Dados do Trabalho
Título
AUTONOMIA FINANCEIRA DAS AGENCIAS REGULADORAS E A TAXA DE FISCALIZAÇAO
Resumo
As taxas de fiscalização aplicadas aos serviços regulados são tributos decorrente do exercício do poder de polícia, sendo destinadas ao custeio das agências reguladoras. A análise do papel das taxas torna-se relevante no contexto dessas agências, principalmente devido à sua contribuição para a autonomia financeira dos entes reguladores. Dessa forma, o presente trabalho tem o objetivo de contribuir para as seguintes questões: como essas taxas se relacionam com a regulação de serviços públicos, qual a sua natureza, quais as suas justificativas e como devem ser implementadas. Para isso, perpassa pelos atributos desejáveis das agências reguladoras, justificativas para a taxa de fiscalização, autonomia financeira das agências reguladoras e sugestões para o dimensionamento da taxa e para os critérios de determinação do seu valor.
Palavras Chave
Taxa de Fiscalização. Agência Reguladora. Autonomia Financeira.
Introdução/Objetivos
A crise do Estado dos anos 70 fez com que a concessão de serviços públicos a entes privados se tornasse prática cada vez mais difundida em todo o mundo. No Brasil, essa realidade teve especial impulso nos anos 90, em movimento de retirada do Estado na prestação direta de serviços, principalmente por meio de empresas estatais.
A celebração de contratos de concessão fez surgir a necessidade da constituição de agências reguladoras federais, estaduais e municipais. O modelo trouxe desafios para a administração pública brasileira, pouco habituada à transferência de serviços a entes privados.
Para custear as despesas de agências reguladoras, surgiram taxas de fiscalização aplicadas aos serviços regulados. Essas taxas possuem natureza jurídica de tributo, decorrem do exercício do poder de polícia e contribuem para a autonomia financeira dos entes reguladores.
Assim, a análise do papel das taxas de fiscalização torna-se relevante para o contexto das agências reguladoras. O presente trabalho tem o objetivo de contribuir para as seguintes questões: como essas taxas se relacionam com a regulação de serviços públicos, qual a sua natureza, quais as suas justificativas e como devem ser implementadas.
Metodologia
Ensaio teórico.
Resultados e Discussão
As agências reguladoras devem pautar sua atuação equilibrando interesses dos usuários e do concessionário prestador do serviço regulado, evitando pressões e discrepâncias contrárias ao equilíbrio contratual. Atenção especial deve ser dada aos casos em que haja interação entre empresas estatais e privadas, como no setor de petróleo e gás (MESQUITA, 2005).
Smith (1997) aponta que os órgãos reguladores devem proteger usuários do abuso de poder das empresas com grande influência de mercado, proteger empresas de ações governamentais arbitrárias, além de fomentar a economia e a eficiência. Em relação ao setor de infraestrutura, a atuação das agências deve zelar pela continuidade dos serviços, além de afastar o ônus político decorrente de medidas impopulares, como reajustes tarifários (MAJONE, 1998).
Sendo assim, o papel das agências reguladoras, voltado à sociedade, deve estar direcionado para a garantia dos direitos oriundos de variados instrumentos legais, sejam leis, regulamentos, contratos. Isso se resume na definição de preços ou tarifas justas, na busca pela eficiência e melhoria contínua dos serviços prestados, no incentivo ao desenvolvimento de tecnologias e inovação, na preocupação com a proteção ao meio ambiente, no incentivo a políticas setoriais plurais, como a garantia de universalidade de serviços, e na atuação descentralizada e transparente, especialmente para permitir a participação dos usuários na regulação dos serviços (MESQUITA, 2005).
Em relação aos prestadores de serviço, o papel das agências deve estar voltado à garantia de regras claras e estáveis de mercado, de remuneração justa dos investimentos e dos serviços prestados, em cumprimento a leis, regulamentos e contratos (MESQUITA, 2005).
No Brasil, as agências reguladoras foram instituídas como autarquias em regime especial, sendo desejável que tenham as seguintes características:
a) poder regulador (normativo ou regulamentador, fiscalizador, poder de polícia e mediador); (...) b) independência política dos seus dirigentes, investidos de mandatos e estáveis no cargo por determinado prazo; (...) c) independência decisória, na medida em que suas decisões não são passíveis de recursos hierárquicos; d) ausência de subordinação hierárquica; e) função de poder concedente, por delegação, nos processos de outorgas de concessão, autorização e permissão, no caso das agências que atuam nos setores de infraestrutura (MESQUITA, 2005, p. 30).
Assim, para que as agências reguladoras possam alcançar sua missão de estabelecer e fiscalizar o respectivo marco regulatório de maneira eficiente, alguns atributos são desejáveis, os quais são tratados em vasta bibliografia sobre o tema.
Stern e Holden (1999) apresentam como essenciais seis elementos críticos, sendo eles: claridade de papéis, autonomia, participação, accountability, transparência e previsibilidade.
Stern e Cubbin (2003) destacam como atributos essenciais a autonomia dos órgãos reguladores, a clareza de objetivos e papéis dos atores envolvidos, a natureza do processo decisório, transparência e previsibilidade, participação social e accountability.
Oliveira (2004) considera seis elementos: independência, transparência, prestação de contas, competências bem definidas, autonomia financeira e gerencial, excelência técnica.
Mesquita (2005) aponta para a necessidade de neutralidade, isonomia, imparcialidade, transparência, credibilidade, gestão eficiente, prestação de contas, participação e diálogo com todas as partes interessadas no processo regulatório.
Melo (2008) apresenta a importância da claridade de papeis e objetivos das agências, autonomia em relação à interferência política, participação dos atores interessados no processo regulatório, accountability, transparência, previsibilidade; qualificações e capacidade técnica; estabilidade dos servidores.
Consolidando-se os entendimentos apresentados, passa-se a elencar como atributos desejáveis para as agências reguladoras: independência e autonomia; qualificação e capacidade técnica; clareza de objetivos e competências bem definidas; transparência e previsibilidade; participação; prestação de contas e accountability.
Independência e autonomia são essenciais para que agências reguladoras atinjam seus objetivos e desempenhem seu papel com isenção e imparcialidade técnica. Esses dois termos são abrangentes, relacionando-se com diversos aspectos.
Wald e Moraes (1999, p. 145) conceituam a independência da agência reguladora como:
[...] capacidade de buscar prioritariamente o atendimento dos direitos e interesses do usuário e a eficiência da indústria, em detrimento de outros objetivos conflitantes, tais como a maximização do lucro, em sistemas monopolistas, a concentração de empresas em setores mais rentáveis do mercado, ou a maximização das receitas fiscais.
Precipuamente, a independência visa afastar as pressões políticas das instâncias de decisão técnica. Dessa forma, suavizam-se mudanças súbitas na regulação dos mercados devido a interesses políticos. Contudo, cabe ressaltar que a independência não impede a atuação dos governos eleitos na implementação de políticas setoriais (OLIVEIRA, 2004).
A independência guarda relação com a blindagem política dos dirigentes de uma agência, que comumente são nomeados pelo chefe do Poder Executivo, sabatinados pelo Poder Legislativo e possuem estabilidade em seus mandatos. Oliveira (2004) considera essas características incomuns no âmbito da administração indireta, mas importantes para assegurar a autonomia e a independência da regulação, o que pode contribuir para a estabilidade do mercado regulado.
A busca pelo isolamento da direção das agências de interferências indesejáveis, tanto governamentais quanto dos concessionários, gera independência decisória, aumentando a capacidade de resistir a pressões de curto prazo (WALD; MORAES, 1999).
Também reforçam a independência e a autonomia da agência reguladora a sua criação por lei, disponibilidade de equipe técnica suficiente para a realização de suas funções, predomínio da discricionariedade técnica no processo de decisão, bem como autogestão da agência, determinando sua estrutura organizacional, além da garantia de recursos financeiros suficientes para realização das suas atribuições (BATISTA, 2011). Assim, a independência e autonomia dependem de diversos fatores que precisam ser combinados para maior estabilidade da regulação.
A qualificação e a capacidade técnica são importantes devido à natureza do serviço de regulação, que necessita de esforços sistemáticos para se equipar e analisar questões complexas (OLIVEIRA, 2004), além da importância da discricionariedade técnica para os processos decisórios.
A clareza de objetivos e competências bem definidas são necessários para delimitar o escopo da regulação, com diretrizes não conflitantes, buscando-se a eficiência da regulação (WALD; MORAES, 1999). Assim, de acordo com Oliveira (2004), a extrapolação de competências gera um ambiente de insegurança no mercado.
A atuação das agências reguladoras também deve ser pautada por transparência e previsibilidade. Isso significa que as decisões e os processos de regulação devem estar disponíveis, publicizando as informações concernentes aos procedimentos internos, gerando maior previsibilidade em relação a suas ações (MELO, 2008).
Mecanismos de participação também auxiliam no processo de transparência. A participação das partes interessadas no processo decisório auxilia na qualidade da governança regulatória. Consultas e audiências públicas são instrumentos úteis para boa regulação (OLIVEIRA, 2004).
A prestação de contas e accountability estão relacionadas à transparência, à previsibilidade e à participação. Esses atributos permitem o controle da atuação das agências reguladoras e a responsabilização pelos resultados, o que pode contribuir para a confiança no processo regulatório (MELO, 2008).
Em vista dos atributos tratados até aqui, passa-se à análise sobre como a taxa de fiscalização dos serviços regulados pode contribuir para o fortalecimento das agências reguladoras.
JUSTIFICATIVAS PARA A TAXA DE FISCALIZAÇÃO
Conforme definição do Código Tributário Nacional (CTN), as taxas são tributos vinculados a alguma prestação específica do Estado em relação ao contribuinte.
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas (BRASIL, 1966).
De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 145, todos os entes federativos possuem competência tributária para instituição de taxas, seja em relação ao exercício do poder de polícia ou pela prestação de serviço público específico e divisível, de maneira efetiva ou potencial. As taxas também não podem possuir a mesma base de cálculo própria de impostos, impedindo o bis in idem, além de manter uma correlação com atividades administrativas do Estado. Contudo, conforme a Súmula Vinculante 29, do Supremo Tribunal Federal (STF), é lícita a identidade parcial entre a base de cálculo do imposto e da taxa, sendo vedada a identidade integral.
A taxa, então, possui como característica necessária a existência de uma atividade específica, seja de fiscalização ou disponibilização de serviço público para o sujeito passivo, o administrado. Caso a atuação do estado seja de maneira geral e indivisível, caberá a cobrança de impostos e não de taxas, conforme o artigo 6° do CTN.
Dessa forma, a base de cálculo da taxa deve guardar correlação com a atuação do Estado em relação ao administrado, sendo importante a equivalência entre o custo da prestação dessa atividade e o valor exigido. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei. – Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a essa modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV, da Constituição da República (STF, ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-03, DJ de 20-4-06)
Podemos elencar as taxas, conforme o artigo 77 do CTN, bem como o artigo 145 da Constituição Federal, em duas espécies distintas: pelo exercício do poder de polícia ou pela utilização de serviço público, efetiva ou potencial. A possibilidade de taxas decorrentes do exercício de poder de polícia está prevista na combinação do artigo 77 com o artigo 78 do CTN:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
Sendo assim, trata-se de um tributo da atuação do poder público no regular exercício de poder de polícia. Segundo Marcello Caetano (1991), o poder de polícia pode ser definido como uma intervenção no exercício dos direitos individuais que podem colocar em risco os interesses gerais, com o objetivo de evitar a produção ou ampliação desses riscos por meio de autoridades administrativas. No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello define poder de polícia como
[...] atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo. (MELLO, 2011, p. 844)
De acordo com o entendimento de Marçal Justen Filho, as taxas de fiscalização cobradas pelas agências reguladoras possuem a natureza jurídica de taxa relacionada ao exercício do poder de polícia, pois, “na medida em que a lei atribui o exercício do poder de polícia (competência regulatória) à agência reguladora, será admissível que outra disposição legal institua uma taxa destinada ao custeio dessa atividade.” (JUSTEN FILHO, 2002, p. 478).
Dessa forma, a taxa de fiscalização de serviços regulados possui natureza jurídica de tributo, sendo decorrente do exercício do poder de polícia, quando destinadas ao custeio desses entes reguladores. Além disso, por serem cobradas em razão da fiscalização do serviço, o valor arrecadado por meio das taxas deve estar relacionado com o valor necessário para custeio destas atividades de regulação.
No que se refere à justificativa para a instituição de taxa de fiscalização, cabe ainda uma reflexão sobre a busca dos atributos desejáveis à profissionalização da atividade de regulação de um serviço público.
Conforme já tratado, as agências reguladoras devem ser dotadas de autonomia e independência. Formalmente, trata-se do estabelecimento de regras de governança que evitem a interferência de interesses políticos na criação e aplicação de regulamentos de um serviço regulado. No entanto, uma agência se torna efetivamente autônoma se houver mecanismos de garantia de receita para o custeio de suas atividades.
Por isso, a taxa de fiscalização é instrumento de alta relevância para a consolidação da autonomia de uma agência reguladora.
Outros atributos que guardam estreita relação com a taxa de fiscalização são a prestação de contas e accountability. A instituição de taxa de fiscalização faz surgir também o dever de se apresentar de forma transparente o planejamento e a alocação dos recursos cobrados dos consumidores do serviço regulado, bem como a adequação do montante recolhido para o custeio das atividades da agência reguladora.
AUTONOMIA FINANCEIRA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
A autonomia financeira é essencial para a sustentabilidade e para a efetiva independência das agências reguladoras (OLIVEIRA, 2004). Entende-se por autonomia financeira a disponibilidade de recursos para executar todas as atividades de regulação. Perpassa também pela capacidade da agência de dimensionar seus próprios instrumentos financeiros, tais como a taxa de regulação, para que alcance seus objetivos de maneira eficiente (WALD; MORAES, 1999).
Contudo, as regras do orçamento público no Brasil nem sempre garantem que a atividades de regulação recebam os recursos adequados ao seu funcionamento. A receita oriunda da taxa de fiscalização, ainda que vinculada às atividades de uma agência reguladora, nem sempre equivale à despesa autorizada.
O Poder Executivo pode estabelecer contingenciamentos que limitam a programação orçamentária de toda a administração pública, o que não exclui as agências reguladoras. Vieira, Gomes e Filho (2019) apontam que durante a elaboração das propostas orçamentárias, é frequente a imposição de limitações em relação à gestão das próprias receitas.
Ademais, a Emenda Constitucional 109 estabeleceu nova redação ao Artigo 167, XIV da Constituição da República, vedando a criação de fundo público, quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública.
Diante da inovação promovida no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional 109, a utilização de fundos públicos como forma de se garantir a destinação de recursos para atividades específicas, como a regulação de serviços públicos por agências, deixou de ser uma possibilidade.
Portanto, no que se refere ao fortalecimento das agências reguladoras, é essencial que sejam estabelecidas formas de institucionalização da autonomia financeira, o que depende de iniciativas dos legisladores quanto à revisão de normas que regem o orçamento, de forma a garantir a efetiva vinculação das taxas de fiscalização ao custeio das atividades desempenhadas pelos órgãos reguladores.
Passa-se adiante ao debate relacionado ao dimensionamento da taxa de fiscalização.
SUGESTÕES PARA O DIMENSIONAMENTO DA TAXA E CRITÉRIOS DE DETERMINAÇÃO DO SEU VALOR
Há que se refletir sobre o montante que se pretende destinar para a fiscalização da atividade regulada de forma a proporcionar sustentabilidade financeira para a agência reguladora. Nesse sentido, neste estudo serão consideradas as agências reguladoras estaduais, com especial destaque para a regulação do serviço de distribuição de gás canalizado, serviço que tem os estados federados como titulares, nos termos do art. 25 da Constituição de 1.988.
Estão associadas à ABAR 27 Agências Reguladoras, que estão localizadas em 23 estados e no Distrito Federal. Dessas, 19 são responsáveis pela regulação do serviço de distribuição de gás canalizado. Como tendência, percebe-se que todas as Agências que regulam esse serviço, também possuem no escopo de atuação outros setores para regulação.
Para calcular o valor da taxa de fiscalização e regulação do serviço de distribuição de gás canalizado, é aconselhável que se estime o custo da gestão da agência. Em se tratando de agências multissetoriais, deve-se estimar o peso que cada serviço regulado representa nos custos totais da agência, uma vez que a taxa de fiscalização deve se limitar exclusivamente ao custeio da fiscalização do serviço a ela vinculado.
Para isso, é importante que se realize análise do desenho organizacional da agência, que terá unidades administrativas que podem ser voltadas exclusivamente a um serviço e outras que se voltam para múltiplos serviços.
Por exemplo, uma diretoria técnica de controle de qualidade do gás canalizado deve ser considerada como custo exclusivo para dimensionamento da taxa de fiscalização da distribuição de gás canalizado. Por outro lado, a unidade de regulação econômica eventualmente fará os cálculos de tarifas para serviços variados, como gás canalizado e saneamento, devendo se estabelecer critério de ponderação quanto ao peso que cada serviço representa neste caso.
Também é importante levar em consideração que o custo da regulação e fiscalização poderá variar no tempo. À medida que ocorrem investimento na expansão do serviço regulado, também poderá haver aumento dos custos para as atividades regulatórias.
Mais uma vez se recorre ao exemplo do gás canalizado. Havendo a expansão da rede de gás canalizado, haverá aumento no número de clientes atendidos e no volume consumido, tornando o controle de qualidade, o atendimento a usuários e a verificação de instalações mais dispendioso. Por isso, propõe-se que a taxa seja calculada de acordo com um indicador que aponte para o patamar de esforço necessário para tais atividades.
Três indicadores são amplamente utilizados para avaliar uma concessão de distribuição de gás: volume de gás vendido, número de cliente e extensão da rede. O volume de gás vendido apresenta dois problemas. Primeiro ele pode flutuar muito de um ano para outro, conforme de acordo com a flutuação da economia, sem efeitos consideráveis sobre a variação no esforço de operar e manter, bem como de regular e fiscalizar o serviço de distribuição. Além disso, esse indicador está relacionado ao faturamento da empresa o que não o distinguiria claramente de um imposto.
O número de clientes, a princípio, guarda melhor relação com os custos operacionais da rede e, consequentemente, com os custos de regular e fiscalizar a concessionária. Contudo, ele pode variar de maneira não proporcional ao trabalho executado, tendo em vista que algumas concessionárias podem atender mais o segmento industrial, em que há um menor número de clientes com alta demanda, do que os segmentos residencial e comercial, em que há elevado número de clientes, mas baixo volume consumido.
A extensão da rede tem o problema de não refletir a densidade de usuários atendidos, o que altera consideravelmente a complexidade da regulação e fiscalização do serviço. No entanto, ela tende a crescer conforme se expandem o volume de gás distribuído e o número de clientes da concessionária. Isso significa que a adoção deste indicador incentiva que o regulador aumente sua eficiência conforme se adensa o mercado de gás, o que é desejável tendo em vista que as atividades de regulação e fiscalização normalmente apresentam ganhos de escala, ou seja, seu custo marginal por usuário e volume de gás é decrescente.
Em vista das reflexões apresentadas em relação aos indicadores apresentados, propõe-se que eles sejam aplicados de forma combinada para definição do indicador que fará a correção dos valores da taxa de fiscalização do serviço de gás canalizado.
Uma outra proposta válida para a definição da taxa de fiscalização seria a submissão de proposta de revisão em períodos definidos na própria lei instituidora do tributo. Da mesma forma como uma concessionária de serviços públicos se submete a revisões tarifárias periódicas, a agência reguladora do serviço poderia submeter estudos ao Poder Legislativo em que apresenta seu planejamento plurianual, bem como a evolução dos custos de suas atividades. Dessa forma, ganhos de eficiência da própria atividade reguladora poderiam refletir reduções na alíquota aplicada aos consumidores, contribuindo-se para a desejada modicidade tarifária.
Cabe ainda apontar um risco existente na prática de algumas agências reguladoras do serviço de gás canalizado quando estabelecem alíquotas a serem aplicadas sobre o faturamento da concessionária.
Em vista da abertura do mercado de gás em todo país, com possível avanço do mercado livre de gás, é possível que o faturamento bruto das concessionárias sofra consideráveis reduções na medida em que se limitem a receber dos consumidores somente os valores relacionados à remuneração do serviço de distribuição de gás, sendo o custo da molécula acordado diretamente com um agente comercializador independente.
Portanto, a melhor prática seria estabelecer alíquotas para a taxa de fiscalização que remetam à estrita atividade regulada, ou seja, à distribuição de gás, uma vez que a comercialização do gás é atividade não exclusiva da concessionária e, portanto, não se trata de serviço que integra o escopo da concessão.
Conclusão
A taxa de fiscalização de um serviço regulado é um tributo que deve guardar razoável relação com os custos de uma agência reguladora. Ela deve ser estabelecida como forma de fortalecer a autonomia e a independência do regulador, ao qual restará o compromisso de prestação de contas quanto às atividades desempenhadas e a adequação do montante arrecadado.
Em se tratando de autonomia financeira, considera-se que há necessidade de aprimoramento das regras do orçamento público no Brasil, de forma a se fazer cumprir a destinação das taxas de fiscalização para o custeio de atividades das respectivas agências reguladoras.
A institucionalização dos órgãos reguladores, dotados de receitas vinculadas e oriundas dos usuários do serviço regulado, contribuiria para a melhoria da qualidade, com maior previsibilidade e segurança para o mercado.
A constituição de taxas de fiscalização no âmbito de agências reguladoras estaduais deve se dar primeiramente pelo estabelecimento do montante necessário ao custeio da regulação, o qual será transformado em alíquota a ser aplicada a um indicador estabelecido como razoável para que se acompanhe a evolução do mercado regulado.
Em se tratando do mercado de gás canalizado, sugere-se a adoção de indicador que seja composto pela extensão da rede de distribuição, número de clientes e volume de gás distribuído. Todos esses guardam relação com a complexidade das atividades a serem desempenhadas pela agência reguladora respectiva.
Ainda como sugestão, sugere-se que a lei instituidora da taxa de fiscalização imponha às agências a obrigação de prestar contas de suas atividades, de forma que se possa transferir ganhos de eficiência para a redução da alíquota. Com isso, haveria importante contribuição para a modicidade tarifária.
A taxa de fiscalização de serviços regulados deve ser instrumento de institucionalização das agências, contribuindo para a eficiência do mercado e o desenvolvimento econômico.
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Área
Temas Transversais: Aspectos Jurídicos e Institucionais da Regulação; Transparência e Controle Social; Melhoria da Qualidade da Regulação; Governança Regulatória; Análise de Impacto Regulatório
Instituições
SEDE - Minas Gerais - Brasil
Autores
MARCELO LADEIRA MOREIRA DA COSTA, MARIANA GABRIELA DE OLIVEIRA