XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

FISCALIZAÇAO DE SERVIÇOS DE SANEAMENTO BASICO E O NOVO AMBIENTE REGULATORIO

Resumo

O ambiente regulatório no Brasil está em momento de transformação. A atualização do marco legal do saneamento básico (Lei nº 14.026/2020) e a instituição de Microrregiões de Saneamento Básico (leis complementares estaduais) obrigam à adaptação dos procedimentos de fiscalização das agências reguladoras infranacionais. Perante esta mudança de contexto, o presente estudo teve como objetivo identificar as boas práticas, nacionais e internacionais, de fiscalização dos serviços de saneamento básico, que poderão auxiliar as agências reguladoras infranacionais a adotar novas abordagens e procedimentos de fiscalização eficientes e eficazes. Dessa forma, foi realizado um exercício de benchmarking internacional (4 casos de estudo) e nacional (19 casos de estudo). No final, foram identificados os principais tópicos da fiscalização dos serviços de saneamento básico, e apresentadas as boas práticas encontradas e os seus desafios e oportunidades. Adicionalmente foram identificadas as principais oportunidades e ameaças do ambiente de fiscalização no setor de saneamento básico brasileiro.

Palavras Chave

Fiscalização. Saneamento. Água. Brasil. Benchmarking.

Introdução/Objetivos

A Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, atualizou o marco legal do saneamento básico, e atribuiu à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) o papel de criação de normas de referência que influenciarão o papel regulatório das agências reguladoras infranacionais (incluindo uma norma de referência para a fiscalização dos serviços de água e de esgotamento sanitário). Ademais, em função desta Lei nº 14.026/2020 e da Constituição Federal (cujo §3º do art. 25 estabelece que “os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir (…) microrregiões, (…) para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”), as perspectivas futuras para a prestação dos serviços de saneamento básico no Brasil, apontam para uma regulação regionalizada.
Desse modo, vários estados já implementaram leis complementares, com o objetivo de instituir as Microrregiões de Saneamento Básico, elegendo a regulação e a fiscalização dos serviços públicos de saneamento básico como uma das funções públicas de interesse comum destas microrregiões.
Este novo contexto exigirá das agências reguladoras infranacionais novas abordagens em seus procedimentos regulatórios, incluindo na fiscalização da prestação dos serviços de saneamento básico e no planejamento de todas as atividades regulatórias.
Perante este desafio, é importante orientar e preparar as agências reguladoras infranacionais para as exigências do novo ambiente regulatório. Assim, e tendo em consideração a situação atual e a heterogeneidade de procedimentos e práticas de fiscalização de serviços de saneamento básico, neste estudo desenvolveu-se com um exercício de benchmarking, realçando as boas práticas de fiscalização de várias agências reguladoras e as principais ameaças e oportunidades no Brasil, tendo em consideração estudos de caso internacionais e nacionais.

Metodologia

A fiscalização dos serviços de saneamento básico é essencial para promover a manutenção das condições adequadas destes serviços e proteger a saúde da população (Schambeck e Rosa, 2013). A fiscalização eficiente tem de ser realizada periodicamente e seguindo procedimentos otimizados e bem delineados, contudo, segundo Galvão Júnior et al. (2006), a atuação de fiscalização da prestação dos serviços saneamento básico das agências reguladoras infranacionais carece do desenvolvimento de mecanismos que permitam aprimorar e otimizar os seus procedimentos.
No Brasil, as agências reguladoras infranacionais adotam diferentes procedimentos e práticas de fiscalização. Muitas destas agências têm poucos anos de operação e, consequentemente, pouca experiência, e dependem de equipas com dimensão reduzida, com alta rotatividade, e com carência de recursos humanos qualificados.
Tendo em consideração estes desafios, e a mudança de paradigma da regulação no Brasil, pretende-se identificar e analisar as boas práticas, que poderão ajudar as agências reguladoras infranacionais a desenvolver um planejamento e um processo de fiscalização eficiente e eficaz na identificação de não conformidades dos serviços de saneamento básico prestados, protegendo os usuários e o ambiente.
Neste âmbito, foi desenvolvido um exercício de benchmarking internacional (através dos casos de estudo do Peru, Chile, Argentina e Portugal) e nacional (com a análise de 19 agências reguladoras infranacionais), dos procedimentos de fiscalização dos serviços de saneamento básico. Com esta análise foi possível identificar os principais tópicos e subtópicos que devem ser dimensionados, e as suas melhores práticas, oportunidades e desafios. Adicionalmente, este levantamento e análise permitiu a identificação das oportunidades e ameaças do ambiente de fiscalização no setor de saneamento básico no Brasil.

Resultados e Discussão

Com a análise das informações e dados das agências reguladoras foi possível destacar os principais tópicos e subtópicos que as agências reguladoras infranacionais precisam de otimizar, para garantir uma fiscalização eficiente e eficaz, nomeadamente:
• Planejamento e processo de fiscalização – etapa de planejamento; comunicação inicial com o prestador de serviços de saneamento básico; engajamento dos municípios; projeto de comunicação e engajamento de outros atores; ação de fiscalização direta ordinária e extraordinária; fase de análise e avaliação; fase de finalização de ação de fiscalização; procedimento sancionatório; fiscalização de acompanhamento; fiscalização indireta e indicadores de desempenho; regulação por exposição (sunshine); dimensão da equipe de fiscalização; descentralização, terceirização e delegação da equipe de fiscalização; aproximação às microrregiões de saneamento.
• Instrumentos, tecnologias e monitoramento remoto – checklists; tecnologias de informação e análise crítica de resultados; veículos aéreos não tripulados (drones); equipamentos de proteção individual; data loggers de pressão.
• Relatórios e outros documentos de fiscalização – relatório de fiscalização; relatório de acompanhamento; relatório anual de atividades; relatório de fiscalização indireta e indicadores de desempenho.
Para cada um destes tópicos foram destacadas as boas práticas identificadas nos casos de estudo, e foram, também, identificados os principais desafios e oportunidades que as agências reguladoras infranacionais poderão enfrentar e beneficiar, respetivamente.
Adicionalmente, sempre que existe a intenção de modificar/criar um novo setor ou organização, implementar uma mudança ou iniciar um processo de planejamento estratégico, é importante desenvolver uma análise dos fatores positivos e negativos (Terrados et al., 2007). Desta forma, a análise focada no ambiente externo contribui para o desenvolvimento de estratégias robustas, permitindo considerar as oportunidades e ameaças que as agências reguladoras infranacionais enfrentam no contexto da fiscalização. Na tabela 1 seguinte, são apresentadas as principais oportunidades e ameaças do ambiente de fiscalização no setor de saneamento básico brasileiro.

Tabela 1 – Oportunidades e ameaças - fiscalização no setor de saneamento básico brasileiro
Análise das Oportunidades e Ameaças
Oportunidades
(fatores externos, positivos)
• O foco e ambiente do país em tornar a universalização e a sustentabilidade dos serviços de saneamento básico uma realidade.
• Desenvolvimento da Política Estadual de Saneamento Básico.
• Desenvolvimento dos Planos Regionais de Saneamento Básico.
• A instituição de Microrregiões de Saneamento Básico.
• O projeto de capacitação técnica das agências reguladoras infranacionais da ANA (no seguimento do previsto na Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020).
• Normas de referência da ANA (como previsto na Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020).
Ameaças
(fatores externos, negativos)
• Falta de informação atualizada e centralizada relativa aos titulares dos serviços de saneamento básico.
• Dificuldades de licenciamento de uso de drone.
• Falta de cultura de trabalho em equipe entre as diversas entidades do setor.
• Falta de conhecimento do papel da regulação e das agências reguladoras infranacionais por parte das entidades titulares, usuários e outros atores do setor do saneamento básico.
• Baixo grau de conhecimento dos usuários quanto aos seus direitos relativos à qualidade do serviço prestado pelo prestador, incluindo o direito de reclamação.
• Baixo grau de conhecimento e de capacidade para exercício, pelos titulares, dos seus deveres e direitos relativos à qualidade do serviço prestado pelo prestador.
• Os titulares não têm conhecimentos técnicos suficientes para supervisionar os sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
• Baixo conhecimento dos padrões sanitários adequados à saúde pública, por parte da população.
• Práticas da população que geram perdas na capacidade dos serviços, como conexões clandestinas e outras.
• Falta de capacidade na operação e manutenção de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário em nível local, o que leva os sistemas de médio e longo prazos a ficarem não operacionais ou terem muitos problemas que não são corrigidos.
• Possível falta de consistência, confiabilidade e transparência nos dados do setor, principalmente no caso dos dados do prestador de serviços.
• Fenômenos naturais.

Os tópicos e subtópicos identificados neste estudo podem ser utilizados pelas agências reguladoras infranacionais para identificarem os aspetos a melhorar nos seus procedimentos de fiscalização, através do reconhecimento das suas próprias forças (fatores internos, positivos) e fraquezas (fatores internos, negativos). Assim, com o auxílio das oportunidades e ameaças identificadas neste estudo, estas agências reguladoras poderão construir a matriz SWOT (forças, fraquezas, oportunidades e ameaças) dos seus departamentos de fiscalização.

Conclusão

Este trabalho apresenta um exercício de benchmarking identificando os principais tópicos da fiscalização dos serviços de saneamento básico e as boas práticas que fomentam a eficiência de procedimentos ajustados ao novo ambiente regulatório. Foram, também, identificadas as oportunidades e ameaças do setor de saneamento básico brasileiro, tendo em consideração o processo de fiscalização dos serviços de saneamento básico prestados no país.
Este trabalho contribui para a literatura por conter um levantamento dos critérios chave que devem ser considerados para o planejamento e desenvolvimento de um processo de fiscalização ajustado ao novo contexto de regulação e fiscalização, identificando boas práticas internacionais e nacionais.
Estes resultados poderão ser ajustados às necessidades das várias agências reguladoras infranacionais, através da identificação das forças e fraquezas dos seus próprios departamentos de fiscalização, e usados como material de apoio para o desenvolvimento de novas abordagens em seus procedimentos de fiscalização.

Referências Bibliográficas

Galvão Júnior, Alceu; da Silva, Alexandre; de Queiroz, Eveline; Sobrinho, Geraldo. Regulação: Indicadores para a Prestação de Serviços de Água e Esgoto. Expressão Gráfica e Editora Ltda. 2ª edição, Fortaleza, 2006.
Schambeck, Cássio; Rosa, Silvio. Regulação e fiscalização dos serviços de saneamento: avaliação da qualidade do esgoto tratado no sistema de esgotamento sanitário do município de Florianópolis-SC. Artigo Conferência: VIII Congresso Brasileiro de Regulação, Fortaleza, 2013.
Terrados, J.; Almonacid, G.; Hontoria, L.. Regional energy planning through SWOT analysis and strategic planning tools.: Impact on renewables development. Renewable and Sustainable Energy Reviews, Volume 11, Issue 6, 2007.

Área

Saneamento básico, recursos hídricos

Instituições

Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa - - Portugal

Autores

INES FREIRE MACHETE, RUI CUNHA MARQUES, PEDRO SIMOES