XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

FLEXIBILIZAÇAO REGULATORIA E A GERAÇAO DISTRIBUIDA NO BRASIL

Resumo

Este trabalho tem como objetivo apresentar alternativas regulatórias referentes à geração distribuída, a partir do paradigma do desenvolvimento sustentável, enfatizando a interação entre o uso das fontes renováveis e da abertura do setor aos benefícios trazidos pela competição. Em seu escopo são discutidas as questões de inovação, de surgimento de novo mercado e de mudança de papel do consumidor. Por meio de uma metodologia quantitativa de análise documental, jurídico-regulatória e de exemplos da experiência internacional e nacional de outros setores, o trabalho traz uma breve definição de geração distribuída, bem como o marco regulatório vigente a ela aplicado apresentando suas vantagens e desafios. Apresenta, então, novas perspectivas para regulação no Brasil e formas alternativas de governar essa modalidade descentralizada de energia elétrica. Em seguida, prospecta-se tanto a possibilidade de liberalização desse mercado emergente quanto a adoção de mecanismos regulatórios mais próximos à lógica comercial, olhando para o exemplo das telecomunicações. Por fim, apresenta conclusões.

Palavras Chave

Geração Distribuída. Energias Renováveis. Redes Elétricas Inteligentes. Liberalização do Setor Elétrico. Regulação.

Introdução/Objetivos

Discussões sobre o desenvolvimento sustentável ganham corpo no cenário brasileiro. Há emergência de um discurso de substituição das fontes e modalidades de geração de energia elétrica tradicionais e concentradas por opções mais limpas e descentralizadas. A necessidade de diversificação da matriz energética é impulsionada pelo advento de novas tecnologias, como a das redes inteligentes - à qual Fabio de Oliveira Toledo (2013) se referiu como “uma verdadeira revolução não apenas tecnológica, mas mercadológica”.
Essa tendência, portanto, não é apenas motivada por vantagens de ordem ambiental, mas também pela compreensão de que estes modelos alternativos tendem a se traduzir em benefícios de inovação e de competitividade (CUNHA; FRANCO, 2017). E, dessa forma, carregam consigo o potencial de abrirem portas para novos mercados.
A geração distribuída - em sendo geração realizada por e para quem será usuário da energia elétrica, independentemente da potência e da fonte de energia utilizada - parece bem se enquadrar na discussão acima mencionada ao incentivar o desenvolvimento da inovação, fomentar o uso das novas energias renováveis e possibilitar a expansão da liberalização da comercialização de energia.
No entanto, encontra-se, naturalmente, sob o crivo das preocupações de segurança do abastecimento do sistema elétrico, universalização do acesso à energia e modicidade tarifária- fatores de extrema importância quando se trata do setor energético. Além de encontrar entraves na infraestrutura das redes de transmissão do país.
O sucesso de atividade como esta, portanto, depende de um marco regulatório capaz de atender os interesses do setor elétrico brasileiro. E, ainda, de permitir a maximização das possibilidades tecnológicas, negociais e físicas disponíveis no cenário atual.
No presente trabalho, não se tem a pretensão de analisar todos os desafios e potencialidades - os quais já foram alvo de debate até no Congresso Nacional e na Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) – e que permeiam a atividade aqui discutida. Porém, viu-se na análise da possibilidade de implantação de mercado retalhista ou, ao menos, de mecanismos regulatórios mais semelhantes a práticas comerciais privadas, um caminho através do qual as necessidades de expansão – tanto em termos de capacidade do sistema e de diversificação da matriz energética quanto de mercado– podem ser atendidas.

Metodologia

O trabalho busca responder à pergunta ‘O marco regulatório vigente alusivo à geração distribuída é suficiente para explorar todas as potencialidades que essa modalidade de produção de energia elétrica oferece?’
A Resolução Normativa ANEEL n. 482/2012 oferece a possibilidade de compensação do excedente de energia gerado na conta de luz do gerador, através do sistema de net metering, e desde que ela se faça entre unidades da mesma pessoa física ou jurídica, em período de 12 meses, dentro da área de concessão da mesma distribuidora competente. A hipótese que se apresenta é a de que a regulação atual se apresenta como insuficiente diante das potencialidades identificadas no mercado atual e as necessidades de expansão de geração no sistema brasileiro.
Para responder à pergunta, será utilizada metodologia quantitativa de análise documental, jurídico-regulatória e doutrinária a fim de, conceitualmente, identificar-se possíveis vantagens e desvantagens do marco regulatório posto, bem como eventuais perspectivas regulatórias diferenciadas para a geração distribuída. Também, serão explorados exemplos de demais jurisdições que implementam soluções diferenciadas da nacional a partir de documentos públicos e oficiais divulgados pelos governos e setor privado, bem como relatórios e documentos de organizações internacionais.

Resultados e Discussão

A experiência internacional apresenta diversas políticas de incentivo à geração de energia elétrica em sua modalidade descentralizada, tanto através do subsídio estatal quanto através de mecanismos inovadores, inspirados pela lógica de mercado e que aumentaram rápida e drasticamente a porcentagem de energia sustentável gerada em seus territórios. Faz-se necessário, especialmente tendo em vista o cenário brasileiro de crise econômica e de rediscussão da REN ANEEL 482/2012, que o Brasil passe a considerar modalidades de geração de energia inovadoras que não envolvam altos custos financeiros, sociais e ambientais e independam de investimento público a fim de se auferir melhor aproveitamento das fontes renováveis de geração de eletricidade (CERI-FGV, 2019).
Essa mudança na forma de encarar o sistema se torna deveras atrativa frente a evolução das plataformas digitais, as quais tendem a transformar a conduta passiva do consumidor final para de agente ativo no setor e promover a redução de custos de transação e a assimetria informacional entre os contratantes de serviços atualmente ofertados (LISBONA-ROMEIRO, 2017).
Diferentemente das propostas e dos debates sobre geração distribuída que aconteceram em âmbito legislativo no Congresso Nacional e que se evidencia na esfera regulatória pelas propostas da ANEEL, já há entre os agentes do setor elétrico pátrio perspectivas que sinalizam uma intenção de mudança regulatória a fim de liberalizar e flexibilizar as normas que o governam (CERI, 2019).
Dessa forma, propomo-nos a analisar a possibilidade de liberalização da comercialização de energia elétrica produzida através de geração distribuída como alternativa ao sistema de compensação estabelecido pela regulação vigente. Diante do estudo, foram vislumbradas algumas opções, sendo a mais extrema de instituição de um mercado retalhista no Brasil, dentre outras alternativas, como a implementação do sistema de net billing ou a criação da figura de um intermediário - autorizado a operar em regime de competitividade junto ao usuário-gerador, à semelhança do que acontece no setor de telecomunicações.
Não obstante, o trabalho, de forma alguma, olvida a necessidade da intervenção regulatória estatal. A uma porque os riscos do cherry picking e da seleção adversa só poderiam ser enfrentados adequadamente por políticas públicas defensivas. A duas porque se deve prevenir práticas comercialmente abusivas e predatórias pelos grandes agentes do setor. Além disso, consideramos a capacidade do Estado de intervenção positiva na esfera dos prosumers, ao estimular a geração distribuída por fontes renováveis através da emissão de certificados, concessão de benefícios fiscais, garantia de estímulos econômicos para sua implantação, flexibilização dos marcos normativos vigentes e apoio no reforço e modernização das linhas de transmissão (MORENO, 2017).
Portanto, a discussão do trabalho se resume na tarefa de achar uma opção possível de aumentar a liberdade do consumidor para exploração das vantagens tecnológicas e sustentáveis trazidas pela geração distribuída, sem ignorar os desafios físicos e organização atual do setor elétrico brasileiro – em especial no que tange a sobrevivência das distribuidoras.

Conclusão

A revolução das redes inteligentes já é uma realidade. São necessários apenas mecanismos que expandam e universalizem o acesso as suas vantagens, como indicado não apenas no escopo do presente, mas em demais estudos. O mérito deste trabalho está em desfocar a discussão de reforma do arcabouço jurídico-regulatório da geração distribuída de energia elétrica do debate de concessão (ou não) de incentivos fiscais para os micro e mini geradores e expandir as possibilidades a partir de ideias de flexibilização regulatória.
O trabalho procura contribui com o debate por meio do estudo das experiências internacionais e nacionais de outros setores de uma perspectiva jurídico-regulatória, focada no paradigma do desenvolvimento sustentável. Assim, buscamos ampliar o espectro de alternativas normativas para o excedente de energia elétrica produzida por geração distribuída considerando opções que almejem um relacionamento mais eficiente entre o público e o consumidor privado e que estejam atentas às condições reais do setor elétrico nacional – em especial no que concerne a dinâmica organizacional dos players do mercado e as condições de infraestrutura de um país emergente como é o Brasil.

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Área

Energia Elétrica, Eólica e Solar

Instituições

Fundação Getúlio Vargas - São Paulo - Brasil

Autores

MARIA EUGENIA DO AMARAL KROETZ