímicos no processo de produção. Isso foi estimulado pela implementação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que vinculava a concessão de empréstimos aos produtores à fixação de um percentual a ser gasto com agrotóxicos, considerados, então, símbolo da modernidade no campo.
Nesse contexto está inserido o glifosato, princípio ativo que surgiu por meio da indústria farmacêutica, chegando a ser utilizado para limpar metais. Porém, se popularizou nos herbicidas da Monsanto, que hoje pertence à Bayer. A predominância desse pesticida se deve à sua eficácia, maior que qualquer outro produto de sua categoria (PORTAL G1, 2021).
No entanto, encontra-se atualmente em meio a polêmicas e debates em virtude de haver sido classificado em 2015 como “provável carcinógeno” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer - Iarc (na sigla em inglês), que é vinculada à Organização Mundial da Saúde - OMS, causando a redução do seu consumo em diversos países como Alemanha e França, que se encaminham para a proibição total, o que já aconteceu na Áustria. (FIOCRUZ, 2019).
No Brasil, assim como todos os agrotóxicos, é regulado por meio de um sistema tripartite, formado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que atua no que se refere à produção agrícola, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), responsável por assuntos referentes à saúde pública, e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), no que tange aos impactos ambientais (IPEA, 2019).
Metodologia
Considerando a relevância do assunto, elaborou-se o seguinte problema de pesquisa: Quais os fatores envolvidos no processo regulatório do agrotóxico glifosato no Brasil?
Como objetivo geral propõe-se: Descrever o processo regulatório para utilização do herbicida glifosato no Brasil e discutir seus riscos, embates e pressões entre reguladores e regulados nesse processo.
Para atingir este objetivo será realizada uma pesquisa qualitativa com utilização de técnica exploratória, que geralmente são úteis para diagnosticar situações, explorar alternativas ou descobrir novas ideias (ZIKMUND, 2000).
Será realizada pesquisa bibliográfica com base na literatura de Regulação e Risco para aplicação de ferramentas regulatórias utilizando os seguintes modelos de análise: Mapeamento em matriz 2X2 e axiomas de Heinmann (1997), framework de Hood et al. (2001), framework de Baldwin e Black (2008), ferramenta Bow Tie e representação de riscos em matriz 4X4. Também será realizada pesquisa documental, definida por Lakatos e Marconi (2001) como a coleta de dados em fontes primárias, como documentos escritos ou não, pertencentes a arquivos públicos; arquivos particulares de instituições e domicílios, e fontes estatísticas.
Resultados e Discussão
Em 2019, indo na contramão do cenário mundial, o glifosato não apenas teve a licença de comercialização renovada no Brasil como também tornou-se menos perigoso aos olhos do governo brasileiro. Para convencer a sociedade da segurança e manter a liberação, a ANVISA passou a utilizar um critério europeu de classificação toxicológica em seu novo marco regulatório que não condiz com a realidade dos agricultores locais, além de considerar apenas doses letais, o que relaxou as regras do uso em lavouras (FIOCRUZ, 2019).
Durante esta pesquisa, muitas foram as evidências encontradas de pressões sofridas por reguladores envolvidos neste contexto, inclusive com o uso de judicialização, como mostra o relato de um ex-funcionário da Fiocruz. Em entrevista ele revela que no ano de 2009, foi impetrada uma ação no judiciário impedindo a Anvisa de fazer a reavaliação toxicológica de produtos, sendo que este é o único órgão que tem autorização legal e capacidade técnica para fazer isso (FIOCRUZ, 2019).
No âmbito internacional, um fato recente noticiado foi o caso da multa que o órgão supervisor da privacidade de dados pessoais na França aplicou na Monsanto pertencente ao grupo alemão Bayer, por influenciar a opinião pública no debate sobre a proibição do herbicida glifosato associando a marca a figuras públicas sem o consentimento das mesmas ocasionando um valor de 400 mil euros de penalidade. Na investigação, foi descoberto que o mesmo caso havia ocorrido em 5 países: Alemanha, Itália, 30 Holanda, Polônia e Reino Unido, no mesmo modus operandi - desenvolvimento da operação de contravenção. (UOL, 2021).
Conclusão
Considerando a fala do agrônomo Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da Fiocruz, em entrevista ao IHU On-Line: “nunca vi a ciência voltar atrás em sua posição depois de levantar qualquer possibilidade de perigo em relação a um produto. Tudo que é produzido em termos de conhecimento científico na sequência é para comprovar ainda mais o efeito danoso identificado” (FIOCRUZ, 2019), entende-se que o herbicida glifosato representa um importante risco à saúde das populações humanas e à natureza. A maneira com que esse produto vem sendo regulado em nosso país leva a questionamentos como quais são os impactos causados no sistema de saúde e no meio ambiente, e se as atuais decisões tomadas não têm trazido efeitos prejudiciais maiores que qualquer benefício.
A implantação de medidas de transparência e o envolvimento da sociedade civil organizada nos processos regulatório mostra-se de suma importância para que haja uma constante revisão dos parâmetros de liberação e autorização de uso de produtos químicos nas lavouras por parte dos órgãos competentes, de forma que eventuais influências políticas e de empresas não se sobreponham aos interesse e necessidades da sociedade como um todo.
Destaca-se ainda a importância do incentivo às pesquisas para descoberta de alternativas para substituição do uso do glifosato. Na Alemanha, já existem estudos de uma molécula de açúcar inofensiva à saúde dos seres humanos e ao meio ambiente que inibe o crescimento de plantas e microorganismos. Ações não-coercitivas para conscientização também podem trazer resultados positivos no sentido de alteração comportamental dos atores envolvidos, pois trata-se também de uma questão cultural.
Referências Bibliográficas
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59-94, 2008.
HEIMANN, C. F. L. (1997). Understanding agency failure. In C. F. L. Heimann (Ed.),
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Michigan: The University of Michigan Press.
HOOD, Christopher; ROTHSTEIN, Henry; BALDWIN, Robert. O Governo de Risco: Entendendo os Regimes de Regulação de Risco (The Government of Risk: Understanding Risk Regulation Regimes). Oxford Scholarship Online. p. 22, 2003.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos metodologia científica. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2001
IPEA TD 2506 - Agrotóxicos no Brasil: padrões de uso, política da regulação e prevenção da captura regulatória. Rodrigo Fracalossi de Moraes, Brasília, setembro de 2019. Disponível em http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9371/1/td_2506.pdf Acesso em 05/07/2021.
PEREZ, Frederico, MOREIRA ,Josino Costa, DUBOIS, Gaetan Serge. Agrotóxicos, Saúde e
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PORTAL DO CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA FIOCRUZ: Glifosato, um provável carcinógeno liberado no Brasil. Disponível em: https://cee.fiocruz.br/?q=node/1086 Repositório Ipea http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9371/1/td_2506.pdf. Acesso em 10/07/2021.
PORTAL DO G1: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/02/26/glifosato-anvisa-diz-que-agrotoxico-mais-usado-no-brasil-nao-causa-cancer-e-vai-abrir-consulta-publica-sobre-regulacao.ghtml Acesso em 15/07/2021.
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ZAVATTI, LESLIE, Maria Segura; ABAKERLI, Rosângela Blotta. Resíduos de agrotóxicos em frutos de tomate. Toxicologia. Pesq. agropec. bras. 34 (3) 1999. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pab/a/tkkWGh6pMS8yDDTPg5XLYwc/?format=html Acesso em: 14/07/2021.
ZIKMUND, W. G. Business research methods. 5.ed. Fort Worth, TX: Dryden, 2000.
Área
Saúde Pública e Vigilância Sanitária
Instituições
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Santa Catarina - Brasil
Autores
DEBORA PONTES ESTEVES, JOSILENE VIEIRA JONCK, THIAGO OLIVEIRA COSTA, REJANE ESTHER VIEIRA