XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

A PERSPECTIVA INTERNACIONAL SOBRE A GARANTIA DE ACESSO AO SERVIÇO DE ABASTECIMENTO DE AGUA

Resumo

Desde 2010 que o acesso à água é reconhecido como um direito humano. No entanto, em um mundo cada vez mais confrontado com o crescimento populacional, mudanças climáticas, crises pandémicas, entre outros aspectos, esse direito é, por vezes, limitado ou negado. Em particular, o presente contexto de pandemia que assola os países a nível internacional tem provocado graves crises socioeconômicas, em especial, na população mais vulnerável, o que, em situações extremas, condiciona o pagamento dos serviços essenciais, onde se inclui o serviço de abastecimento de água. Como medida de resposta de curto prazo, os Governos, a nível internacional, impediram os prestadores dos serviços públicos de interromper/cortar o serviço de abastecimento de água à população por falta de pagamento. Contudo, trata-se de uma medida avulsa e sem sustentabilidade de médio-longo prazo e sem a devida integração no quadro legal e política social de cada país. O presente estudo tem como objetivo analisar diferentes países e identificar boas práticas no que concerne às políticas de acesso ao serviço de abastecimento de água e suas políticas sociais.

Palavras Chave

Acesso ao Serviço de Água. Política Social. Inadimplência. Corte do Serviço. Fluxo Vital.

Introdução/Objetivos

A situação de pandemia mundial devido ao Covid-19 resultou em diversos desafios ao setor de água a nível internacional. Como principal consequência, a crise socioeconômica tem suscitado diversos problemas à população mais vulnerável, que, em situações extremas, a impossibilita de cumprir os seus compromissos, incluindo o pagamento dos serviços de abastecimento de água.
Tendo em consideração que o acesso a estes serviços é um direito humano universal e que a falta destes serviços públicos essenciais coloca em causa a coesão econômica e social da população e da sociedade (Baptista e Marlier, 2020; APE, 2015; WAREG, 2017), pretende-se estudar e identificar estratégias e procedimentos que permitam a preservação de este direito, promovendo a proteção da população mais vulnerável e salvaguardando a sustentabilidade financeira dos prestadores de serviços e a sustentabilidade social.
Assim, o presente estudo procura desenvolver um levantamento das práticas internacionais relacionadas com o acesso aos serviços de água, incluindo a análise dos modelos de política social, de relações comerciais e de modelo de corte destes serviços.
Em particular, serão analisadas as diferentes práticas aplicadas por diferentes prestadores em vários de países internacionais quando se observa inadimplência no serviço de abastecimento de água que pode levar ao seu corte total (quando e como é realizado), seu corte parcial (que fluxo é garantido, a tecnologia e o procedimento a aplicar) ou mesmo a impossibilidade de desempenhar a interrupção do serviço.

Metodologia

O estudo desenvolve uma análise comparativa internacional em relação às políticas de corte do serviço de abastecimento de água por atrasos/falta de pagamento e à implementação de políticas sociais no serviço de abastecimento de água. Com enfoque no contexto jurídico, regulamentar e de mercado, e nas estratégias aplicadas, será analisado o impacto das medidas e os seus efeitos financeiros nos prestadores e no comportamento dos usuários.
O estudo será realizado investigando diversos países internacionais, tendo em consideração as situações mais representativas.
A análise de casos compreende o enquadramento legal e regulatório sobre o acesso ao serviço de água. Além disso, para cada caso selecionado, será desenvolvida uma caracterização da estrutura do mercado, do papel do Estado, dos prestadores, entre outros aspectos.
Os aspectos analisados, para cada estudo de caso, incluem, pelo menos, os seguintes pontos:
• Análise da estrutura de mercado e do modelo de prestação de serviços, regulação, incluindo também indicadores socioeconômicos e sanitários, os procedimentos e normas que regulamentam o corte em situações de incumprimento do usuário;
• Análise dos prestadores e de seus usuários: número de usuários, fração de usuários vulneráveis e que recebem subsídios, indicadores de inadimplência, entre outros;
• Identificação e análise de como o princípio do direito humano à água está sendo adotado e incluído no arcabouço legal e regulatório;
• Identificação dos mecanismos de auxílio existentes, sejam diretos ou indiretos, ou direcionados ou não;
• Recolha de informação sobre o impacto financeiro das principais políticas implementadas, bem como o seu efeito no comportamento de pagamento e inadimplência dos usuários;
• Descrição das políticas públicas, papel do Governo, das empresas sanitárias e do regulador, para contribuir para a sustentabilidade social dos serviços de água e saneamento.
• Identificação, compilação e sistematização das estratégias e boas práticas identificadas, estabelecendo a forma como foram desenvolvidas, os seus impactos econômicos e sociais, incluindo os conflitos e litígios associados à sua implementação.

Resultados e Discussão

O desenvolvimento do presente estudo permitiu constatar a pertinência do tema do corte dos serviços de abastecimento de água e da necessidade de uma política social integrada para atender às necessidades da população mais vulnerável.
Os prestadores devem adotar comportamentos e ações que promovam o bem-estar dos seus usuários. Este conceito de responsabilidade social, que engloba o cumprimento de deveres e obrigações para com a sociedade em geral, é bastante importante para o setor de água. Nesse contexto, verificou-se, com a análise de benchmarking realizada, que existe uma crescente preocupação social generalizada.
Embora não seja reconhecido na legislação de todos os países analisados, o princípio do direito humano ao acesso à água está sendo garantido. Além disso, verificou-se a existência de uma tendência em criar tarifas e subsídios sociais que reduzam a vulnerabilidade dos mais pobres. Não obstante, o formato e aplicação destas iniciativas variam de país em país, ou até mesmo de prestador para prestador de serviços. Destaca-se, positivamente, como exemplo, o caso da Itália, cuja tarifa social é automaticamente aplicada nas faturas dos usuários mais vulneráveis, sem que estes tenham pessoalmente de solicitar este apoio (Raitano et al., 2020).
Entre os casos analisados, mesmo quando existe intenção de suspender o serviço de água a um determinado usuário, existem regras que podem condicionar esta prática. Por exemplo, em Espanha, mesmo se inicialmente tivesse existido a intenção de cortar o serviço a um usuário residencial (WAREG, 2017), se os serviços sociais do município verificarem que esse usuário está em situação de vulnerabilidade (através de critérios definidos pelo próprio município), o prestador de serviços deve paralisar o procedimento de suspensão do serviço. Esta prática tem como objetivo proteger a população mais vulnerável, sendo que o corte do serviço só é retomado quando é comunicado pelos serviços sociais que a causa da vulnerabilidade na família desapareceu.
No referente ao uso da técnica de redução de fluxo, verificou-se que ainda não existe muita experiência na sua aplicação, ou na aplicação de alternativas (por exemplo, hidrômetros de pré-pago), embora se tenham identificado alguns casos práticos.
No quadro seguinte apresentam-se as principais informações coletadas para alguns dos países analisados no exercício de benchmarking.

Conclusão

A problemática da garantia do acesso ao serviço ao serviço de água é uma preocupação cada vez maior dos países, que se tornou mais significativa no atual contexto de pandemia, e a consequente crise socioeconômica.
Em suma, verificou-se que a adoção de uma política social para ajudar os usuários mais vulneráveis é uma prática que se encontra em crescimento. Dessa forma, em diversos países, a tendência tem sido o aumento das oportunidades de subsídios e apoios sociais, por forma a evitar a necessidade de corte do serviço. Existem até países em que este corte é ilegal, segundo determinados requerimentos.
No referente ao fluxo vital, apesar de ainda não ser amplamente utilizado, verificou-se alguma tendência para um crescimento de sua aplicação, por forma a garantir que os usuários têm direito a condições mínimas asseguradas.

Referências Bibliográficas

APE (2015). Water Affordability Public Operators’ Views And Approaches On Tackling Water Poverty. Aqua Publica Europea (APE).
Baptista, I., Marlier, E. (2020). Access to essential services for people on low incomes in Europe. European Social Policy Network (ESPN). European Commission.
Raitano, M., Natili, M., Jessoula, M., Pavolini, E. (2020) ESPN Thematic Report on Access to essential services for low income people – Italy. European Social Policy Network (ESPN). European Commission.
WAREG (2017). Affordability in European Water Systems, Milan: European Water Regulators.

Área

Saneamento básico, recursos hídricos

Instituições

Instituto Superior Técnico - - Portugal

Autores

PEDRO TIAGO FRANCISCO SIMOES, INES FREIRE MACHETE, RUI CUNHA MARQUES