XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

LICITAÇAO PARA SISTEMA CONCORRENCIAIS DE TRANSPORTE: TARIFA E OFERTA POR MODO UTILIZANDO EQUILIBRIO DE NASH

Resumo

Nos últimos 20 anos vem ocorrendo uma abertura contínua no mercado de serviços de transporte rodoviário de passageiros com o consequente aumento na concorrência entre diversos modos. Entretanto, o marco regulatório pouco foi alterado nesse período e as entidades responsáveis pela gestão / regulação tem sido pressionadas para a elaboração de regulamentações e promoção de licitações que considerem este aspecto concorrencial do setor. Observa-se que as soluções adotadas têm feito uso de definições arbitrárias e sem embasamento teórico robusto, a despeito de vários avanços metodológicos recentes na área de modelagem da oferta (ex. Teoria dos Jogos) e da demanda (ex. Modelos Discreto de Escolha). Uma possível consequência dessa abordagem arbitrária e defasada metodologicamente é a variedade de certames licitatórios de serviços de transportes que foram desertos ou sem vencedores com a consequente adoção de autorizações temporárias e precárias. Diante disso, é apresentado neste artigo os primeiros resultados de uma metodologia que busca estimar dois relevantes aspectos no procedimento licitatório, tarifa e oferta (frota), para cada operador modal utilizando Teoria dos Jogos, com Equilíbrio de Nash, e Modelos de Escolha Discreta. Os valores encontrados podem ser utilizados como referência para situação de mercados mais competitivos já que estes tendem a ter um equilíbrio semelhante ao Equilíbrio de Nash.

Palavras Chave

Concorrência. Marco Regulatório. Serviços de Transportes de Passageiros. Teoria dos Jogos. Equilíbrio de Nash. Modelo de Escolha Discreta. Licitações.

Introdução/Objetivos

Desde o final do século passado, o setor de transporte rodoviário de passageiros no Brasil vem sofrendo pressões para uma abertura maior do seu mercado, principalmente com a utilização de veículos de menor capacidade (ex. peruas). Essas pressões resultaram em algumas regulamentações municipais e estaduais que formalizaram serviços de transporte com veículos de menor capacidade, que passaram a ser denominados alternativo ou complementar. Essa abertura do mercado de transporte rodoviário de passageiros continuou ocorrendo continuamente, com a entrada de vários novos operadores, tais como mais recentemente os operadores de transporte individual através de aplicativos. Apesar desta maior competição no mercado, o marco regulatório do setor pouco mudou nesses últimos 20-30 anos (com exceção do transporte interestadual).

Diante disso, uma das questões de difícil solução atualmente é como promover um certame licitatório com a definição dos mercados (linhas ou áreas de operação) onde será aberto para maior competição entre os operadores e qual o nível da competição, com a definição dos preços (i.e., tarifas) e da oferta (i.e., frota) para cada tipo de operador. Geralmente, definisse arbitrariamente uma certa divisão do mercado para cada modo diante de suas capacidades de transportes (ex.: 80% para ônibus e 20% para vans), com a posterior estimativa de frotas e tarifas para cada modo. Essa definição arbitrária não leva geralmente em consideração os níveis de custos por modo, as preferências dos usuários, a concorrência no mercado entre os modos e os mecanismos regulatórios existentes (tarifa e oferta).

Por outro lado, vários avanços científicos ocorreram nesses últimos 20-30 anos especialmente nas áreas de simulação da concorrência, com os avanços na área de Teoria dos Jogos, e de explicitação das preferências dos usuários, com o advento dos modelos de escolhas discretos e suas aplicações. Esses avanços possibilitariam uma maior investigação nos cenários existentes para as licitações de mercados de transportes com a existência de concorrência no Brasil. Entretanto, observa-se que a não aplicação dessas metodologias pode estar influenciando que estes certames licitatórios tenham enfrentado muitas resistências políticas e baixa atratividade, com vários certames desertos ou sem vencedores, resultando posteriormente em soluções precárias (ex. autorizações temporárias e precárias).

Diante disso, o objetivo principal deste artigo é apresentar os primeiros resultados da aplicação de uma metodologia elaborada para auxiliar nesse tipo de análise, utilizando-se dos mais recentes conceitos advindos da área de Teoria do Jogos e de Modelos Discretos de Escolha. A aplicação da metodologia neste artigo simplifica vários aspectos que podem ser adicionados de acordo com a disponibilidade de informações mais detalhadas para melhoria dos modelos matemáticos em cada aplicação (Train, 2003).

Metodologia

A) CONCEITOS TEÓRICOS UTILIZADOS: TEORIA DOS JOGOS
A Teoria dos Jogos é o estudo da decisão de problemas envolvendo várias pessoas (Gibbons, 1992). Para possibilitar o estudo e a aplicação da Teoria dos Jogos é necessário inicialmente representar o problema de decisão (o jogo) através de uma forma, podendo ser a forma normal ou a forma extensiva (Gibbons, 1992).

Outro conceito relevante é o conceito de Equilíbrio de Nash. Primeiramente, é necessário definir o conceito de curva (ou função) de reação. A curva de reação é a representação das estratégias que serão tomadas por cada participante, buscando maximizar seu retorno, diante das estratégias tomadas por outros participantes. As curvas de reação podem ser encontradas através da formulação matemática de problemas de maximização do retorno (payoff) diante de várias estratégias e da elaboração das condições de primeira ordem (condições de Karush-Kuhn-Tucker). De posse das curvas de reação de cada participante, o Equilíbrio de Nash consiste no ponto das decisões dos participantes onde todos os participantes não têm incentivo nenhum para mudar sua estratégia pois resultaria em um menor retorno (Gibbons, 1992).

B) MODELAGEM MATEMÁTICA: DEMANDA (DIVISÃO MODAL)
Por tratar-se de um modelo matemático de competição modal, a equação de demanda por operador/competidor depende do modelo de divisão/partição modal. O modelo de divisão modal adotado está representado por equações de probabilidade de escolha, a partir da utilidade linear de cada modo i para cada indivíduo/usuário n, em função dos valores dos atributos de cada modo i, utilizado um modelo logit binomial/multinomial, modelo discreto bastante adotado (Train, 2003).

Dentro dos modelos geralmente apresentados na literatura econômica de competição de Equilíbrio de Nash, duas decisões dos fornecedores / operadores são consideradas: preço e quantidade (Gibbons, 1992). Para o sistema de transportes, entende-se que a decisão de preço pode ser representada pela tarifa (TARin) e a de quantidade pelo número de veículos adquiridos pelo fornecedor / operadores (Fi), que influencia no tempo de espera do modo i (TEin), caso o intervalo entre partidas (headway) seja pequeno. A variável tempo de espera consta geralmente em modelos de divisão modal baseada em modelos de escolha discreta junto com a variável tempo de viagem dentro do modo i (TDVin).

Por fim, considera-se que a demanda de cada modo i depende de uma demanda no período t (ex. hora, dia, semana, mês) por transporte rodoviário, Dt, e pela proporção desta demanda que utiliza o modo i no período t, sit. A proporção desta demanda sit se aproxima do valor de Pin quando Pin é aproximadamente o mesmo para todos os usuários dos modos, ou seja, Pi1 = Pi2 = Pi3 = ... = PiN. Essa aproximação foi considerada nesta metodologia, diante da expressão adotada para a função utilidade, que não inclui características sócio-econômicas (ex. renda, idade do usuário etc) dos usuários/indivíduos, das simplificações de ausência de diferenciações por usuário/indivíduo quanto às variáveis que representam os atributos das alternativas (TARin = TARi e frota não variam por usuário), e da simplificação de homogeneidade no perfil dos usuários.

Com isso, temos as seguintes expressões matemáticas:
(1)
(2)
(3)
em que Vin: utilidade observável (sistemática) do indivíduo/usuário n ao utilizar o modo i;
Pin: probabilidade de escolha do modo i pelo indivíduo/usuário n.
TARin: tarifa paga pelo usuário n ao utilizar o modo i;
Xink: atributos experimentados pelo usuário n ao utilizar o modo i;
α0, αTAR, αTE, αk: parâmetros da função utilidade sistemática do modo i;
Fit: frota operante do operador do modo i no período t;
L: extensão total da linha em 1 (um) sentido;
v: velocidade média operacional da linha;
tp: tempo parado nos pontos inicial e final da linha.
Dit: demanda pelo modo i no período (hora, dia, semana, mês) t;
Nt: número de indivíduos no período (hora, dia, semana, mês) t;
Dt: demanda de todos os modos rodoviários no período (hora, dia, semana, mês) t;
sit: proporção da demanda de todos os modos rodoviários que utiliza o modo i no período t;

C) MODELAGEM MATEMÁTICA: OFERTA: RECEITA, DESPESAS E LUCRO DOS OPERADORES
Neste modelo, o lucro do operador do modo i para o período t, πit, é função das decisões estratégicas de cada operador, quais sejam, o preço (tarifa) cobrado em cada modo i para cada usuário n, TARin, e a quantidade de veículos (frota) existente, Fi. Sabendo-se que o lucro é igual à receita obtida menos os custos incorridos, podemos utilizar a Expressão (4) para cálculo do lucro em função da tarifa cobrada e da frota existente.
(4)
em que πit: lucro do operador do modo i no período t;
citF: custo fixo (por veículo) do operador do modo i no período t;
citv: custo variável (por quilômetro rodado) do operador do modo i no período t;
Fit: frota operante do operador do modo i no período t;
đit: distância total percorrida pelo operador do modo i no período t por veículo;

D) MODELAGEM MATEMÁTICA: CÁLCULO DA TARIFA E FROTA: MODELO DE COMPETIÇÃO UTILIZANDO EQUILÍBRIO DE NASH
Para atingir o modelo final de competição entre os modos rodoviários, com o(s) respectivo(s) Equilíbrio(s) de Nash, considerou-se que a probabilidade de escolha do modo i para os indivíduos é aproximadamente a mesma (Pin = Pi) e que a tarifa cobrada pelo modo i é a mesma para todos os indivíduos (TARin = TARi). Uma das formas de competição que pode ser simulada é a partir de funções de reações por operador. Com isso, temos um problema de otimização para cada operador de modo i. A partir das equações que definem o problema de otimização e das condições de primeira ordem, temos a definição de estratégia ótima do operador do modo i, que podem ser simplificadas pelo fluxograma apresentado na Figura 1.

FIGURA 1: ESTRATÉGIA ÓTIMA DO OPERADOR DO MODO i

Resultados e Discussão

A aplicação da metodologia desenvolvida foi realizada utilizando uma simulação de Monte Carlo para dois modos: ônibus e perua (vans). Foi necessário o desenvolvimento de um modelo computacional no software R para estimar a estratégia ótima e verificar a existência do Equilíbrio de Nash. Por tratar-se de uma análise contendo uma variável discreta, no caso a frota, seria muito raro encontrar o Equilíbrio de Nash em cada simulação. Diante disso e por simplificação, considerou-se a variável frota como contínua nesta simulação.

Inicialmente foram utilizados os parâmetros da função utilidade de um estudo apresentado em 2006 em um Congresso da ANPET (Brandão Filho, Loureiro, & Cavalcante, 2006). Para os parâmetros de custos (e o percurso médio mensal) serão utilizados os coeficientes constantes nas últimas revisões tarifárias do transporte intermunicipal realizados pela ARCE para os serviços regulares (por ônibus) e serviços regulares complementares (por peruas), quais sejam: cOnibMêsF = R$ 26.370,00 / veículo / mês; cVanMêsF = R$ 12.801,60 / veículo / mês; cOnibMêsv = R$ 1,442835 / km; cVanMêsv = R$ 0,684069 / km; đOnibMês = 7.450,20 km / mês; đVanMês = 16.056,30 km / mês. Considerou-se ainda o valor de α0 = 0 diante da falta de maiores informações sobre variações na constante modal.

Para os parâmetros da linha, foram utilizados como valores fixos, os valores da velocidade operacional (v = 25 km/h) e do tempo de parada (tp = 20 min), valores esses médios observados durante um dia típico de operação no sistema metropolitano de Fortaleza, os valores da extensão da linha (L = 10 a 100 km) e da quantidade total de passageiros na linha por mês (Nt = 500 a 100.000 passageiros/mês), variação esta encontrada nos dados obtidos no Relatório de Estatísticas Operacionais (REO) da ARCE, referentes à 2018, para as linhas do sistema metropolitano de Fortaleza.

Para apresentação dos resultados da simulação, foram escolhidas as seguintes variáveis: (1) tarifa da van; (2) tarifa do ônibus; (3) frota da van; (4) frota do ônibus. Todas essas variáveis são apresentadas nas Figuras 02 a 04, com o eixo x representando o valor de Nt, o eixo y representado o valor da variável de análise. Para a Figura 02, todos os pontos foram plotados no gráfico, com a variação definida acima para a extensão da linha. Para as Figuras 03 e 04, foram plotadas retas com a especificação do valor de L (extensão da linha) = {10km, 20km, 30km, 40km, 50km} para cada reta.

Figura 02: Tarifa de Van (preto) e de Ônibus (azul) x Demanda Mensal



Figura 03: Frota da Van por Extensão da Linha (L)x Demanda Mensal



Figura 04: Frota do Ônibus por Extensão da Linha (L) x Demanda Mensal

Conclusão

Este artigo teve como objetivo apresentar os primeiros resultados de uma metodologia de estimativa de preço (tarifa) e oferta (frota) considerando modelos concorrenciais utilizando Teoria do Jogos, com o Equilíbrio de Nash, e Modelos de Escolha Discreta. Observou-se na simulação realizada neste modelo concorrencial, que a tarifa do operador de van deverá ser sempre maior do que a tarifa do ônibus, especialmente para valores com baixa demanda, com a diferença entre esses valores diminuindo assintoticamente com o aumento da demanda mensal de passageiros. Com relação à oferta, observou-se que a frota da van precisaria ser um pouco maior do que a oferta do ônibus, o que poderia ser igualado, em algumas situações, se fossem considerados valores inteiros.

Espera-se continuar ampliando o estudo dessa metodologia com várias aplicações/análises, tais como:
• a aplicação dessa metodologia em outros casos conforme a disponibilidade de maiores informações que impactem a função utilidade e os custos, tais como heterogeneidade dos usuários, heterogeneidade dos custos dos operadores e qualidade dos operadores, geralmente obtidas com a realização de pesquisas de preferência revelada/declarada e estudos de custos (ex. revisões tarifárias);
• análise comparativa do impacto dos benefícios de um marco regulatório mais aberto para entrada/saída de operadores, com maior concorrência, baseado nesta metodologia, e um modelo mais fechado, aplicado atualmente em várias regiões, com a realização esporádica de licitações e fiscalização do transporte não regulamentado;
• análise do excedente do consumidor e do produtor/operador buscando identificar as melhores alternativas regulatórias;
• análise do impacto no marco regulatório com a definição do modelo concorrencial.
• comparação dos resultados obtidos com essa metodologia e dos obtidos com a aplicação das metodologias tradicionais, que envolve o cálculo da tarifa por modo, através de planilhas tarifárias, e o dimensionamento da frota, partindo de alguma divisão do mercado (demanda) entre os modos (van e ônibus).

Referências Bibliográficas

BRANDÃO FILHO, J. E., LOUREIRO, C. F. G. E CAVALCANTE, R. A. (2006). Avaliação de Parâmetros de Disposição a Pagar de Usuários de Transporte Público Intermunicipal através de Técnica de Preferência Declarada–Um Estudo de Caso. Anais do XX Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, ANPET, Brasília.
GIBBONS, R. (1992) Game Theory for Applied Economists. Princeton, New Jersey: Princeton University Press.
TRAIN, K. E. (2003) Discrete Choice Methods with Simulation. New York, NY: Cambridge University Press.

Área

Transporte (todos os Modais)

Instituições

ARCE - Ceará - Brasil

Autores

RINALDO AZEVEDO CAVALCANTE