Dados do Trabalho
Título
INSTRUMENTOS REGULATORIOS DE CONTROLE E PARTICIPAÇAO SOCIAL NO SANEAMENTO BASICO
Resumo
O presente artigo aponta para a importância dos mecanismos de controle e participação social para a gestão da administração pública brasileira, especialmente no ambiente regulatório dos serviços de saneamento básico. Detalha ainda como está estabelecido e assegurado essas instâncias nos marcos legais vigentes para o setor. Além disso, apresenta práticas de governança e de participação social de modo a proporcionar ao cidadão a inclusão nas discussões das regras da prestação dos serviços de saneamento básico. Para isso, contextualiza os desafios do regulador para garantir a representatividade e o equilíbrio de interesses do poder concedente, usuário e prestador de serviço nas definições das normas regulatórias.
Palavras Chave
controle social; participação social, governança, pesquisa de satisfação, agenda regulatória.
Introdução/Objetivos
Este trabalho busca mostrar a importância dos mecanismos de controle e participação social para a gestão da administração pública brasileira, especialmente no ambiente regulatório dos serviços de saneamento básico.
No caso da regulação dos serviços públicos, há uma especificidade que consiste no compromisso de garantir a representatividade e o equilíbrio de interesses do poder concedente, usuário e prestador de serviço nas definições das normas. Sabe-se, no entanto, que este é um grande desafio para o regulador, e o único caminho para a confiança no órgão regulador é a transparência das ações e a interlocução clara com a sociedade.
A Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB) 11.445, de 2007, recentemente alterada pela Lei 14.026, de 2020, estabelece as diretrizes nacionais para o setor e determina o controle social como atividade obrigatória para a política pública de saneamento básico.
Vale destacar que, à exceção das consultas pública, todas as modalidades de controle e participação social, até o início de 2020, período que marca o começo do avanço da pandemia da Covid-19 no Brasil, aconteciam predominantemente no modo presencial e exigiam dos participantes o deslocamento até à instituição pública para ser ouvido. A partir daquele ano, as práticas passaram a ser realizadas por meio de plataformas digitais. Pode-se inferir que foi iniciado um novo tempo da interlocução entre administração pública e sociedade e também de inovação democrática, que merece atenção das agências reguladoras de modo a garantir esse espaço conquistado.
Metodologia
Este trabalho foi desenvolvido por meio de levantamento das diretrizes normativas do setor, de pesquisas com dados secundários e bibliográficas agregadas às experiências dos autores enquanto reguladores.
Resultados e Discussão
A participação social em políticas públicas, no Brasil, passou a ser assegurada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, convertendo-a em um direito fundamental inscrito no artigo primeiro da Carta Magna. Embora a partir desse marco tenham surgido diversos mecanismos de participação do cidadão nas definições e nas avaliações das políticas públicas, ainda é grande a distância que separa a administração pública da sociedade civil.
Vale salientar que, em 2014, foi publicado o Decreto Federal 8.243 que instituiu a Política Nacional de Participação Social – PNPS, que significou à época um grande avanço democrático na relação entre gestão pública e o cidadão. Entretanto, em 2019, a PNPS foi revogada pelo Decreto nº 9.759, representando um retrocesso com a extinção e limitação de instâncias de participação social nas políticas públicas, refletindo inclusive no normativo que dispõe sobre o Comitê Interministerial de Saneamento Básico, ente responsável por assegurar a implementação da política federal do setor.
Entre as ferramentas adotadas pela administração pública brasileira que visam trazer o cidadão para o âmbito da gestão pública, destacam-se as audiências e consultas públicas, os conselhos orientativos e consultivos, os orçamentos participativos, os conselhos gestores, as conferências temáticas e ouvidorias.
Vale lembrar que, na década de 1990, o Brasil passou por um processo de transformação econômica com a privatização dos serviços públicos, momento em que foram criadas as agências reguladoras, cujas atividades impactam diretamente os usuários dos serviços públicos, seja com a definição de regras, com o cálculo das tarifas, com a fiscalização dos serviços prestados pelos prestadores. As agências até hoje são pouco conhecidas do cidadão. Suas atribuições e competências não estão claras para importante parcela da população, cujas ações impactam diretamente no cotidiano das pessoas.
Os principais canais de controle social adotados pelas agências reguladoras são as audiências e consultas públicas, os conselhos de consumidores, os conselhos orientativos e consultivos e as ouvidorias.
Esses instrumentos, no entanto, não se mostraram como suficientes para garantir a participação daqueles cidadãos que não se encontram representados por entidades de classe, sindicatos, associações, empresas de consultorias, ONG etc.
A complexidade da atuação do órgão regulador, a tecnicidade da linguagem e o cenário de desconhecimento do papel das agências dificultam a participação da sociedade no processo regulatório, agravado, sobretudo, pelo tipo de mecanismos reservados para a participação social, que são especialmente as audiências e as consultas públicas.
Isso se dá também no setor de saneamento.
A Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB) 11.445, de 2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, postula que os serviços serão prestados com base nos princípios fundamentais, dentre outros, o controle social, que pode ser feito por um ou mais mecanismos, tais como: debates, audiências públicas, consultas públicas, conferências das cidades ou participação de órgãos colegiados de caráter consultivo.
O princípio da política regulatória, segundo a OCDE (2017a), é garantir que a regulação seja implementada de acordo com o interesse público. Para isso, necessita ser inclusiva, pertencer a um contexto de cultura de governança na qual prevê uma administração pública aberta ao diálogo e recebimento de contribuições, para imprimir boas práticas em todas as etapas do processo das regulamentações: planejamento, elaboração, implementação e revisão.
Percebe-se no ambiente regulatório do setor de saneamento básico, a urgente necessidade de aprimoramento dos instrumentos de controle e participação social de modo a dar cobertura à extrema diversidade e complexidade dessa prestação de serviço, especialmente no cenário atual que é marcado por grandes mudanças fixadas pelo Novo Marco de Saneamento (Lei 14.026/2020) e por intensas discussões frente à premência dos prazos dispostos na Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Um importante instrumento de governança que vem sendo adotado por algumas agências reguladoras é a Agenda Regulatória, que assegura à sociedade transparência e previsibilidade das ações que serão tomadas por um período determinado.
Outra prática valiosa, embora não apreendida enquanto ferramenta de participação social pela maioria das agências, é a pesquisa satisfação.
Entende-se que quando a pesquisa de satisfação é apreendida pelo Estado como uma forma de participação popular, diferentemente dos demais instrumentos habitualmente utilizados, ela capacita os órgãos de governo com um leque diversificado de possibilidades e de conteúdos coletados diretamente junto aos cidadãos, que auxiliarão na gestão governamental.
Conclusão
Merece destacar que no contexto da regulação dos serviços públicos, o cidadão depara-se com as assimetrias de informação, de linguagem e de oportunidades, quando comparados com os demais agentes envolvidos na prestação dos serviços públicos regulados. A falta de conhecimento específico, a utilização de termos técnicos e a carência de oportunidades de acesso ao órgão regulador, são aspectos que distanciam a população das agências. Entretanto, com práticas de governança, adoção da agenda regulatória e da aplicação de pesquisas de satisfação essas assimetrias podem ser amenizadas e proporcionar ao cidadão a inclusão nas discussões dos serviços regulados.
É imperioso ressaltar que a possibilidade de participar da gestão e definição de políticas públicas, além de reforçar o sentimento de cidadania, aproxima a população das instâncias de decisão, permitindo a colaboração para o futuro do ambiente regulatório. Ademais, esse caminho vai ao encontro de 2 (dois) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, do novo modelo global estabelecido na Agenda 2030, pela Organização das Nações Unidas – ONU, são eles: ODS 6 - Água potável e saneamento e ODS 16 : Paz, justiça e instituições eficazes.
Referências Bibliográficas
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Área
Temas Transversais: Aspectos Jurídicos e Institucionais da Regulação; Transparência e Controle Social; Melhoria da Qualidade da Regulação; Governança Regulatória; Análise de Impacto Regulatório
Instituições
Arsesp - São Paulo - Brasil
Autores
SAMIRA BEVILAQUA, IGOR MEDEIROS DA SILVA