XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

DIAGNOSTICO DA PRESENÇA DE AGROTOXICOS NO MANANCIAL DE CAPTAÇAO DO RIO CAMBORIU/SC

Resumo

Os agrotóxicos assumem caráter destacado enquanto contaminantes pela intensidade e, não raro, indiscriminação que caracterizam seu consumo no país, cuja presença nos mananciais pode prejudicar o abastecimento público, e consequentemente à saúde da população, visto a dificuldade para o tratamento da água em virtude da eventual necessidade de tecnologias mais complexas do que aquelas normalmente usadas para a potabilização (NETO, SARCINELLI, 2009). Desta forma, considerando a importância do papel do setor de saneamento na gestão de recursos hídricos, a Agência Reguladora, Prestador de Serviço e Órgão Ambiental Municipal realizaram um monitoramento interinstitucional da qualidade hídrica da Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú a montante da captação de água bruta para o abastecimento público, principalmente relacionados aos compostos agroquímicos oriundos das práticas de uso e ocupação do solo da Bacia. Esse monitoramento foi realizado de agosto de 2019 a março de 2020 com a coleta e análise de amostras de água bruta quinzenal em quatro pontos da Bacia do rio Camboriú, assim como de água tratada na Estação de Tratamento de Água. Constatou-se a presença de cinco agrotóxicos no rio, entre eles, apenas dois monitorados e quantificados em valores muito abaixo do limite máximo permitido pela Resolução CONAMA nº 357/2005 e Portaria de Consolidação nº 05/2017. Na Estação de Tratamento de Água foi detectado o pesticida Carbofurano, que tem seu uso proibido no Brasil desde 2018.

Palavras Chave

Agrotóxicos. Qualidade da água. Abastecimento público

Introdução/Objetivos

A Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú, localizada em Santa Catarina, abrange parte dos municípios de Camboriú e Balneário Camboriú, totalizando aproximadamente 194 km² e 33 km de extensão (PADILHA, 2013). Devido à urbanização desordenada, presença de atividades agrícolas e deficiências no saneamento básico, vêm-se enfrentando problemas de ordem hídrica na Bacia, tanto em termos de qualidade como de quantidade de água. Desta forma, além dos fatores físicos, torna-se importante destacar os aspectos de uso e ocupação do solo, bem como a demanda pelo recurso hídrico.
Os conflitos pela água na Bacia Hidrográfica não ocorrem somente em períodos de escassez hídrica, mas principalmente durante os meses da estação de verão, quando a demanda desse recurso para o abastecimento público e a rizicultura são muito maiores (CERTI, 2018), ocasionando também problemas no nível ecológico, como a mortalidade de peixes e outros organismos aquáticos.
Conforme EMASA (2012) a demanda de água em Balneário Camboriú é praticamente toda voltada ao abastecimento público, à indústria da construção civil e ao setor terciário, sendo importante destacar a elevação exorbitante do consumo nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, proveniente do aumento do número de turistas, que chega a 1,5 milhão na alta temporada (SANTUR, 2020). Em números totais, a população dos dois municípios cresceu aproximadamente 31,5% entre 2000 e 2010, chegando a estimar-se o somatório de 225.284 habitantes em 2019 (IBGE, 2019). Para o abastecimento deste número populacional, entre os meses de dezembro 2018 a março de 2019 foram captados 8.096.626,17 m3 de água do rio Camboriú, tratadas e distribuídas para os municípios de Balneário Camboriú e Camboriú. Neste mesmo período a vazão média da estação foi de aproximadamente 772 L/s, já nos meses de abril a novembro de 2019 a vazão média da estação foi de aproximadamente 659 L/s, somando um total de 13.879.451,82 m3 de água captada do rio Camboriú destinado ao tratamento e abastecimento da população de ambos os municípios.
Ainda neste contexto, é importante salientar que o município de Balneário Camboriú possui sistema de esgotamento sanitário, no qual 98,7% dos habitantes possuem rede coletora de esgoto (IBGE, 2010). Já, o município de Camboriú não conta com sistema de esgotamento sanitário coletivo, somente com tratamento individual em alguns domicílios, fazendo com que a poluição por efluente sanitário seja uma realidade no rio Camboriú e afluentes. Embora por muito tempo o município de Camboriú fora considerado rural, tais atividades foram perdendo força ao longo do tempo, representado atualmente com apenas 2,2% do PIB do município (CERTI, 2018).
Contudo, conforme concluído por Grannemann (2011) e validado no Plano de Recursos Hídricos Local (CERTI, 2018), a rizicultura ainda representa uma das atividades que mais consome água no município, sendo também responsável pela perda da qualidade da água dos corpos hídricos desta Bacia por meio do aporte de nutrientes (URBAN, 2008).
Segundo EPAGRI (2019), a rizicultura no município de Camboriú atualmente é administrada por cerca de 45 famílias, sendo distribuída em 940 hectares de área plantada, demandando na necessidade de água em torno de 7 a 10 mil m³/safra. O comportamento da cultura no município representa um ciclo vegetativo tardio, com duração de 136 a 150 dias, cuja época de plantio do arroz vai de setembro a novembro.
De forma geral, bacias hidrográficas sujeitas ao uso agrícola passam por diversas fases de uso da terra, como é o caso da rizicultura, que utiliza a inundação como método de irrigação. Esse método é considerado ineficiente, pois grande quantidade de água retorna para a atmosfera pela evapotranspiração (TUCCI & MENDES, 2006). Na rizicultura, a primeira etapa consiste no preparo do solo, que é geralmente realizado por meio de operação de maquinário e adubação (a base de fósforo e nitrogênio) para enriquecimento (EMBRAPA, 2004; EPAGRI, 2013). Nessa etapa, o solo fica exposto e sujeito à erosão e com a precipitação, o escoamento superficial, agora mais significativo frente à ausência de vegetação, carreia os componentes químicos adicionados anteriormente, para dentro dos córregos, podendo acarretar contaminação e assoreamento dos cursos d’água.
Além dos impactos já comentados, a substituição da vegetação nativa pela cultura específica, ocasiona a perda da biodiversidade devido à dificuldade de manutenção de condições satisfatórias para a sobrevivência de diferentes espécies, e com isso, altera-se o equilíbrio dinâmico do ecossistema. Então, espécies naturalmente controladoras do crescimento de insetos e ervas daninhas são extintas, sendo então necessário a utilização de inseticidas e herbicidas, os quais são fontes potenciais de contaminação dos cursos d’água (TELLES & DOMINGUES, 2006). Após a preparação do solo e plantio, a etapa seguinte é a inundação das lagoas de arroz, nesta fase, o principal problema é a quantidade de água utilizada, visto que grande parte dela é consumida por evapotranspiração. Quando chega a época de colheita, as lagoas são esvaziadas e se na etapa anterior foram adicionados produtos químicos, esses escoarão até os cursos d’água.
Ocorre que o rio Camboriú é o manancial de abastecimento público da região e carece de medidas concretas para melhoria da segurança hídrica. Desta forma, a título de diagnóstico, a Agência de Regulação de Serviços Públicos de Santa Catarina (Aresc), a Empresa Municipal de Água e Saneamento de Balneário Camboriú (EMASA) e Fundação do Meio Ambiente de Camboriú (FUCAM) promoveram o monitoramento da qualidade hídrica da Bacia do Rio Camboriú a montante da captação de água bruta para o abastecimento público, principalmente relacionados aos compostos agroquímicos oriundos das práticas de uso e ocupação do solo da Bacia. Portanto, essa avaliação interinstitucional teve como objetivo identificar, entre outros fatores, a possível presença de compostos de agrotóxicos na água bruta e tratada, destinada ao abastecimento da população.

Metodologia

A Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú possui cerca de 5,03% de uso e ocupação do solo por rizicultura. No demais, as áreas são atribuídas em floresta (55,00%), estágio inicial (24,42%), área urbanizada (9,52%), reflorestamento (3,16%), solo exposto (2,07%) e massas d’água (0,81%). A atividade de rizicultura está localizada nas adjacências do Rio do Braço e Rio Canoas, estendendo-se até parte do Rio Camboriú, além de uma pequena área na localidade do Rio Pequeno (PADILHA, 2013). A atividade de rizicultura está localizada nas adjacências do Rio do Braço e Rio Canoas, estendendo-se até parte do Rio Camboriú, além de uma pequena área na localidade do Rio Pequeno (PADILHA, 2013).
Desta forma, para a avaliação da qualidade da água da Bacia Hidrográfica do Rio Camboriú, os pontos amostrais (figura 1 abaixo) são compostos pela confluência dos rios do Braço (P4) e Canoas (P3), ambos estão localizados na área rural do município de Camboriú e possuem influência de pastagens e rizicultura. A captação de água bruta (P1) é o local onde está instalada a Estação de Recalque de Água Bruta que destina a água do rio Camboriú para ser tratada na ETA da EMASA, para posterior abastecimento público dos municípios de Camboriú e Balneário Camboriú. Situa-se na área urbana, sofrendo grande influência antrópica. Já o Parque Linear (P2), de forma semelhante, possui impacto pela urbanização, porém, é uma área que gera acúmulo d’água, em virtude da bacia de detenção instalada, podendo acarretar mudança de valores obtidos na Captação.

Figura 1 - Distribuição dos cinco pontos de amostragem do monitoramento e dos oito pontos de amostragem realizados na extensão dos afluentes do rio Camboriú (Fonte:Google Earth).

A amostragem foi realizada compreendendo o período de manejo da rizicultura, de agosto a março, cujas coletas iniciaram em 21 de agosto de 2019 e finalizaram em 04 de março de 2020. Foram realizadas quinze coletas por ponto amostral no rio Camboriú e onze coletas na Estação de Tratamento de Água da EMASA, totalizando setenta e uma coletas em todo o Programa. Esse período foi escolhido em função do ciclo de cultivo de arroz irrigado, principal atividade agrícola com o uso de agrotóxicos na Bacia do Camboriú.
As coletas de amostras de água e as análises laboratoriais foram realizadas pelo Terranálises Laboratório de Análises Ambientais, de Fraiburgo/SC, com acreditação do INMETRO ISO 17.025 (CRL 1325). A execução da coleta, acondicionamento e preservação de amostras de água, bem como os ensaios realizados durante a amostragem, foram realizados conforme Standard Methods for Examination of Water and Wastewater 1060 e 9060 (2017).
Para a definição dos parâmetros analisados nos pontos de monitoramento, foi considerado o contexto no qual o rio Camboriú está inserido onde a contribuição de despejo das águas do manejo da rizicultura e de efluente sanitário são possivelmente os maiores problemas para a qualidade de água. Portanto, forma analisados mais de quinze parâmetros físicos e químicos, cinco agrotóxicos, dois bacteriológicos e um biológico, os quais estiveram relacionados com os padrões de qualidade de água de corpos hídricos e de água destinada ao abastecimento público, conforme a Resolução CONAMA nº 357/2005 e a Portaria de Consolidação n° 5 de 2017 do Ministério da Saúde, padrão de potabilidade vigente na época do monitoramento. Dentre os agrotóxicos, objeto deste trabalho técnico, foram analisados: 2,4-D; 2,4,5-T; Atrazina; Carbofurano; AMPA; Glifosato; Mancozebe.
Após a apresentação de dados positivos referentes à presença de compostos de agrotóxicos nas amostragens, foi realizada uma extensão da investigação em mais oito locais ao longo dos afluentes do rio Camboriú, isto é, rio do Braço e rio Canoas (figura 1 acima), no dia 20/11/2019, além dos pontos amostrados quinzenalmente. As coletas nesses locais foram realizadas pelos técnicos das instituições, cujas amostras foram encaminhadas para o laboratório de análise de resíduos e contaminantes químicos (alimentos e ambientais) AgroSafety, com sede na cidade de Piracicaba, São Paulo. Nessa etapa de extensão da avaliação de compostos de agrotóxicos foi aplicada uma análise de varredura de 175 agrotóxicos em cada um dos oito pontos para balizar origem, identificação e quantificação de agrotóxicos. Os procedimentos de ensaio utilizados pelo laboratório de análise de resíduos e contaminantes químicos Agrosafety seguiram o escopo CRL 0286 que são validados e certificados pelo INMETRO.
Os princípios ativos analisados foram: 2,4,5-T; 2,4-D; acefato; acetamipride; alacloro; aldicarbe; aldicarbe sulfona; aldicarbe sulfoxido; aldrin; aletrina; amitraz; AMPA; atrazina; azinfos etílico; azinfos metílico; azoxistrobina; benfuracarbe; benomil; bentazona; bifentrina; bitertanol; boscalida; bromopropilato; bromuconazol; bupirimate; carbaril; carbendazim; carbofenotiona; carbofurano; carbosulfano; ciazofamida; ciflutrinas totais; cimoxanil; cipermetrinas totais; ciproconazol; clordane; clorfenvinfos; clorimurom etílico; clorpirifós etílico; clorpirifós metílico; clorpirifós oxon; cresoxim metílico; deltametrina; diazinona; diclorvós; dicrotofós; dieldrin; difenoconazol; diflubenzurom; dimetoato; dimetomorfe; dissulfotom; diurom; dodemorfe, endossulfam; endossulfam alfa; endossulfam beta; endossulfam sulfato; endrin; epoxiconazol; etiona; etiprole; etofenproxi; etoprofós; etrinfós; fenamifós; fenarimol; fenitrotiona; fenobucarbe; fenoxicarbe; fenpiroximato; fenpropatrina; fentiona; fenvalerato; fipronil; fluazifope-P-butílico; flucitrinato; fludioxonil; flufenoxurom; flusilazol; flutriafol; foransulfuron; forato; forato sulfóxido; fosalona; fosfamidom; fosmete; fostiazato; furatiocarbe; gama-HCH; hexaconazol; hexitiazoxi; imazalil; imibenconazol; imidacloprido; iprobenfos; iprodiona; iprovalicarbe; isocarbofós; isoproturon; lambda-cialotrina; linurom; malaoxom; malationa; mancozebe; mefosfolan; mesotriona; metalaxil-M; metamidofós; metconazol; metidationa; metolacloro; metoxifenozida; mevinfós; miclobutanil; molinato; monocrotofós; monuron; nitempiran; nuarimol; ometoato; oxamil; oxicarboxina; oxifluorfem; p,p'-DDD; p,p'-DDE; p,p'-DDT; paclobutrazol; paraoxona; paraoxona metílica; parationa; parationa metílica; pencicurom; penconazol; pendimetalina; permetrina; piraclostrobina; pirazofos; piridabem; pirifenox; pirimicarbe; pirimifós etílico; pirimifos metílico; piriproxifem; procloraz; profenofós; promecarbe; prometrina; propamocarbe; propanil; propargite; propiconazol; propoxur; simazina; tebuconazol; tebufenpirade; terbufós; tiabendazol; tiacloprido; tiametoxam; tiobencarbe; tiodicarbe; tiofanato-metílico; tolifluanida; triadimefom; triadimenol; triazofós; triciclazole; triclorfom; tridemorfe; trifloxistrobina; triflumurom; trifluralina; triforin; trinexapaque etilico.

Resultados e Discussão

Durante o período do monitoramento, foram realizadas quinze amostragens de água bruta em cada ponto de monitoramento (captação, parque linear, rio canoas e rio do braço) e onze amostragens de água tratada na saída da ETA, além da extensão da investigação em mais oito locais ao longo dos afluentes do rio Camboriú, isto é, rio do Braço e rio Canoas.
Na água bruta, foram identificadas irregularidades nos seguintes parâmetros de ordem física, química, bacteriológica e biológica: Demanda Bioquímica de Oxigênio, Fósforo total, Manganês Total, Coliformes termotolerantes, Escherichia coli, Cor verdadeira, Nitrogênio amoniacal.
O monitoramento apresentou resultado positivo para alguns agrotóxicos no período compreendido entre 21/08/2019 a 04/03/2020, sendo que nas análises realizadas junto ao Terranálises Laboratório de Análises Ambientais foram avaliados apenas os agrotóxicos que estão referenciados na Resolução CONAMA n° 357/05 e na Portaria de Consolidação n°5/2017, anexo XX, de potabilidade de água. Já a amostragem de extensão de análises, realizada em apenas um dia (20/11/2019), realizou uma varredura para maior conhecimento de substâncias ativas utilizadas em diferentes regiões da bacia e qual a contribuição de cada substância em cada local.
Dos agrotóxicos avaliados nas águas do Rio Camboriú, foram realizadas um total de setenta e uma coletas de amostras de água nos cinco pontos, dos quais dez apresentaram resultados passíveis de quantificação, portanto, 14% das amostragens identificaram a presença e quantificaram princípios ativos de agrotóxicos. Desta forma, na Captação (P1) e no Parque Linear (P2), 20% das amostras apresentaram o agrotóxico carbofurano; 6,67% das amostras no rio Canoas (P3) também quantificaram o agrotóxico carbofurano; 13,33% das amostras no rio do Braço (P4) quantificaram o agrotóxico 2,4-D; e na ETA (P5), 9,09% das amostras quantificaram o agrotóxico carbofurano, conforme os resultados descritos na tabela 1 abaixo. Ressalta-se que o período em que foi encontrado o agrotóxico carbofurano corrobora com dados de outros estudos já publicados por Matias e Tamanha (2016) para a mesma região sobre mesmo agrotóxico.

Tabela 1 – Resultados de agrotóxicos para os pontos de coleta 1 a 5.
Local de coleta Agrotóxico Data da Coleta Resultado (ug/L) VMP (ug/L)
Captação Carbofurano 04/09/2019 1,8500 -
16/10/2019 0,4010
30/10/2019 0,2080
Parque linear Carbofurano 04/09/2019 0,3060 -
23/09/2019 1,2000
16/10/2019 0,1690
Rio Canoas Carbofurano 16/10/2019 0,0953 -
Rio do Braçoa 2,4-D 04/09/2019 2,9400 4,0000
11/12/2019 0,6740
ETAb 2,4-D 16/10/2019 0,1570 7,0000
VMP: Valor máximo permitido. Rio do Braçoa - Resolução CONAMA 357/05. ETAb - Portaria de Consolidação n°5/2017, anexo XX, do Ministério da Saúde.


Já na extensão de análises realizada no dia 20 de novembro de 2019 foram encontrados também resultados positivos nos demais pontos amostrados (6 a 13), no entanto, não foram quantificados princípios ativos nos pontos P1 a P5 (locais do monitoramento), P9 (ponte da cobra fria) e P13 (desvio D - vila conceição). Do total de oito amostras na extensão de varredura dos agrotóxicos, foram encontrados três tipos, em seis dos oito pontos locais, representando, portanto, um total de 75% dos pontos analisados com a presença de algum agrotóxico na varredura de um único dia (tabela 2 abaixo). O agrotóxico bentazona esteve presente em 75% dos pontos analisados, enquanto o fipronil e tiametoxam apareceram apenas em um ponto, num total de 12,5% dos pontos analisados.

Tabela 2 – Resultados de agrotóxicos para os pontos de coleta 6 a 13.
Local de coleta Agrotóxico Resultado (ug/L)
Desvio A - Rio do Braço Bentazona 2,2120
Desvio B - Rio do Braço Bentazona 2,7320
Ponte entrada Limeira Bentazona 1,0950
Desvio C - Rio Canoas Bentazona 1,0160
Saída Desvio D - Vila Conceição Bentazona 0,6810
Fipronil 0,1800
Tiametoxam 0,1280
Rio Caetés Bentazona 0,1520


Ressalta-se ainda que, de todos os cinco tipos de agrotóxicos identificados e quantificados, apenas o carbofurano e o 2,4-D são requeridos no monitoramento pela Portaria de Consolidação n° 5/2017 de potabilidade de água e pela Resolução do CONAMA n° 357/05 de qualidade dos corpos hídricos. Os demais não possuem quaisquer limitações de uso por nenhuma outra legislação federal, estadual ou municipal vigente.
Já na água tratada (ETA - P5), a única amostra que apresentou concentração acima do limite de quantificação foi aquela coletada no dia 16/10/2019 para o agrotóxico carbofurano. Porém a concentração encontrada de 0,157 μg/L está em conformidade com a Portaria de Consolidação nº 05/2017, anexo XX do Ministério da Saúde, conforme Valor Máximo Permitido (de 7,00 μg/L).
Para cada um dos defensivos identificados e quantificados as monografias da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) trazem informações específicas de classificações e aplicações elencadas na tabela 3 abaixo.

Tabela 3 – Classificação e aplicação dos agrotóxicos encontrados
Agrotóxico Classe Classificação toxicológica Aplicação)
2,4-D Herbicida Classe I Aplicação em pré e pós-emergência das plantas infestantes nas culturas de arroz, aveia, café, cana-de-açúcar, centeio, cevada, milheto, milho, pastagem, soja, sorgo e trigo.
Bentazona Herbicida Classe III Modalidade de emprego: aplicação em pós-emergência das plantas infestantes nas culturas de amendoim, arroz, feijão, milho, soja e trigo.
Carbofurano* Inseticida Classe I Modalidade de emprego: aplicação no solo nas culturas de banana, café e cana-de-açúcar.
Fipronil Inseticida Classe II Aplicação foliar nas culturas do algodão, arroz, duboisia, eucalipto e soja. Aplicação em sementes de algodão, amendoim, arroz, cevada, feijão, girassol, milho, pastagens, sorgo, soja e trigo. Aplicação na água de irrigação para o arroz irrigado.
Tiametoxam Inseticida Classe III Aplicação no solo nas culturas de abacaxi, abobrinha, alface, amendoim, arroz, batata, berinjela, café, cana-de-açúcar, citros, feijão-vagem, fumo, maçã, mamão, melancia, melão, morango, pepino, pêssego, pimentão, repolho, tomate e uva. Aplicação em sementes de alface, algodão, amendoim, arroz, aveia, batata, cebola, cevada, feijão, girassol, melão, milho, pastagem, soja, sorgo, tomate e trigo. Aplicação foliar nas culturas de alface, algodão, alho, alho-porró, agrião, amendoim, arroz, aveia, batata, berinjela, cana-de-açúcar, cebola, cebolinha, cevada, citros, coentro, crisântemo, ervilha, feijão, figo, fumo, girassol, maçã, mamão, mandioca, manga, melancia, melão, milho, morango, palma forrageira, pastagem, pepino, pimentão, repolho, rosa, soja, sorgo, tomate, trigo e uva.
*Carbofurano - monografia cancelada pela ANVISA (ANVISA, 2020b).
De acordo com as informações do quadro acima, os agrotóxicos 2,4-D, bentazona, fipronil e tiametoxam apresentam em sua monografia o uso destinado ao cultivo de arroz, não diferenciando a modalidade de manejo. Essa atividade agrícola é a principal de plantio nas margens do rio Camboriú e seus afluentes, o que corrobora com a descrição das monografias da ANVISA. Entretanto, apenas um dos agrotóxicos não apresenta descritivo de aplicação em arroz nas monografias da ANVISA, que é o carbofurano, proibido desde 2018 pela ANVISA, sendo este encontrado em quatro dos cinco pontos monitorados, incluindo a água tratada pela ETA da EMASA (P5).
Outro agrotóxico que apresentou recorrência de quantificação em dias diferentes foi o 2,4-D, no rio do Braço (P4) nos dias 04/09/2019 e 11/12/2019. Há de se ressaltar que esse agrotóxico ainda que elencado pela ANVISA com possível aplicação em cultivo de arroz, segundo técnicos da EPAGRI (2019) de Itajaí refutam sobre o seu uso pelos agricultores da região, atribuindo seu uso específico para pastagens que, entretanto, não possuem quantidade expressiva de propriedades nas margens do rio Camboriú e seus afluentes, conforme artigos já publicados por Matias e Tamanaha (2016) e Dortzbach et al. (2015).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o uso intensivo de agrotóxicos representa um dos fatores de risco mais relevantes para a saúde humana, apresentando, em geral, como efeitos crônicos a esta exposição, o desenvolvimento de câncer, malformação e danos para o sistema nervoso e endócrino (WHO, 2004).
Portanto, os agrotóxicos assumem caráter destacado enquanto contaminantes pela intensidade e, não raro, indiscriminação que caracterizam seu consumo no país, cuja presença nos mananciais pode prejudicar o abastecimento público, e consequentemente à saúde da população, visto a dificuldade para o tratamento da água em virtude da eventual necessidade de tecnologias mais complexas do que aquelas normalmente usadas para a potabilização (NETO, SARCINELLI, 2009).
A atual legislação brasileira de potabilidade de água, Portaria de Consolidação nº 005/2017, Anexo XX, do Ministério da Saúde regulamenta 57 substâncias químicas que representam riscos à saúde humana, dentre as quais 27 são agrotóxicos, e apresenta os Valores Máximos Permitidos (VMP) na água potável distribuída. Durante este monitoramento do rio Camboriú, não se identificaram concentrações das substâncias agroquímicas analisadas acima do VMP na água tratada. No entanto, destaca-se que o uso de produtos de agrotóxicos a base de carbofurano está proibido pela Anvisa desde 2018, e mesmo assim ainda foi encontrado na bacia do rio Camboriú, tanto na água bruta quanto na água tratada. A legislação brasileira vigente contempla apenas o valor máximo permitido (VMP) de um dos agrotóxicos analisados, o carbofuran, o qual é permitido pelo Ministério da Saúde em água potável na concentração máxima de 7 ppb (CALDAS et al., 2011). A EMBRAPA sugere para o mesmo agrotóxico um valor máximo permitido em água de rio de 4 ppb (AGEITEC, 2015), enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) sugere uma concentração de 0,7 ppb (REIMCHE, 2010).

Conclusão

A legislação brasileira de potabilidade de água vigente na época do monitoramento da qualidade hídrica do rio Camboriú, Portaria de Consolidação nº 005/2017, Anexo XX, do Ministério da Saúde regulamentava 57 substâncias químicas que representam riscos à saúde humana, dentre as quais 27 eram agrotóxicos, e apresentavam Valores Máximos Permitidos (VMP) na água potável distribuída. Durante este monitoramento do rio Camboriú, não se identificaram concentrações das substâncias agroquímicas analisadas acima do VMP na água tratada.
O carbofurano foi o agrotóxico encontrado em maior número de amostras durante o período de monitoramento, sendo em três amostras da Captação (P1); três no Parque Linear (P2); uma no rio Canoas (P3); e uma na ETA (P5). Com os resultados do dia 16/10/2019 é possível verificar que este agrotóxico foi quantificado em todos os pontos amostrais, exceto no rio do Braço (P4), elevando sua concentração de montante a jusante ao longo do rio, e diminuindo sua concentração na água tratada na ETA. Destaca-se que o uso de produtos de agrotóxicos a base de carbofurano está proibido pela Anvisa desde 2018, e mesmo assim ainda foi encontrado na bacia do rio Camboriú, tanto na água bruta quanto na água tratada.
Dessa forma, é possível avaliar que o sistema de tratamento de água convencional não eliminou e não reduziu de forma significativa os níveis deste agrotóxico, haja vista que o carbofurano possui uma alta solubilidade em água e uma baixa intensidade de sorção à matéria orgânica, não sendo tão facilmente eliminado pelos processos de floculação e decantação do tratamento convencional que removem sedimentos e matéria orgânica associada.
Desta forma, esse monitoramento trouxe um diagnóstico da situação encontrada na bacia do rio Camboriú o qual destaca a necessidade da continuidade e aperfeiçoamento nos trabalhos de monitoramento, com a inclusão de demais órgãos de interesse local e estadual, visando a saúde pública da população dos municípios de Camboriú e Balneário Camboriú que utilizam o recurso hídricos para abastecimento público.
A governança passa a ser um elemento importante para implementar a política nacional de recursos hídricos a partir da visão da bacia hidrográfica como unidade de planejamento, no contexto da política de saneamento básico. Uma visão holística e integrada da bacia hidrográfica pelos órgãos responsáveis pelas ações de execução deve ser requisito essencial para manutenção e melhoria da qualidade dos corpos hídricos e seus ecossistemas associados.

Referências Bibliográficas

AGEITEC. Riscos de contaminação. Disponível em: http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/agri cultura_e_meio_ambiente/arvore/CONTAG01_42 _210200792814.html. Acesso em: 10 jun. 2020.
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Área

Saneamento básico, recursos hídricos

Instituições

ARESC - Santa Catarina - Brasil, EMASA - Santa Catarina - Brasil, FUCAM - Santa Catarina - Brasil

Autores

LUIZA KASCHNY BORGES BURGARDT, LARISSA MARTINS, JOANNA FERREIRA GIDINHO, LIARA ROTTA PADILHA, LÍVIA MARIA GARDINI DA SILVA