XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

Mercado Livre de Gás Natural: Grandes Desafios.

Resumo

O presente estudo pretende trazer algumas considerações sobre as razões que impossibilitaram, até o presente momento, o desenvolvimento de um Mercado Livre de Gás Canalizado no Brasil. O texto parte de uma contextualização sobre a cadeia de fornecimento do gás canalizado, a fim de tentar deixar claro algumas balizas que delimitam o trabalho. Para, em seguida, apresentar as principais barreiras existentes ao mercado livre no cenário brasileiro. A avaliação passa pela análise jurídica e pela análise econômica das estratégias adotadas (ou se adotadas) pelos órgãos reguladores, a fim de possibilitar uma ampliação da concorrência no mercado livre.

Palavras Chave

Mercado Livre. Gás Canalizado. Competência. Agência Reguladora.

Introdução/Objetivos

O mercado local de gás canalizado de cada estado da federação brasileira é essencialmente composto de distribuição, comercialização de gás canalizado com o mercado cativo das distribuidoras e comercialização de gás com os usuários livres (CADE, 1999).
Neste sentido, a fim de desenvolver estas redes de gasodutos e garantir os necessários investimentos, o constituinte originário brasileiro e, também o reformador, garantiram o monopólio legal dos serviços locais de gás canalizado aos Estados da Federação, nos termos do artigo 25, §2º da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988). Os Estados prestaram estes serviços, inicialmente, por meio de suas empresas públicas estaduais e, posteriormente, em alguns casos, por meio de concessionárias de capital privado.
A segunda atividade desenvolvida no âmbito local dos Estados é a comercialização de gás canalizado (TEIXEIRA, 2015). Esta comercialização pode ser dividida em outras duas, a comercialização aos usuários do mercado cativo e a comercialização aos usuários livres. Neste segmento de mercado, exsurge, mais recentemente, a possibilidade de contestação do monopólio natural até então exercido pelas concessionárias anteriormente mencionadas.
Como dito, esta separação, entre o mercado cativo e mercado livre, depende de regulação dos estados da federação. No Estado de São Paulo, há expressa previsão nos Contratos de Concessão, de monopólio das atividades de comercialização e distribuição, quanto ao atendimento aos usuários dos segmentos comercial e residencial. Quanto aos demais usuários o monopólio da comercialização perdurou por 12 anos, ou seja, entre 1999 e 2011 (CADE, 1999).

Metodologia

Conforme Lakartos et al (2003), para a configuração de um trabalho como científico é pré-requisito a aplicação de um método científico, que determina o desenvolvimento dos trabalhos de forma sistemática e racional.
Para tanto, visando dar um tratamento científico ao presente texto, buscou-se trabalhar com o denominado método indutivo. Parte-se de alguns dados constatados no atual cenário da indústria do gás canalizado brasileiro, para se observar qual o melhor caminho a trilhar para se ter efetividade na implementação do mercado livre de gás.

Resultados e Discussão

O desenvolvimento do mercado local de gás canalizado no Brasil é relativamente recente. Apesar de contar com duas estruturas que já se consolidaram a mais tempo, em São Paulo e no Rio de Janeiro, as demais regiões do país somente desenvolveram suas redes após a abertura econômica do mercado de petróleo e gás, iniciada em meados da década de 90 (Peyerl et al., 2020).
Em razão dos riscos de apagão nos anos 90, surge no país, uma política de incentivo consistente para a ampliação da utilização do gás canalizado, mediante o incentivo a criação de termelétricas (BARBOSA et al. 2020).
Nesta linha de desenvolvimento, com o aumento efetivo do fornecimento de gás canalizado, oriundo desta nova fonte de suprimento (importação da Bolívia), viabilizado pela efetiva construção do referido gasoduto de transporte, houve o incentivo para o desenvolvimento dos mercados locais de gás canalizado, pelos Estados da Federação.
Entretanto, cabe aqui ressaltar que este incremento da oferta, ainda que de matriz importadora, coube essencialmente à Petrobras. Apesar da capacidade inicial de 15 milhões de m³/dia, com previsão de chegar a 30 milhões de m³/dia em 2007, do GASBOL, a mesma exerceu seu poder de monopólio, por meio de sua subsidiária Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia Brasil S.A. (TBG), contratando toda a capacidade disponível do referido gasoduto, ainda que não estivesse utilizando. Neste sentido, afastou todos os interessados em comercializar gás junto à produtora boliviana, sendo exemplar o caso da British Gas do Brasil Ltda. (BG), no Estado de São Paulo. (ANP, 2001)
Todavia, nos anos 2000, as descobertas realizadas pela Petrobras, abaixo da camada de sal, em região hoje denominada “polígono do pré-sal”, que abrange o mar territorial dos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo trouxe perspectivas de consolidação do mercado nacional do gás natural (BARBOSA et al, 2020).
São reservas substanciais de gás natural, muito acima das importações realizadas pela estatal por meio do gasoduto Bolívia-Brasil. O que, inclusive, foi apontado como a possibilidade de que o Brasil conseguisse atingir sua autossuficiência na produção de seu consumo de petróleo e gás natural.
Desde então, a produção brasileira de fato aumentou significativamente. Todavia, a participação da Petrobras no negócio de produção de gás e petróleo não sofreu significativa redução, permanecendo com percentual superior a 90% (noventa por cento), ainda que já se tenham passados quase 24 (vinte e quatro) anos da abertura do mercado brasileiro (ANP, 2021).
É sabido que o mercado livre de gás canalizado, apesar de já possuir regulamentação em alguns Estados, somente se desenvolverá com a existência de supridores, em livre competição, e o acesso à infraestrutura necessária para o escoamento e transporte do gás até as Estações de Transferência de Custódia (ETC ou City Gates) for disponibilizado para uso no mercado livre.
Conforme assinalado, ainda hoje, quase 22 anos após a edição da Lei nº 9.847, de 26 de outubro de 1999, tem-se que a Petrobras é a monopolista de fato do mercado de gás natural brasileiro, principalmente nos segmentos de UPSTREAM (Exploração, Desenvolvimento, Produção, Escoamento) e de MIDSTREAM (Processamento de Gás e Transporte). Em relação ao DOWNSTREAM (Comercialização e Distribuição), em razão da competência específica dos Estados, a Petrobras, apesar da constituição da Gaspetro, não conseguiu exercer um monopólio tão atuante, quanto nos demais elos da cadeia.
A possibilidade de se alcançar um mercado mais competitivo no âmbito do Upstream e do Midstream do mercado de gás brasileiro, ante a quebra do monopólio federal, possibilitará que as regulamentações já definidas no âmbito dos Estados das Federação Brasileira, tenham a oportunidade de serem utilizadas.
Muitos são os desafios do regulador estadual. Diversamente do que ocorre com a energia elétrica, cuja competência é exclusivamente da União, a indústria de gás canalizado no Brasil, tem regime legal e competência mista, isto é: (i) federal, pois é monopólio da União, nos termos do art. 177, da Constituição Federal, a exploração, a importação e o transporte de gás natural; e (ii) estadual, visto que é de competência estadual, nos termos do art. 25 § 2º, da Constituição Federal, a exploração dos serviços locais de gás canalizado.
No âmbito federal cabe à ANP a regulação e fiscalização dos serviços, já na esfera estadual, a regulação e fiscalização dos serviços locais de gás canalizado dependem de lei própria de cada Estado, sendo que na maioria deles foram instituídas Agências Reguladoras para tais fins.
Como dito anteriormente, não se pode limitar a expressão “serviços locais de gás canalizado” prevista no §2º, do art. 25 da Constituição Federal, tão somente à distribuição de gás canalizado, assim como uma Lei Federal não pode alterar ou transferir a competência dos Estados de regular, controlar e fiscalizar a comercialização de gás canalizado para a União.
Assim, para incentivar o desenvolvimento do mercado livre, além dos Contratos de Concessão, os Estados devem estabelecer as regras pertinentes ao mercado livre, de modo que a abertura do mercado não prejudique o serviço público de distribuição de gás canalizado exercido pela concessionária.
Ante o crescente interesse privado no exercício das atividades de comercialização de gás natural e, em alguns casos, ante o vencimento do prazo de monopólio de comercialização previsto nos contratos de concessão, as Agências Reguladoras Estaduais passaram a discutir a possibilidade de regulamentação desta atividade em caráter competitivo.
Neste sentido, estão sendo elaborados diversos regulamentos locais prevendo a possibilidade de exercício de comercialização em caráter concorrencial junto aos usuários locais (BNDES, 2021).

Conclusão

Conforme assinalado, em que pese diversas tentativas do Governo Federal a fim de quebrar o monopólio da cadeia de gás e petróleo exercido pela Petrobras, desde a edição da Lei nº 9.847, de 26 de outubro de 1999, passando pela edição da Lei do Gás (Lei nº 11.909/2009), dentre outras regulamentações específicas. A Petrobras sempre manteve o monopólio de fato da exploração, produção, transporte e, em menor escala, até mesmo a distribuição de gás.
Embora tenham sido observados avanços nas regulações estaduais, ainda no ano de 2021, podemos observar que a produção de petróleo no Brasil está concentrada nas mãos desta sociedade de economia mista.
A separação, pelos Estados, dos serviços locais de gás canalizado, tal qual sugerido pelo CADE, quando da análise do Ato de Concentração 08012.004550/1999-11, em distribuição, comercialização aos usuários cativos e comercialização aos usuários livres, traz o benefício da incorporação da possibilidade de contestação do mercado, evitando-se a formação de um monopólio natural.
Ou seja, o mercado livre de gás, com a abertura econômica do mercado estadual de comercialização, tem como fundamento o desenvolvimento de um mercado contestável, ou seja, as concessionárias sofrerão uma concorrência acirrada na parcela referente à molécula de gás, a partir do momento em que haja novos ofertantes no Upstream e Midstream da cadeia de gás natural.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 07/04/2021.

CADE. TERMO DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO DE PRÁTICA - (VERSÃO DE ACESSO PÚBLICO) Acesso 01/04/2021. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?DZ2uWeaYicbuRZEFhBt-n3BfPLlu9u7akQAh8mpB9yOB2_y38g8rskaIXKzeotVBWZN5hz5-udKHa5qGzaLmNapRiFbIw7vfgVhN9O1oE3ZqDt6d3zhFM95dglR3E9X3. 2019.

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Gás Para o Desenvolvimento: Perspectivas de oferta e demanda no mercado de gás natural do Brasil. Rio de Janeiro: 2021.

LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica - 5. ed. - São Paulo: Atlas 2003.

TEIXEIRA, João Pedro Braga. GÁS NATURAL: O energético mais competitivo / João Pedro Braga Teixeira - Rio de Janeiro: PoD, 2015.

TURDERA, Eduardo M. V. Desafios da Regulação na Indústria e no Mercado Brasileiro de Gás Natural. Tese de Doutorado. UNICAMP, Campinas: 1997.

Área

Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural

Instituições

ARSESP - São Paulo - Brasil

Autores

TIAGO DE AVILA ACQUAVIVA, PRISCILA EROSA SEBASTIÃO