XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

O FIM DOS CONTRATOS DE PROGRAMA NO SANEAMENTO: O INICIO DE UMA NOVA DISCUSSAO?

Resumo

O problema da universalização do acesso ao serviço de saneamento básico estimulou a alteração legislativa atual, que tem em sua subjacência a pretensão de criar ambiente juridicamente seguro para atrair o capital privado, e assim garantir que quase a totalidade da população brasileira tenha acesso à água potável e à esgotamento sanitário até 2033. Ocorre que, com esse objetivo precípuo de deslocar o Estado da função de prestador de serviço, as mudanças acabaram por limitar a possibilidade de os Municípios, valendo-se de sua autonomia, realizarem a gestão associada mediante consórcios públicos e contratos de programa, que, via de regra, são instrumentos concretizadores do federalismo cooperativo. Ou o Poder Local presta diretamente ou realiza a concessão. Com isso, sobressai a questão referente à conformação da limitação dos contratos de programa no atual marco regulatório do saneamento básico, que ao primeiro olhar aparenta ser absoluta, à Constituição de 1998 que possibilita, no artigo 241, que os entes federativos realizem a gestão, regulação e fiscalização a partir de modelos associativos de cooperação, o que envolve contratos de programa. Daí o questionamento: ou o marco regulatório padece de inconstitucionalidade em relação à vedação absoluta aos contratos de programa, ou seu alcance deve estar restrito àquelas hipóteses em que aos contratos de programa são substituíveis às concessões. Para tanto, será utilizada pesquisa documental a partir do método de revisão bibliográfica dentro da literatura jurídica e também análise indutiva, a partir de estudo de caso, debruçando-se sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6882 ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento.

Palavras Chave

Saneamento básico. Gestão Associada. Contratos de Programa. Concessão. Universalização. Serviço Público.

Introdução/Objetivos

Abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais: são esses os elementos que, nos termos da Lei n. 11.445/2007 recentemente modificada pela Lei n. 14.026/2020, formam a rede de serviços, infraestruturas e instalações operacionais envolvidas no sistema de saneamento básico. Como destaca Diogo R. COUTINHO (2013, p. 284), o investimento em infraestruturas e serviços de saneamento tende a gerar externalidades positivas, principalmente no que se refere à saúde pública e ao meio ambiente. Desta arte, tem-se por premissa que um sistema de saneamento consolidado traz ganhos existenciais para toda coletividade, o que confere traço da essencialidade do serviço prestado. É urgente, portanto, garantir universalização do saneamento básico, objetivo central sobre o qual não remanesce questionamento. Os pontos de tensão começam a surgir, contudo, quando o debate recai sobre as estratégias de exercício da titularidade, com maior ou menor intensidade do capital privado.
No Brasil, até 1971 o fornecimento de água e esgoto era realizado pelas autoridades municipais, supervisionadas pela Fundação Nacional de Saúde, Funasa (ARAGÃO, 2017, p. 238). Desde o primeiro governo Vargas, como destaca SANCHEZ (2001, p. 89), o forte movimento de industrialização e urbanização culminou no saneamento como serviço indispensável a ser prestado pela Administração, direta ou por meio de suas estruturas indiretas (COUTINHO, 2013, p. 284), como é o caso de autarquias e de empresas estatais. Essa prestação estatal de serviços foi reforçada com o Plano Nacional de Saneamento (Planasa) na década de 1970 que instituiu a criação de Companhias Estaduais de Saneamento. O Planasa, por sua vez, era gerenciado pelo Banco Nacional de Habitação – BNH e pode ser considerado a primeira atuação sistemática e planejada do governo federal para implementação do sistema de saneamento a partir da criação de estatais.
A partir da década de 1990, contudo, a tendência desestatizante, estimulados pelo artigo 175 da Constituição de 1988 e pela então recente Lei de Concessões dos Serviços Públicos, passou-se também a admitir a intensificação da presença do capital privado na prestação de serviços de saneamento, sob o argumento de que o Estado não tinha capacidade de investimento suficiente para garantir a universalização do serviço. O arranjo institucional, nesse contexto, ganhou complexidade. Admitiu-se a prestação direta pelo titular do serviço, no caso os Municípios (artigo 30, V, Constituição 1988), ou mediante a utilização de estruturas da Administração Indireta, ou por meio da gestão associada em contrato de programa ou convênios de cooperação, nos termos do art. 241 da Constituição. Paralelamente, colocava-se à disposição do Município a concessão do serviço ao capital privado, nos termos do artigo 175 da Constituição, sendo esta a grande aposta da agenda para universalização da infraestrutura e serviços.
Ocorre que apesar de o ambiente legal ter autorizado o ingresso de novos agentes econômicos, com pretensão de instituir certa competitividade no saneamento, observou-se que o Estado ainda permaneceu como principal prestador. Não sem razão, o Brasil tem a tradição histórica de a prestação ocorrer por estatais estaduais, sendo que, como relata ARAGÃO (2017, p. 239), aproximadamente 80% da população brasileira é atendida por 25 empresas estaduais. É neste contexto que, somado ao flagrante problema nacional atinente à universalização do saneamento, a discussão transborda para o plano normativo por meio da Lei n. 14.026/2020 que, ao alterar o regime jurídico do saneamento básico, busca a atração do setor privado, com a criação de autoridade regulatória centralizada a fim de oferecer mais segurança jurídica a quem pretenda investir no setor, a Agência Nacional de Água e Saneamento Básico – ANASB, ao lado do estímulo incondicional às concessões.
Ocorre que, com o propósito de garantir a universalização a partir da atração de investimentos privados, a Lei n. 14.026/2020 fulmina algumas categorias que, ao menos a título de hipótese, limitam tanto a autonomia do Município quanto o federalismo cooperativo, com aparente afronta à prestação direta mediante gestão associada nos termos do artigo 241 da Constituição de 1988. Isso porque, muito embora o marco regulatório tenha se preocupado com a prestação regionalizada, sem se esquivar de expressamente reconhecer a titularidade do serviço ao Município, no afã de incentivar investimentos do capital privado expurgou do sistema a possiblidade de prestação mediante contratos de programa, de forma que a prestação somente poderá ocorrer ou diretamente pelo titular ou mediante concessão previamente licitada.
Não se olvida que existem verdadeiras concessões travestidas em contratos de programa. No entanto, ao vedar absolutamente, ao menos em sede de hipótese, o novo marco regulatório do saneamento caminha na contramão do federalismo cooperativo e da autonomia municipal, na medida em que limita a gestão associada de serviços públicos, impossibilitando absolutamente que contratos de programa continuem a ser utilizados, apesar de serem instrumentos relevantes para gestão associada de serviços públicos, que inclusive possibilitam esforços comuns entre entes federados e fornecimento de serviço não mercantilizado, como são as concessões. Neste contexto, o que justifica a perquirição e confere atualidade à temática, a Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento ajuizou recentemente, em 01 de junho de 2021, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6882, discutindo justamente a constitucionalidade da limitação à gestão associada decorrente da vedação do uso de contratos de programa. A deflagração de uma crise de constitucionalidade do marco regulatório do saneamento faz surgir o questionamento se a vedação dos contratos de programa, ao invés de ser o fim de uma era, não representará o início de uma longa discussão na Corte Constitucional e fator de indesejável insegurança jurídica.

Metodologia

O cuidado metodológico é de suma importância para o desenvolvimento da pesquisa, pelo que a qualidade do conhecimento produzido muito se relaciona com a qualidade metodológica (DEMO, 2002, p. 359). Por essa razão, não basta ter tema recortado, é imprescindível que a metodologia esteja bem definida, para auxiliar o pesquisador a alcançar os objetivos.
Desta arte, para atingir os resultados almejados, necessário se faz a utilização de pesquisa documental a partir do método de revisão bibliográfica dentro da literatura jurídica, enfrentando categorias básicas utilizadas no artigo, confrontando concessões, contratos de programa e também não negligenciando a existência de contratos que ostensivamente são de programa, mas em sua subjacência revelam verdadeiras concessões. Ainda, a partir de análise indutiva, será realizado estudo de caso, debruçando-se sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6882 ajuizada pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento, como forma de identificar os pontos centrais da discussão, bem como possível decisão liminar, se já houver sido enfrentada a questão em sede de cognição sumária pelo Ministro Relator Luiz Fux.

Resultados e Discussão

Para clarificar os resultados obtidos e viabilizar a discussão serão apresentadas três partes, cada um com objetivo específico. A primeira parte trará síntese da revisão bibliográfica, em especial enfrentando a prestação do serviço público de saneamento, subdividindo-o em dois grupos comparativos em que serão apontadas as diferenças entre concessão e contratos de programa nos contratos de saneamento. Na segunda parte, será sintetizada a discussão da ADI 6882, de forma descritiva, trazendo o questionamento atinente à inconstitucionalidade decorrente do conflito com o artigo 241 da Constituição na vedação de contrato de programa. Por último, a terceira parte terá o condão de cotejar ambos os quadros, na tentativa de identificar conformação da vedação dos contratos de programa ao atual marco regulatório que, por hipótese, acredita-se que recai restritivamente às hipóteses em que é substituível por concessões.
Após, passar-se-á para a discussão acerca do novo questionamento decorrente d vedação dos contratos de programa: se se trata de proibição absoluta, norma inconstitucional, ou se existe ponto de conformação.

Conclusão

Cotejando a revisão bibliográfica com os elementos extraídos do caso concreto com a revisão de bibliografia, pretende-se contribuir para discussão referente à vedação dos contratos de programa na prestação de serviços de saneamento básico, sem que os avanços trazidos pelo marco regulatório - como é o caso da instituição de agência reguladora central e as metas de universalização compatíveis com a ODS n. 6 – sejam prejudicados por eventual inconstitucionalidade.
Não necessariamente tudo que aparenta incompatível deve ser eliminado, sendo contribuição do presente trabalho a conformação da vedação dos contratos de programa à Constituição, de forma que somente devam ser considerado ilícitos aqueles substituíveis por contratos de concessão, mantendo-se a possiblidade de sua utilização na gestão associada, inclusive para o fim de regulação e organização de certames licitatórios.

Referências Bibliográficas

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Área

Saneamento básico, recursos hídricos

Instituições

UNESP - São Paulo - Brasil

Autores

JAMIL GONÇALVES DO NASCIMENTO JUNIOR, RENATO GARCIA PARO SILVA, JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA