Dados do Trabalho
Título
OS ENTRAVES REGULATORIOS E OS RISCOS DA EXPLORAÇAO DO GAS NAO CONVENCIONAL
Resumo
Este trabalho visa destacar as potencialidades de exploração do gás não convencional no Brasil. Em relação ao mercado, o aumento da oferta de gás natural pode ser essencial para reduzir a dependência do gás natural importado e pressionar o preço internamente e consequentemente reduzir os custos ao longo da cadeia. Entretanto, a falta de um ambiente regulatório com normas específicas para o gás não convencional traz insegurança jurídica no contexto da exploração para as possíveis empresas entrantes neste mercado. O crescimento da extração de gás não convencional nos Estados Unidos foi incentivado pelo ambiente regulatório e econômico favorável, influenciado pela utilização de ferramentas de regulação que tornaram o ambiente mais transparente em termos de informação e divulgação de dados, no âmbito econômico a exploração do gás não convencional pressionou na redução do preço do gás e aumentou a geração de receita para os proprietários das terras, que tem a liberdade de negociar diretamente com as empresas exploradoras, o que torna o Estado e os órgãos competentes os agentes reguladores deste mercado. O objetivo geral deste artigo é analisar os riscos nos âmbitos regulatório, econômico e de mercado que tem gerado um entrave para o crescimento da exploração do gás não convencional no país, tendo os EUA como modelo comparativo. Os resultados demonstraram que a transparência da informação e um ambiente regulatório bem definido podem reduzir os riscos envolvidos para as possíveis empresas entrantes.
Palavras Chave
Gás não convencional. Mercado do gás. Regulação. Riscos.
Introdução/Objetivos
O gás não convencional, ou gás de folhelho, é uma fonte energética não-convencional localizada no interior de rochas de xisto. O xisto é uma rocha sedimentar de característica argilosa e de grande presença na natureza. Entretanto, são impermeáveis e apresentam baixo nível de porosidade, o que torna a extração deste gás mais complexa e onerosa em comparação com a extração do gás natural dos reservatórios convencionais.
Na década de 2000, a exploração do gás não convencional cresceu mundialmente, período em que o preço do gás natural e do petróleo se elevaram, os EUA se tornaram grandes produtores após investirem massivamente na exploração do gás não convencional, o que gerou um resultado de crescimento do gás natural de 60% na participação da oferta doméstica no período entre 2000 e 2016, fato que impactou no preço do gás e reduziu de US$ 9 para US$ 2,37, por milhões de Btu (CBIE, 2020).
Em 1821, os EUA foram os pioneiros na extração de gás não convencional. Entretanto, a primeira exploração com sucesso ocorreu em 1920 na União Soviética. No final do século XX, foram desenvolvidas técnicas mais modernas de extração através da tecnologia de pressão hidrostática, o que viabilizou economicamente o processo de exploração do xisto. Nos EUA, o crescimento da exploração e produção de gás não convencional ocorreu devido ao ambiente favorável principalmente nos âmbitos políticos, institucionais, econômicos e tecnológicos, aspectos importantes para alavancar a geração e garantir maior segurança energética do país.
O apoio governamental quanto ao incentivo à exploração e à produção, aliado ao cenário de preços elevados do gás, a localização geográfica das reservas com proximidade da infraestrutura de escoamento já construída, aliado a necessidade de redução dos GEEs e do avanço tecnológico de exploração das reservas existentes impulsionaram a atração de investimentos em exploração não convencional nos EUA (BAKER INSTITUTE, 2011). Ainda, após o aumento da demanda de gás natural no consumo residencial e industrial, impulsionado pelo desenvolvimento tecnológico que proporcionou o aquecimento interno de residências, gerou economia na conta de energia com a utilização de gás, dentre outras utilidades, tornaram a exploração do gás não convencional mais viável e importante para a economia dos EUA.
Contudo, a extração de gás não convencional possui desvantagens, como a possibilidade de poluição dos lençóis freáticos, riscos de impactos ambientais adversos, liberação de GEE na atmosfera, abalos sísmicos e uso intensivo de água utilizada na técnica do fraturamento hidráulico (fracking) que durante a extração, necessita de grande quantidade de água com aditivos químicos e areia, com o intuito de impedir que as fraturas provocadas nas rochas se fechem.
No Brasil, em 1881, o Vale do Paraíba foi o local pioneiro na tentativa de extração de gás de folhelho, em uma usina em Tremembé. Em seguida, em 1954, iniciou-se um projeto semi-industrial em São Mateus do Sul localizado sobre uma grande reserva mundial de xisto ou folhelho pirobetuminoso. A primeira unidade de produção iniciou-se em 1972, a segunda unidade em dezembro de 1991, ano em que a Petrobrás consolidou a tecnologia de extração e processamento de xisto chamada de Petrosix (MARTIGNONI, et. al, 2002), entretanto este processo demonstrava um ônus elevado para a empresa e com baixo retorno, o que inicialmente reduziu a atratividade por investimentos.
No final de 2013 a primeira rodada licitatória de gás não convencional foi realizada, entretanto por conflitos judiciais, os estados de Alagoas, Sergipe e Bahia foram proibidos de dar continuidade na exploração do gás de folhelo. Em 2014, a ANP estabeleceu a resolução nº 21 de 10/04/2014 que contêm os requisitos exigidos para quem detêm o direito de exploração e produção de petróleo e gás natural e que possam utilizar a técnica de fracking em reservatório não convencional. Entretanto, existem atualmente conflitos normativos e regulatórios que podem impedir a ANP de atuar na regulação do gás não convencional, devido a sensibilidade envolvida neste tema.
O uso da técnica de fraturamento hidráulico em reservatórios não convencionais apresenta vantagens como o alcance elevado das reservas disponíveis e as possibilidades econômicas deste tipo de produção, entretanto apresenta alguns riscos. Entre os riscos já avaliados e conhecidos encontram-se o grande volume de água utilizada, o descarte de água de rejeito, a possibilidade de contaminação de águas superficiais e subterrâneas, as fraturas geológicas provocadas no processo, o risco do comprometimento da integridade de poços, e a indução sísmica. Além destes, a técnica pode causar riscos desconhecidos pela literatura, considerando as especificidades geológicas em cada região.
Metodologia
Este artigo utilizou-se da metodologia de pesquisa descritiva com base na análise documental e na abordagem qualitativa na interpretação dos dados e das informações encontradas. A pesquisa descritiva tem como finalidade descrever as características de um certo fenômeno e através disto construir relações entre as variáveis analisadas (GIL, 2002). Os autores Martins e Theóphilo (2007) observam que a análise documental consiste na busca sistemática por documentos e informações que sejam o alicerce na coleta de informações, dados e evidências. A pesquisa qualitativa consiste tem como base a descrição, preocupada na busca por descrições, compreensões e interpretações dos fatos.
Em relação ao modo, essa pesquisa pode ser classificada como bibliográfica e documental, uma vez que o material de pesquisa utilizado foram informações de players, instituições e agentes do setor, geralmente disponibilizados em seus sites oficiais. Essa pesquisa caracteriza-se por utilizar dados disponibilizados antes do estudo. Quanto à abordagem, essa pesquisa pode ser classificada como qualitativa, pois foi realizada uma análise de conteúdo dos artigos e dados pesquisados, considerando as atualidades do mercado de gás natural e os normativos referentes a regulação do gás não convencional no país (GIL, 2002).
Resultados e Discussão
ASPECTOS ECONÔMICOS DA REGULAÇÃO DO GÁS NÃO CONVENCIONAL
Os governos possuem várias opções regulatórias para monitorar os riscos e danos de uma determinada atividade. As regulamentações baseadas em transparência da informação têm o objetivo de disponibilizar informações ao público visando mitigar riscos e reduzir possíveis danos. As exigências de cunho operacionais fornecem informações que expõem falhas que podem estar relacionados a problemas ou danos técnicos.
As regulamentações de cunho econômicas podem incentivar a redução de uma determinada conduta que gera externalidades negativas e ainda tornar-se fonte de financiamento para a continuidade do monitoramento por parte do Governo. A maioria das ações legislativas para proteger o público de danos associados à produção de gás de folhelho estão incluídas nas duas primeiras categorias, embora as quatro citadas estão representadas de alguma forma nos regulamentos estaduais existentes.
Uma categoria importante dentre as várias opções regulatórias são as regulações baseadas em divulgação sob as quais as informações são relatadas ao governo por parte dos agentes regulados, a nível de transparência da informação. A divulgação é importante para fornecer ao público a localização de determinados poços e instalações que visam transformar líquidos e gases extraídos em produtos utilizáveis. Observou-se nos EUA que o aumento da produção de gás de folhelho incentivou os estados a divulgaram informações aos reguladores e ao público, que servem para documentar as práticas e atividades de produção. Entretanto, os regulamentos baseados em divulgação contêm exceções quanto as informações dos proprietários das terras e segredos comerciais sigilosos (ADAIR ET AL., 2011).
Para muitas das atividades que geram poluentes ao meio ambiente, os governos tendem a criar requisitos operacionais de monitoramento, manutenção de registros e o relato de informações por parte do público. Quanto aos requisitos operacionais, como exemplo o sistema de permissão da lei da água limpa, exigem que os permissionários garantam a aprovação e relatem possíveis violações, mas que não envolvem necessariamente vigilância ou inspeções por funcionários do governo. Requisitos quanto ao envio de relatórios, dados e informações sobre acidentes e liberação de poluentes. Os regulamentos operacionais, portanto, facilitam um registro de violações que podem formar a base para ações corretivas. Entretanto, os governos precisam abordar as violações de forma significativa, caso contrário a exigência através de normas operacionais podem não atingir seus objetivos.
Uma outra forma de regulamentar é aquela que restringe certas condutas não permitidas. Como por exemplo, as restrições ao fracking que incluem proibições absolutas sobre o uso de certas substâncias no processo de fraturamento, liberação de contaminantes na água e no ar. Embora as regulamentações federais já considerem algumas dessas restrições, os estados podem promulgar outras regulamentações consideradas necessárias para proteger a saúde pública e o meio ambiente. A eficácia das restrições está relacionada às práticas governamentais de fiscalização. Na ausência de inspeções e processos contra os infratores, as restrições podem não proteger a saúde pública e o meio ambiente. Entretanto, ainda há preocupação em relação ao fato de os estados não estarem aplicando adequadamente os regulamentos existentes quanto a extração de gás natural (FERSHEE, 2011).
Os governos têm a possibilidade de utilizar normas e regulamentações de caráter econômico com o intuito de aumentar a supervisão da produção de gás de xisto e a remediação de locais contaminados. As formas comumente utilizadas são as taxas de permissão de uso do poço que podem gerar receitas para o processo de supervisão e fiscalização por parte do governo, prática já utilizada no Estado da Pennsylvania (GRADIJAN, 2012). Ainda, um estado pode elevar as taxas de uso do poço com o objetivo de alavancar capital para a contratação de fiscais e/ou ações contundentes adicionais de fiscalização.
Outras taxas podem ser cobradas para testes de substâncias tóxicas e para atividades de remediação que diminuem as fontes de contaminação. Os estados também podem criar um imposto específico sobre a extração de gás natural. Entretanto, observou-se que diante da urgência de desenvolver o gás natural doméstico e gerar crescimento econômico, muitos estados optaram por renunciar às regulamentações de base econômica que poderiam influenciar de forma benéfica para responder às externalidades negativas e proporcionar um futuro mais sustentável (FERSHEE, 2011, HATZENBUHLER E CENTNER, 2012).
HISTÓRICO DA REGULAÇÃO DO GÁS NÃO CONVENCIONAL NO BRASIL
Em relação as vantagens de exploração de recursos não convencionais ao Brasil, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou no ano de 2013 a 12ª Rodada de Licitação de Blocos de Petróleo e Gás Natural em que de forma pioneira no país foram licitados blocos com potencial para exploração de recursos não convencionais. Entretanto, não havia regulamentação específica essa exploração específica, então normas foram incluídas nos contratos de concessão como requisitos as operadoras caso houvesse descoberta deste tipo de recurso, entre elas havia a necessidade de prolongamento da fase de exploração (BLATTLER, 2017).
A 12ª Rodada foi autorizada através da Resolução nº 6/2013 emitida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que informava da disponibilização de recursos não convencionais para as rodadas de licitação. Os termos da 12ª Rodada tornaram-se públicos através da Consulta Pública ANP nº 25/2013, onde houveram contribuições públicas sobre as minutas de edital e contratos. Em seguida, ocorreu Audiência Pública, onde a maioria dos presentes foi contrária à exploração dos recursos não convencionais que se utilizavam da técnica de fraturamento hidráulico.
Alguns planos, programas e projetos de incentivo à exploração onshore de gás foram criados, como o programa REATE 2017, que incentiva a exploração em terra, e também o REATE 2020, que inclui o gás não convencional; o Projeto Topázio que visa incentivar a concessão de campos maduros, com claro potencial não convencional; e o Projeto Poço Transparente que abrange a construção, monitoramento e estudo de um poço piloto, com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre a utilização da técnica de fraturamento hidráulico em reservatórios de petróleo que apresentam baixa nível de permeabilidade.
Em abril de 2021 foi sancionada a Lei 14.134, conhecida como o novo marco regulatório do gás, que reduziu a exigência burocrática quanto a construção de gasodutos, permitindo que os agentes tenham livre acesso a infraestrutura, como os terminais de GNL, a lei criou também regras tarifárias, regime único de autorização para construção de gasodutos, tornando as empresas deste mercado mais independentes em seus diferentes segmentos e atuação, e ainda atribuiu à ANP a responsabilidade de ampliar o nível de concorrência e na classificação dos tipos de gasodutos (ANDRADE et al., 2021; FERREIRA et al., 2021; MEDEIROS; CUPERTINO; MOUTINHO DOS SANTOS, 2018; PEREIRA et al., 2021; SILVA et al., 2020).
Alguns autores apontam que as principais questões no país que atrasam a exploração de recursos não convencionais é a ausência de licença social, que pode ser resolvida através da criação de uma regulação que incentive um ambiente de maior segurança e transparência por parte dos órgãos responsáveis com a sociedade e as comunidades locais impactadas pelos projetos (ANDRADE et al., 2021; ARAÚJO, 2016; CIMINELLI et al., 2021; FERREIRA et al., 2021; MANOEL, BALEEIRO, SILVA, 2021; PEREIRA et al., 2021).
A exploração de recursos não convencionais inclui atividades que geram riscos e danos similares aos observados na exploração convencional, o fraturamento hidráulico pode gerar riscos e danos previsíveis e imprevisíveis, logo a regulação dessa atividade deve garantir segurança, a saúde humana e ao meio ambiente, mas não deve ser exigente a ponto de barrar a utilização desta tecnologia e gerar desincentivo aos investidores (ARAÚJO, 2016; BLATTLER, 2017). Alguns autores pontuam como riscos a possibilidade de contaminação de águas subterrâneas ou superficiais por vazamentos, aumento das fraturas ou o escape de contaminantes (DELGADO; MOUTINHO DOS SANTOS, 2021; MOREIRA & FILHO 2021; RICCOMINI; MOURA; SANT’ANNA, 2021).
Alguns autores acreditam que uma grande barreira para a exploração de gás não convencional no país seja a instabilidade política devido aos escândalos de corrupção observados nos últimos anos (VÁSQUEZ CORDANO; ZELLOU, 2020). Outros apontam a falta de harmonia de competência quanto as licenças e concessões entre as esferas federais e estaduais (MEDEIROS; CUPERTINO; MOUTINHO DOS SANTOS, 2018b; SILVA et al., 2020). Outros apontam a resistência da sociedade civil quanto a esse tipo de exploração (ARAÚJO, 2016; BLATTLER, 2017).
Ainda, a Resolução n° 21/2014 é comumente observada como uma medida necessária, porém insuficiente para atender o que este mercado precisa, pois esta resolução não considera as características deste setor que incentivem a segurança socioambiental (ARAÚJO, 2016; BLATTLER, 2017). O autor Araújo aponta que devem ser considerados três princípios reguladores (a prevenção, a precaução, e o poluidor-pagador), dentre outras ferramentas regulatórias, com destaque para o comando e controle, técnica que atua anteriormente ao fato, que põe o custo da regulação antes o início da exploração, que pode ser criada através de normas e leis através do Estado (ARAÚJO, 2016).
Ainda, para as características heterogêneas entre a exploração convencional e a não convencional, que dependem do local e das empresas, faz-se necessário ainda a utilização de regulação de responsabilidade, baseada no princípio do poluidor-pagador que coloca o custo de regulamentação durante ou após o início das atividades, considerando o princípio da precaução da forma mais adequada (PEREIRA; MEDEIROS; MOUTINHO DOS SANTOS; NETO; JÚNIOR; FREITAS, 2021) (MEDEIROS; CUPERTINO; MOUTINHO DOS SANTOS, 2018a).
ENTRAVES NORMATIVOS DA EXPLORAÇÃO DO GÁS NÃO CONVENCIONAL NO BRASIL
Inicialmente havia uma controvérsia entre o Departamento Nacional de Produção Mineral (DMNP), órgão responsável por regular o setor de minério no Brasil, e a ANP quanto ao órgão que regula a lavra do xisto betuminoso. Com a criação do novo Código de Mineração através do Decreto nº 62.935/1968, o DMNP deixa de ter a competência sobre as jazidas de rochas betuminosas e pirobetuminosas, culminando na escolha do CNP (Conselho Nacional de Petróleo) como órgão competente.
A Lei nº 9.478/97 que regula as atividades do setor petrolífero, não considerou de forma expressa o xisto betuminoso e nem fontes alternativas não convencionais de petróleo e gás natural. Então, o DNPM permaneceu como outorgante de autorizações de atividades de exploração de xisto, por ser considerada lavra mineral, com a incumbência de arrecadar a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM).
Em outubro de 2011, a Procuradoria Federal através do Parecer nº 061/2011/PF-ANP/PGF/AGU, firmou o entendimento de que a ANP seria o órgão competente para regular a exploração do xisto betuminoso e dos recursos advindos de fontes não convencionais, considerando que no art. 61 da Lei do Petróleo, foi criada mais de uma espécie do gênero petróleo, o petróleo proveniente de poço, logo, no âmbito jurídico não haveria diferença entre as características físico-químicas do “petróleo de poço” e do chamado “petróleo de xisto”. No entendimento da Procuradoria, eles deveriam estar sob o mesmo arcabouço normativo (ZEITOUNE, 2013).
O cenário regulatório brasileiro é dividido no segmento de E&P de gás natural, regido pelas Leis nº 9.478, de 1997 e nº 12.351, de 2010. O segmento relativo as atividades de recolhimento, processamento, transporte, liquefação, regaseificação e estocagem de gás natural, desde o ano de 2009 é regulamentado pela Lei nº 11.909/09, e pelo Decreto nº 7.382/2010. A ponta da cadeia, a distribuição de gás natural tem a competência estadual. A Lei nº 11.909/09, regulamenta de forma específica a Indústria do Gás Natural, com diretrizes comuns ao mercado de petróleo, e atuando em aspectos específicos em relação ao gás natural. Apesar da legislação citada não mencionar de forma específica o gás não convencional, alguns doutrinadores defendam o enquadramento dessa categoria no conceito de gás natural descrito no inciso II do art. 6° da Lei 9.478/97 e no inciso XIV do art. 2° da Lei 11.909/09.
No ano de 2010, a Superintendência de Comercialização e Movimentação de Petróleo, seus Derivados e Gás Natural da ANP (“SCM”) emitiu uma Nota Técnica n.º 9/2010/SCM sobre os recursos não convencionais, a nota traz explicações técnicas e reconhece o aumento do custo de produção do gás natural caso estas técnicas sejam utilizadas. Diante disto, a ANP propõe que incentivos econômicos sejam realizados para viabilizar e possibilitar a atuação de empresas neste segmento (ZEITOUNE, 2013).
Em 2014, A ANP regulamentou a resolução nº 21 de 10 de abril do mesmo ano, contendo orientações para a atividade de fraturamento hidráulico em reservatório não convencional, com ênfase nos sistemas de gestão ambiental, na transparência da informação sobre produtos utilizados, na composição e uso da água nos reservatórios, dentre outras questões técnicas e operacionais. Em termos gerais, dentre os principais entraves regulatórios podemos citar:
(1) Impactos ambientais do fraturamento das rochas hidráulico;
(2) Custos elevados e baixo nível de investimentos;
(3) Entraves de logística e falta de infraestrutura de acesso às áreas de exploração;
(4) Falta de gasodutos de transporte e escoamento;
(5) Falta de incentivo social e percepção pública negativa;
(6) Regulação inadequada e baixa segurança jurídica;
(7) Falta de transparência nos critérios de licenciamento ambiental; e
(8) Falta de recursos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
A REGULAÇÃO DO MERCADO DE GÁS NÃO CONVENCIONAL NOS ESTADOS UNIDOS
Nos Estados Unidos, as reservas de gás de folhelho existentes estão localizadas em 30 estados. Dentre os tipos de recursos não convencionais mais produtivos encontram-se o gás não convencional e em seguida o tight gas. Dentre as maiores áreas, destacam-se Appalachia, Anadarko, Bakken, Eagle Ford, Haynesville, Niobrara e Permian. Segundo estimativas da EIA (2017), foram produzidos mais de 18 trilhões de metros cúbicos de gás não convencional, em termos percentuais corresponde a 60% do total produzido no mesmo ano. Dentre as regiões que se destacam, Marcellus é a região com maior crescimento na extração, onde a produção de gás natural triplicou entre os anos de 2011 e 2014, de 4,8 bilhões para 14,6 bilhões, de pés cúbicos (EIA, 2017).
Na comparação com a extração em poços convencionais, os poços de gás não convencional tem uma produtividade menos duradoura, sendo significativa somente nos cinco anos iniciais, com um declínio de mais de 80% no primeiro ano. Como forma de compensar a produção e torná-la mais estável, é necessário realizar a extração em vários poços (ECODEBATE, 2013). Na Pensilvânia, 5000 poços foram abertos para atingir uma produtividade de 30 bcm anual. Ainda, este tipo de perfuração de alta velocidade exige tecnologia avançada, mão de obra qualificada, e uma cadeia de suprimentos estruturada, isto aconteceu no cenário norte-americano devido a indústria de óleo e gás ser mais aberta e competitiva (MIRANDA, 2018).
Quanto ao acesso dos campos de exploração, os EUA se destacam pela facilidade, visto que a negociação é geralmente realizada com entidades privadas, sem a necessidade de intervenções governamentais, ou seja, o proprietário do bem tem o direito a exploração, o que influencia na redução dos custos de transação e a agilizar a obtenção de uma licença ou concessão do governo. No âmbito regulatório, a descentralização do poder das agências, permitem que elas atuem em várias áreas do segmento de petróleo e nas esferas federais, estaduais e municipais.
No âmbito municipal, a legislação existente trata das questões referentes a utilização e zoneamento da terra. No âmbito econômico, os royalties são pagos baseados no volume produzido e como incentivo de produção, existe uma cláusula que penaliza o dono da terra que tem um contrato ativo e onde a extração não esteja ocorrendo. Na área ambiental, a legislação é elaborada pelo Congresso Americano e a EPA (Environmental Protection Agency) tem a responsabilidade de implementar as leis criadas, esta agência também tem a autonomia para transferir para a esfera estadual o poder de decidir sobre questões específicas, como exemplo a EPA, em 2012, estabeleceu os limites para o nível de poluição do ar permitido gerado pela atividade de fraturamento hidráulico (NICHOLSON, 2015).
Nos EUA, existe uma peculiaridade quanto ao uso das terras, o proprietário é detentor dos direitos de exploração dos recursos minerais encontrados, o que permite que as empresas negociem livremente com os proprietários acerca do acesso e utilização das terras, o que promove o apoio social para as empresas exploradoras. Segundo o BNDES, em 2014, observou-se um deslocamento das áreas, onde havia crescimento da produção de gás não convencional, antes localizadas no oeste para o leste e sul do país, região que concentra as terras privadas.
No âmbito do mercado, a escassez de gás e os preços elevados no início da década de 80 induziu o governo dos EUA a introduzir créditos fiscais como incentivo ao gás. Simultaneamente, o governo investiu em P&D de tecnologias de exploração de óleo e gás não convencionais, política que foi apoiada pelo Departamento de Energia do Estado. Anos depois, entre 2004 e 2010, a elevação do preço do gás impulsionou a produção de gás não convencional, apesar da queda observada posteriormente, entretanto a alta demanda da indústria petroquímica consegue garantir a aquisição do gás liquefeito, que é também explorado em determinadas bacias em conjunto com o gás não convencional.
Em relação ao cenário norte-americano, a produção de gás não convencional varia relativamente na comparação entre estados. Em 2010, o Texas produziu quase o dobro da quantia em comparação com qualquer outro Estado, mesmo período em que a EIA relatou que doze estados já possuíam uma exploração significativa. Anos depois, o crescimento acelerado levou os Estados do Texas, West Virginia, Pensilvânia, Ohio e Oklahoma a se tornarem os principais em quantidade de poços, entretanto Estados como Geórgia, Carolina do Norte, Nova Jersey e Vermont não apresentavam poços perfurados. Estados desenvolvidos como Califórnia e Dakota do Norte focaram na produção de óleo de xisto, apesar de extraírem o gás não convencional como subproduto do petróleo.
Os economistas consideram duas ferramentas importantes, o comando e controle e abordagens baseadas em desempenho, considerando também aquelas que funcionam como incentivos econômicos. Comando e controle consistem em regulamentos prescritivos que obrigam ao agente regulado realizar algo em específico, independente do nível de desenvolvimento econômico do mesmo. Como exemplo, uma regra referente a proibição de perfuração em até 150 metros em um riacho ou então a obrigação de utilização de um cimento específico para o isolamento de água subterrânea do poço (RICHARDSON, et al., 2013).
Em relação a regulação sob a ótica do desempenho, permite aos agentes decidir as melhores ações para atendimento das obrigações, como por exemplo a exigência quanto ao nível de concentração de poluentes em um determinado riacho ou um determinado nível de teste de pressão no revestimento de cimento. Uma métrica para um padrão de desempenho deve ser mensurável e quantificável, se uma determinada regra for muito vaga, se torna não é aplicável. Como por exemplo, exigir que as empresas limitem a queima do gás em circunstâncias onde seja "economicamente necessário" ou para evitar uma determinada prática que gera externalidade negativa quando podem “gerar um risco para a saúde pública” não cria uma regra prática e passível de ser aplicada e controlada.
Uma terceira ferramenta regulatória utilizada no cenário norte americano é a permissão ou licença analisada caso a caso. Ao invés do agente cumprir as regulações de controle ou atingir os padrões de desempenho, eles são obrigados a cumprir os requisitos de cada atividade, que geralmente ocorre através de um pedido de licença formal, seguido por revisão do órgão regulador. Neste caso os regulamentos variam no grau de discrição deixado aos reguladores na revisão das licenças, onde a diferença é que um certo grau de discricionariedade pertence aos reguladores, caso contrário, seria apenas uma regra de controle ou padrão de desempenho, com revisão de autorização para verificação de conformidade (RICHARDSON et al., 2013).
As vantagens do licenciamento analisado em cada caso é que o mesmo delega a tomada de decisões a reguladores especializados e tem a possibilidade de evitar que as empresas fujam da regulamentação, cumprindo literalmente a exigência normativa, mas não a essência do regulamento. As desvantagens consistem no custo administrativo de revisão das licenças, e o risco de não ser aplicado de forma homogênea aos agentes, aliado a falta de transparência, sendo mais difícil saber com antecedência o que é necessário para a aprovação da licença, ou a possibilidade do público externo avaliar os requisitos de forma clara.
Ainda, o autor Richardson observou em seu estudo que os estados costumam utilizar uma abordagem híbrida, utilizando mais de uma ferramenta de regulação em um determinado caso. Como exemplo, os estados costumam usar um regulamento de controle para definir um padrão mínimo, mas ainda requer uma revisão de autorização em cada caso ou flexibilizar uma regra através da permissão de exceções do padrão estadual através de solicitação e/ou aprovação por parte do órgão regulador.
Nos EUA, as atividades de exploração de petróleo e gás natural são reguladas no âmbito estadual, com regras que afetam as etapas de implantação e operacionalização dos projetos, e também os processos de produção de gás não convencional. Entretanto, existem os riscos e impactos potenciais inerentes a indústria do petróleo, e algumas responsabilidades cabem à autoridade federal, principalmente em relação à segurança ambiental da água, ar e espécies que habitam o local do projeto (RICHARDSON et al., 2013).
Conclusão
Este estudo propôs uma análise dos aspectos regulatórios, de mercado e econômico do gás não convencional no Brasil, tendo os Estados Unidos como modelo comparativo diante da possibilidade de desenvolvimento do segmento de exploração do gás não convencional no país, principalmente o gás de folhelho. Foram apresentados os principais instrumentos de regulação econômica utilizadas pelos estados norte-americanos que consideram os riscos, as restrições impostas e a transparência da informação pelas empresas reguladas.
Dentre as exigências normativas referente as restrições ambientais, tecnologia e informação a ser disponibilizada, observou-se a importância da transparência da informação para reduzir o nível de assimetria entre os players do mercado, fator que torna as regras mais claras e amplia as possibilidades de crescimento da extração do gás não convencional pelos novos entrantes deste mercado. O crescimento da exploração de gás não convencional impulsiona outros segmentos do mesmo mercado, como o GNL, que em conjunto aumentam a oferta interna do gás e pressionam o preço, beneficiando toda a cadeia de produção e reduzem a dependência por gás importado. O desenvolvimento do mercado de gás impulsiona indústrias como a Petroquímica, o que gera opções de utilização de diferentes combustíveis por parte do consumidor.
Observa-se que o desenvolvimento do mercado de gás de folhelho nos Estados Unidos foi incentivado pelo ambiente regulatório transparente e fragmentado que se utiliza de uma abordagem econômica para gerar incentivos nos agentes, com baixa concentração de responsabilidades em somente um único agente regulador, aliados a capacidade tecnológica, operacional e de monitoramento dos riscos ambientais envolvidos na atividade principal de fracking. A regulação brasileira de gás não convencional ainda em estágio inicial possui alguns pontos em comum principalmente em relação aos requisitos ambientais, operacionais e tecnológicos quando consideramos as regulações presentes em Estados nos EUA onde a exploração é mais desenvolvida, entretanto do ponto de vista econômico, há uma carência de definições normativas que incentivem os agentes a aumentarem o aporte de investimentos no segmento.
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Área
Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural
Instituições
USP - São Paulo - Brasil
Autores
RODRIGO PEREIRA BOTAO, HIRDAN KATARINA DE MEDEIROS COSTA, EDMILSON MOUTINHO DOS SANTOS, THIAGO LUIZ FELIPE BRITO