XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

A INFLUENCIA DOS RISCOS DE PROJETO NO FINANCIAMENTO DO SANEAMENTO BASICO

Resumo

O desenvolvimento sustentável do setor de saneamento básico depende do aumento da mobilização de investimentos privados. Dessa forma, é importante entender quais os riscos de projetos neste setor, e como estes podem, potencialmente, influenciar o seu investimento. Neste estudo foi desenvolvida uma análise da literatura, com o objetivo de identificar os tipos de riscos, que influenciam o financiamento do setor de saneamento básico. No final, foram destacados os principais riscos e as potenciais soluções de mitigação que poderão ser aplicadas, especificamente, neste setor.

Palavras Chave

Riscos. Financiamento. Mitigação. Saneamento. Água.

Introdução/Objetivos

O desenvolvimento sustentável do setor de saneamento básico depende de investimentos (OCDE, 2019). Contudo, historicamente, não tem sido fácil mobilizar investimentos do setor privado no setor de saneamento básico. De acordo com Hutton e Varughese (2016), para atingir o objetivo do desenvolvimento relacionado ao alcance do acesso universal e equitativo à água potável segura e acessível para todos, até 2030, seriam necessários investimentos adicionais avaliados em 1,7 trilhão de dólares. No entanto, este valor é considerado apenas uma fração das necessidades de financiamento do setor de água, uma vez que, de acordo com a OCDE (2018), as “projeções de necessidades de financiamento globais para infraestrutura hídrica variam de US $ 6,7 trilhões, em 2030, a US $ 22,6 trilhões, em 2050”.
Desta forma, é importante entender as diversas necessidades e expectativas que os financiadores têm ao investir no setor. Financiadores diferentes reagem de maneira distinta a diferentes tipos de barreiras (tendo, por exemplo, diferentes apetites para os vários tipos de risco). Portanto, tal como em qualquer outro tipo de projeto, no setor de saneamento básico, os riscos precisam ser identificados e planos de mitigação elaborados para atrair financiamento privado.
Os riscos podem ocorrer em uma variedade de formas. Estes podem ser políticos, regulatórios, macroeconômicos, técnicos, entre outros. O risco excessivo limita os investimentos em infraestruturas de serviço público, as quais são extremamente importantes tanto econômica quanto socialmente (Jamison et al., 2005). Dessa forma, a mitigação de riscos é uma grande preocupação para o setor de saneamento básico.
No entanto, apesar de a temática do risco ser de extrema relevância, principalmente tendo em consideração que o setor do saneamento básico está a ser subfinanciado mundialmente, de acordo com Machete e Marques (2021), os riscos associados a projetos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário não são alvo de estudo aprofundado, na literatura, há mais de 10 anos.
Neste contexto, este estudo tem como objetivo identificar e analisar os principais riscos que influenciam o financiamento do setor de saneamento básico, incluindo o desenvolvimento de descrições de suas principais características e técnicas de mitigação.

Metodologia

O financiamento do setor de saneamento precisa ser fomentando. É necessário atrair investimento privado, por isso, considera-se importante identificar quais são os principais riscos do setor de saneamento básico capazes de influenciar a decisão dos financiadores de financiar, ou não, os seus projetos. Adicionalmente, é igualmente importante identificar as principais técnicas de mitigação de risco que podem ser aplicadas no setor de saneamento básico.
A revisão da literatura é uma forma útil de obter informações sobre temas específicos e que permite uma apreciação dos estudos desenvolvidos e do conhecimento existente sobre os temas desejados (Mok et al., 2015). Por isso, procedeu-se com a análise da literatura existente, com o objetivo de identificar e analisar artigos e outros documentos relevantes, que pesquisaram, mencionaram ou expandiram o tema dos riscos que influenciam o financiamento do sector do saneamento básico.
Esta análise da literatura permitiu identificar os principais riscos do setor de saneamento básico, nomeadamente: riscos regulatórios e políticos; risco de construção; riscos de desempenho e técnicos; riscos ambientais e sociais; risco cambial; risco sub-soberano; risco contratual; e riscos macroeconômicos e de negócios – risco de liquidez, risco operacional, risco de mercado, risco de crédito, e risco de incumprimento.
Posteriormente, procedeu-se com a análise da literatura de cada um destes riscos, especificamente tendo em consideração o setor de saneamento básico, e foi sistematizada informação sobre o seu impacto e possíveis técnicas de mitigação da sua influência negativa nas decisões de financiamento.

Resultados e Discussão

A análise dos dados e informações coletados permitiu identificar quais os riscos que estão a inibir o financiamento do setor de saneamento básico, inclusive como estes são percecionados pelos financiadores e financiados, e como estes podem ser mitigados. De seguida apresenta-se uma breve descrição para cada um destes riscos principais:
Riscos regulatórios e políticos – geralmente surgem quando há um risco de instabilidade na situação política e financeira de um país, e existe a possibilidade de que a exploração governamental de vulnerabilidades em contratos não seja mitigada por um bom sistema de regulação;
Risco de construção – é inerente a qualquer projeto de infraestrutura que envolva um elemento construtivo e está relacionado aos custos do projeto. Por vezes, este risco pode ser mitigado através da aplicação de garantias de recuperação total de custos negociadas previamente (Rees, 1998);
Riscos de desempenho e técnicos – surgem devido a problemas de vazamento ou ruptura, envelhecimento das infraestruturas e obsolescência das tecnologias. Para mitigar este risco, é necessário promover a reabilitação e manutenção periódica das infraestruturas;
Riscos ambientais e sociais – são temas relevantes para o saneamento básico, sendo a escassez de água um dos principais problemas que precisam ser abordados para garantir o acesso a serviços de água seguros e confiáveis. A aplicação de políticas e estruturas regulatórias bem ajustadas e de um regime adequado de monitoramento e manutenção, podem ser mitigações benéficas;
Risco cambial – ocorrem porque a situação econômica dos países em desenvolvimento geralmente não é estável, e a taxa de câmbio pode sofrer variações não previstas, resultando em variabilidades no valor ou nos juros de um projeto. Este risco e suas políticas de mitigação são complexos. Um método comum aplicado, para tentar alocar este risco, é o ajuste das tarifas de água de acordo com os movimentos cambiais e/ou mudanças nas taxas de inflação domésticas;
Risco sub-soberano – é um problema porque em muitos países os serviços de saneamento básico são prestados por órgãos sub-soberanos descentralizados, como municípios ou agências regionais, que apresentam deficiências nos níveis financeiro, de gestão, regulatório ou de governança. Segundo Baietti e Raymond (2005), esse risco poderia ser mitigado se as instituições financeiras ajudassem os governos locais e os prestadores de serviços públicos a melhorar a sua governança corporativa e aumentar a sua capacidade de crédito;
Risco contratual – é predominante porque a vida útil dos investimentos em água é longa, com contratos que variam em média entre 25 e 30 anos, enquanto o financiamento disponível apresenta, geralmente, um prazo curto. A credibilidade do governo é muito importante para mitigar este risco;
Risco de liquidez – surge quando existe uma impossibilidade de saída ou venda e é típico de projetos de infraestrutura, uma vez que são únicos em termos de serviços prestados, resultando em investimentos em infraestrutura de menor liquidez. Para mitigar este risco, Jin et al. (2015) propõem que os investidores sejam compensados com um prêmio de retorno ajustado;
Risco operacional – relaciona-se ao potencial fraco desempenho dos prestadores de serviço, incluindo problemas sérios como fraude, erros de negociação e falhas de sistema. De acordo com Dentons (2013), para mitigar esse risco, podem ser celebrados nos acordos/contratos patrocinadores, que ficam responsáveis por fornecer gestão, pessoal e assistência técnica;
Risco de mercado – está associado a mudanças de preços e é impactado por fatores imprevisíveis, ou inesperados, que afetam a quantidade de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário vendidos ou recuperados por meio de tarifas, e a própria tarifa efetivamente aplicada. Merna e Chu (2017) propõem, como método de mitigação, a aplicação de contratos de fornecimento para aumentar preço, quantidade e certeza de disponibilidade;
Risco de crédito – está associado à incapacidade de um ator de honrar os arranjos acordados no contrato. Às vezes, como solução para este risco, os operadores menores recorrem aos mercados de capitais locais para obter capital próprio e financiamento de dívida (OCDE, 2010);
Risco de incumprimento – está relacionado ao valor de reposição do contrato em caso de incumprimento. Os financiadores evitarão celebrar contratos se o risco de incumprimento esperado for alto e os interessados terão que encontrar maneiras de atrair financiamento privado por meio de garantias ou outros mecanismos.

Conclusão

Para promover a disponibilidade e qualidade sustentável dos serviços de saneamento básico, é importante compreender os riscos que podem influenciar o financiamento deste setor. Nesse contexto, este estudo contribuiu para a literatura ao ter identificado os principais riscos de projeto e, também, as soluções de mitigação de riscos que podem ser aplicadas no setor de saneamento.
Tendo em consideração a influência da perceção de risco nos projetos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, considera-se relevante que, no futuro próximo, se proceda com a análise dos perfis de risco de projetos financiados por instituições financeiras, com o objetivo de melhorar o entendimento da influência dos vários tipos de riscos nos diferentes instrumentos de financiamento e valores disponibilizados.

Referências Bibliográficas

Baietti, A., Raymond, P. Financing Water Supply and Sanitation Investments: Utilizing Risk Mitigation Instruments to Bridge the Financing Gap. Water supply and sanitation sector board discussion paper series, 2005, 4.
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Hutton, G., Varughese, M. The Costs of Meeting the 2030 Sustainable Development Goal Targets on Drinking Water, Sanitation, and Hygiene. World Bank, 2016, USA.
Jamison, M. A., Holt, L., Berg, S. V. Measuring and Mitigating Regulatory Risk in Private Infrastructure Investment. Electr. J., 2005, 18, 36-45.
Jin, X.; Wang, Y. Chinese Outbound Tourism Research. J. Travel Res. 2015, 55, 440-453.
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Merna, T., Chu, Y. Risk Modelling of Supply and Off-take Contracts in a Petroleum Refinery Procured Through Project Finance. CME 25 Conference Construction Management and Economics ‘Past, Present and Future’. 2017, 1, 1313-1322.
Mok, K. Y., Shen, G. Q., Yang, J. Stakeholder Management Studies in Mega Construction Projects: A Review and Future Directions. Int. Journal of Project Management, 2015, 33(2),446-457.
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OECD. Making Blended Finance Work for Water and Sanitation: Unlocking Commercial Finance for SDG6. OECD Studies on Water, 2019, France.
Rees, J. Regulation and Private Participation in the Water and Sanitation Sector. Natural Resources Forum, 1998, 22, 2, 95-105.

Área

Saneamento básico, recursos hídricos

Instituições

Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa - - Portugal

Autores

INES FREIRE MACHETE, RUI CUNHA MARQUES