Dados do Trabalho
Título
REGULAÇAO DA QUALIDADE EM SERVIÇOS DE TRANSPORTE UTILIZANDO MODELOS ESTATISTICOS DE ESCOLHA DISCRETA
Resumo
A regulação da qualidade ainda é um desafio para os reguladores de serviços públicos. Várias metodologias existem, sem muita definição clara sobre a mais apropriada para cada situação, especialmente para serviços regulados publicamente no Brasil. Diante disso, esse artigo busca apresentar uma proposta de regulação da qualidade em serviços de transporte de passageiros utilizando modelos estatísticos avançados que relacionam as características do serviço prestado com o percentual de usuários que avaliam o serviço satisfatoriamente ou não. A partir desses modelos e de um percentual de usuários que avaliam o serviço de forma insatisfatória, foram definidos limites de qualidade para o serviço, podendo adotá-los para abertura de processos de penalização/punição.
Palavras Chave
Modelos discretos de escolha. Modelo Logit Ordenado. Regulação pela qualidade. Índices de qualidade. Satisfação dos usuários. Serviços de transporte de passageiros.
Introdução/Objetivos
Historicamente, a regulação de serviços públicos tem como foco principal a definição de preços, quantidades ofertadas e regras/controles de entrada/saída dos mercados. A regulação da qualidade não é tão proeminente diante das dificuldades encontradas na sua implementação (Viscusi, Vernon e Harrington, Jr. 1998). As principais dificuldades encontradas são a necessidade de um abrangente monitoramento da operação do serviço (vários atributos influenciam a qualidade) e da dificuldade na definição do que é qualidade e dos seus níveis.
No caso dos serviços de transportes, existem várias metodologias para mensuração da qualidade (Oña e Oña 2015) que são influenciadas pelo conceito de qualidade adotado, pela seleção dos atributos do serviço que influenciam a qualidade, pela natureza dos dados dos atributos (dados subjetivos e/ou objetivos) e pela forma de coleta de dados adotada (mensuração da satisfação parcial e total com o serviço). Do ponto de vista regulatório, a metodologia escolhida deve embasar, com baixa contestação, a adoção de ações regulatórias para penalizar as entidades reguladas que não atinjam um certo nível de qualidade. Buscando esse intuito, a metodologia escolhida nessa proposta de regulação pela qualidade é embasada no desenvolvimento de modelos estatísticos avançados, de escolha discreta, que já foram objeto do prêmio Nobel de ciências econômicas em 2000.
A partir do desenvolvimento destes modelos, o objetivo deste artigo é propor uma estrutura de regulação da qualidade utilizando a mensuração da satisfação dos usuários de serviços regulares de transporte rodoviário com base em modelos estatísticos de escolha discreta, definindo por consequência, índices de qualidade diretamente associados com o percentual de usuários que aprovam/desaprovam os serviços. Para isso, foram realizadas pesquisas de opinião com usuários de serviços rodoviários de uma região no Brasil em vários pontos de embarque / desembarque. Nessas pesquisas foram coletados os níveis de satisfação dos usuários com relação a vários aspectos e as características socioeconômicas dos usuários e das viagens recentes realizadas por eles.
Metodologia
Neste artigo, a qualidade nos serviços foi definida como a performance geral medida ou percebida pelos serviços de transporte de passageiros a partir do ponto de vista dos usuários do serviço (TRB, 2013). Segundo o TCQSM (TRB, 2013), dois aspectos devem ser considerados na avaliação da qualidade dos serviços de transporte: disponibilidade e conforto/conveniência. A disponibilidade tem o objetivo de analisar as condições disponibilizadas para os usuários adentrarem aos serviços, enquanto isso, o aspecto de conforto / conveniência tem o objetivo de analisar a experiência que o usuário tem ao utilizar o sistema de transporte. Nos serviços objetos desse estudo, observou-se que os aspectos de disponibilidade são atribuição do Poder Concedente e os aspectos de conforto e conveniência estão basicamente sobre a responsabilidade das delegatárias dos serviços regulares.
Com base ainda no disposto no Marco Regulatório e na literatura existente (Oña e Oña 2015, Lima e Carvalho 2018, TRB 2013), foram propostos os atributos inclusos nos modelos estatísticos, que influenciariam o nível de satisfação dos usuários com o serviço prestado, dividindo-os em dois grupos: quantitativos (ou objetivos) e qualitativos (ou subjetivos). Atributos quantitativos podem ser mensurados quantitativamente através de indicadores (ex. atrasos, idade da frota, cumprimento de itinerário etc.) enquanto atributos qualitativos tem maior restrição no uso de indicadores (ex. limpeza, conforto, segurança etc.) pois geralmente dependem de avaliações da percepção dos usuários quanto a esses atributos.
Diante da restrição de dados existente nos serviços em estudo, as pesquisas realizadas juntos aos usuários dos serviços buscou levantar as experiências relativas às últimas 10 (dez) viagens realizadas pelo usuário, com seu respectivo nível de satisfação. Com relação aos atributos quantitativos, levantou-se a quantidade de ocorrências operacionais (p. ex. atraso de uma viagem) com relação à quantidade de viagens realizadas (no caso, dez). Com relação aos atributos qualitativos, foi necessária a definição de uma escala de mensuração. Adotou-se uma escala de 1 a 10 que reflita a satisfação dos usuários com relação ao atributo qualitativo (ex. limpeza dos veículos), entre PÉSSIMA (1 ou 2), RUIM (3 ou 4), REGULAR (5 ou 6), BOA (7 ou 8) ou ÓTIMA (9 ou 10).
Além disso, foi levantado o nível de satisfação dos usuários com relação: (1) aos atributos qualitativos em conjunto; (2) aos atributos quantitativos em conjunto; (3) a todos os atributos. A segmentação do nível de satisfação de acordo com o tipo de atributo (quantitativo e qualitativo) permite separar o nível de qualidade total da empresa delegatária em duas partes, de acordo com a forma de coleta de dados. Enquanto para levantar os atributos qualitativos requer, a priori, de uma pesquisa de opinião, o levantamento dos atributos quantitativos pode ser levantado com maior frequência (até diária) através da adoção de tecnologias embarcadas (ex. GPS). Com isso, a proposta de regulação da qualidade desenvolvida neste artigo pode ser sumarizada através da Figura 1.
Figura 1: Regulação pela Qualidade: Modelos Estatísticos e Levantamento de Dados
Os modelos matemáticos desenvolvidos (vide Figura 1) são do tipo discreto ordenado (Train 2003). Para o desenvolvimento destes modelos, considera-se que cada usuário i tem um nível de qualidade associado aos serviços prestados (〖IQ〗_i), dependentes das suas experiências com o serviço (atrasos, lotação, limpeza etc.) e de suas características socioeconômicas (renda, idade etc.), e que este nível de qualidade não pode ser completamente observado, comportando-se como uma variável aleatória. Sendo assim e assumindo algum tipo de distribuição de probabilidade para a variável aleatória do nível de qualidade, pode ser desenvolvido um modelo discreto ordenado. Os modelos discretos ordenados mais adotados são os modelos logit (distribuição de Gumbel) e probit (distribuição Normal) ordenados. Neste artigo foram adotados os modelos logit ordenados diante da sua formulação analítica (Train 2003).
Resultados e Discussão
Os modelos obtidos para os serviços de longo curso e metropolitano são apresentados a seguir:
• Serviços Metropolitanos:
IQQUALITATIVO-METRO = 2,10×MODO_DIRIGIR + 1,77×INFORMAÇÕES + 1,59×CONFORTO + 1,47×TRATAMENTO_USUÁRIOS + 1,10×PASSAGENS + 1,04×CONSERVAÇÃO + 0,92×LIMPEZA_VEÍCULOS
IQQUANTITATIVO-METRO = 100 – 25,7×ATRASO – 19,2×LOTAÇÃO – 11,4×PARADAS – 8,4×ACIDENTES – 5,8×MEIO_VELHOS – 29,5×MAIORIA_VELHOS
IQTOTAL-METRO = 0,4204×IQQUANTITATIVO + 0,5796×IQQUALITATIVO
• Serviços Longo Curso:
IQQUALITATIVO-LONGO = 3,44×PASSAGENS + 1,56×TRATAMENTO_USUÁRIOS + 1,23×CONFORTO + 0,98×CONSERVAÇÃO + 0,97×INFORMAÇÕES + 0,96×LIMPEZA_VEÍCULOS + 0,55×MODO_DIRIGIR + 0,33×RECLAMAÇÕES
IQQUANTITATIVO-LONGO = 100 – 7,15×ATRASO – 3,76×PASS_EM_PÉ – 7,54×ACIDENTES – 16,71×MAIORIA_NOVOS – 27,42×MEIO_A_MEIO – 50,62×MAIORIA_VELHOS – 74,01×TODOS_VELHOS
IQTOTAL-LONGO = 0,3581×IQQUANTITATIVO + 0,6419×IQQUALITATIVO
A partir dos modelos obtidos, gráficos relacionando o percentual de usuários que avaliam o serviço com RUIM/PÉSSIMO e o índice de qualidade total (IQTOTAL) foram elaborados, vide Figuras 2 a) e 2 b). Com esses gráficos é possível definir o valor do IQTOTAL mínimo para um certo percentual de passageiros que avaliam o serviço como RUIM ou PÉSSIMO. Por exemplo, caso seja adotado o percentual de 50%, o IQTOTAL por empresa delegatária deveria ser de no mínimo 40, para o serviço metropolitano, e de 55, para o serviço de longo curso.
a) Metropolitano
b) Longo Curso
Figura 2: Gráfico IQTOTAL x % Usuários que avaliam o serviço RUIM ou PÉSSIMO
Por fim, os modelos obtidos demonstraram a importância de vários dos atributos selecionados na avaliação do serviço pelos usuários, tais como atrasos, lotação e idade dos veículos, conforto e limpeza, o modo de dirigir etc. Além disso, observou-se que os atributos de natureza subjetiva (ou qualitativos) tiveram um peso maior para o serviço de longo curso (64%) do que para o serviço metropolitano (58%), resultado condizente com a expectativa.
Conclusão
A implementação da regulação pela qualidade ainda é um desafio para os reguladores diante das complexidades existentes na definição da qualidade em cada serviço e da quantidade de informações que precisam ser coletadas, além do contexto regulatório existente onde o modelo de regulação pela qualidade pode ser contestado em várias instâncias.
Esse artigo buscou propor uma estrutura de regulação pela qualidade embasada em modelos estatísticos, denominados modelos de escolha discreta, que estão diretamente associados com o nível de qualidade experimentado pelos usuários dos serviços de transportes e as características do serviço prestado (atrasos, limpeza dos veículos etc.).
A partir do desenvolvimento desses modelos, utilizando pesquisa de opinião com os usuários, foi possível definir índices de qualidade por tipo de atributo (quantitativos e qualitativos) e total que podem ser monitorados periodicamente (quantitativos, com maior frequência) para avaliação da qualidade do serviço prestado e a tomada de decisão quanto a medidas regulatórias (ex. abertura de processo de caducidade).
Referências Bibliográficas
Lima, Gregório Costa Luz de Souza, e Gabriel Stumpf Duarte de Carvalho. 2018. Indicadores de qualidade na regulação do transporte coletivo por ônibus e suas aplicações no Brasil. 32º Congresso de Pesquisa e Ensino em Transporte da ANPET. Gramado - RS. 340-350.
Oña, Juan de, e Rocio de Oña. 2015. Quality of Service in Public Transport Based on Customer Satisfaction Surveys: A Review and Assessment of Methodological Approaches. Transportation Science 49 (3): 605-622. doi:10.1287/trsc.2014.0544.
Train, Kenneth E. 2003. Discrete Choice Methods with Simulation. New York, NY: Cambridge University Press.
TRB. 2013. Transit Capacity and Quality of Service Manual (TCQSM). 3ª Edição. Washington, D. C.: National Academy of Sciences. Acesso em 12 de Jul de 2021. doi:10.17226/24766.
Viscusi, W Kip, John M. Vernon, e Joseph E. Harrington, Jr. 1998. Economics of Regulation and Antitrust. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press.
Área
Transporte (todos os Modais)
Instituições
ARCE - Ceará - Brasil
Autores
RINALDO AZEVEDO CAVALCANTE