XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

A NORMA DE REFERENCIA Nº 01/2021 E AS DIRETRIZES DO PROGRAMA DE QUALIDADE REGULATORIA DA AGENCIA NACIONAL DE AGUAS E SANEAMENTO BASICO (ANA)

Resumo

O presente trabalho realiza um estudo envolvendo os dispositivos da primeira norma de referência do setor de saneamento básico, a norma de referência nº 01/2021, aprovada pela Resolução nº 79/2021, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA, que trata da regulação da cobrança, dos procedimentos e prazos de fixação e do reajuste e revisões tarifárias pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos (SMRSU), à luz das diretrizes impostas pelo Programa de Qualidade Regulatória, criado igualmente no âmbito da ANA por meio da Resolução nº 86/2018, alinhado à adequadas técnicas de governança regulatória. Para o desenvolvimento do tema proposto as diretrizes do programa foram interpretadas e delimitadas, ao passo que os dispositivos da norma de referência foram sintetizados, colocando-se as informações obtidas em quadros próprios, procedendo-se à obtenção dos resultados com a correlação dos dados, o que viabilizou a adequada discussão, chegando-se à conclusão de que a primeira norma de referência do setor do saneamento básico atentou-se, em grande medida, para as melhores práticas em termos de governança regulatória, observando a maior parte das diretrizes estampadas no Programa de Qualidade Regulatória da ANA.

Palavras Chave

norma de referência. Programa de Qualidade Regulatória. Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. governança regulatória.

Introdução/Objetivos

A partir da década de 90, com o Programa Nacional de Desestatização, ocorreu uma mudança significativa no modelo de atuação estatal na economia, quando então o Estado deixou de ser intervencionista, passando a ser regulador e fiscalizador da atividade econômica e da prestação de serviços públicos (OLIVEIRA, 2020), em grande parte devido à criação das Agências Reguladoras, conhecidas como autarquias sob regime especial.
Essa atividade regulatória estatal não deixou de fora o setor do saneamento básico. Entretanto, desde a extinção do Plano Nacional de Saneamento (Planasa) no fim da década de 80, o Brasil não dispunha de política setorial consistente, até o advento da Lei Federal nº 11.445/2007 (GALVÃO JÚNIOR e PAGANINI, 2009), incrementada recentemente pela Lei Federal nº 14.026/2020 que trouxe indiscutíveis avanços em matéria regulatória para o setor, dentre elas a criação de normas de referência a serem editadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico -ANA.
Nesse passo, em atenção à Resolução nº 64/2021 da ANA, que aprovou o eixo temático 5 sobre normas de referência para o saneamento e atualizou a agenda regulatória para o período 2020/2021, foi elaborada a primeira norma de referência – 01/2021 – por meio da Resolução nº 79/2021 da ANA, que tratou da regulação da cobrança, dos procedimentos e prazos de fixação e do reajuste e revisões tarifárias pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos (SMRSU).
Em importante avanço regulatório para o setor, a então Agência Reguladora de Águas (ANA) criou em momento anterior o Programa de Qualidade Regulatória, aprovado por ocasião da Resolução nº 86/2018, com a finalidade de aprimoração contínua da atividade regulatória da Agência (artigo 1º), trazendo importantes diretrizes, como o fortalecimento da capacidade institucional para gestão em regulação, o aperfeiçoamento da coordenação, da qualidade e da efetividade das normas e demais ações regulatórias e, por último, o fortalecimento da transparência e do controle social no processo decisório (artigo 2º).
Nessa linha, o trabalho propõe analisar, sintetizar e discutir a norma de referência nº 01/2021 à luz do Programa de Qualidade Regulatória, a fim de aferir se a Agência Reguladora atentou-se para as adequadas práticas de governança em termos regulatórios e, em especial, se observou as diretrizes estampadas no Programa de Qualidade Regulatória quando da edição da primeira norma de referência para o setor do saneamento básico.

Metodologia

Trata-se de pesquisa documental (MARCONI e LAKATOS, 2010) e descritiva, realizada a partir da análise dos dispositivos da norma de referência nº 01/2021 em face das diretrizes constantes do Programa de Qualidade Regulatória da ANA.
Num primeiro momento foram estudadas e delimitadas as diretrizes constantes do Programa de Qualidade Regulatória da ANA, procedendo-se à sistematização das mesmas em quadro próprio. A seguir, os dispositivos da norma de referência nº 01/2021 da ANA foram lidos reiteradas vezes por dois autores que, individualmente, preencheram um roteiro de coleta de dados por eles elaborado. Nos casos de dissonância entre as análises, o material foi analisado por um terceiro pesquisador, convidado especialmente para este fim e que possui experiência na área.
Pode-se afirmar que o roteiro de coleta de dados permitiu a síntese para a descrição, análise e interpretação dos dados à luz dos princípios e diretrizes de governança regulatória, de forma geral, e do referencial de diretrizes criado pelo Programa de Qualidade Regulatória da ANA, de forma específica. Os dados obtidos a partir dos dispositivos da primeira norma de referência do setor do saneamento foram analisados comparativamente e possibilitaram uma visão geral sobre o enfoque atribuído pela Agência Reguladora nas melhores práticas de governança regulatória. O método adotado, dessa forma, permitiu a obtenção de resultados confiáveis, tornando possível a discussão e a conclusão do tema, conforme descrito abaixo.

Resultados e Discussão

Para clarificar os resultados obtidos e viabilizar a discussão foram criados três quadros. O primeiro quadro traz as diretrizes expressamente previstas no Programa de Qualidade Regulatória da ANA (Resolução nº 86/2018), com a devida interpretação e delimitação das mesmas. O Segundo quadro, por sua vez, sintetiza os principais dispositivos da norma de referência nº 01/2021 (Resolução nº 79/2021). Por último, o terceiro quadro traz a inter-relação entre os quadros um e dois.
Feita a conexão dos quadros de forma sistemática, passou-se para a discussão acerca da observância ou não por parte da norma de referência nº 01/2021 da ANA das diretrizes expressamente estampadas no Programa de Qualidade Regulatória da mesma agência, com vistas a verificar se a atividade normativa e reguladora tem respeitado determinado parâmetro linear e contínuo, assim como verificar se os dispositivos da norma de referência sob estudo atendem aos ditames das melhores práticas regulatórias em termos de governança.

Tabela 1 – Diretrizes previstas no Programa de Qualidade Regulatória da ANA (Resolução nº 86/2018, art. 2º)
DIRETRIZES
A O fortalecimento da capacidade institucional para gestão em regulação (artigo 2º, I)

B O aperfeiçoamento da coordenação, da qualidade e da efetividade das normas e demais ações regulatórias (artigo 2º, II)

C O fortalecimento da transparência e do controle social no processo decisório (artigo 2º, III)

Importa registrar nesse momento que o presente estudo se limita à análise das diretrizes expressamente previstas como tais no artigo 2º da Resolução nº 86/2018 da ANA, não abarcando por exemplo a análise dos instrumentos previstos no mesmo diploma, tais como agenda regulatória, gestão de estoque regulatório e análise de impacto regulatório, que merecem análise em outro trabalho, por conta da profundidade que apresentam.
Feitas essas ponderações, passamos à análise do segundo quadro, que regulamenta o regime, a estrutura e os parâmetros da cobrança pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos (SMRSU), assim como os procedimentos e prazos de fixação, reajuste e revisões tarifárias.

Tabela 2 – Sintetização dos dispositivos da norma de referência nº 01/2021 da ANA (Resolução nº 79/2021)
DISPOSITIVOS
1 Sustentabilidade econômico-financeira: o regime, a estrutura e os parâmetros da cobrança devem ser adequados e suficientes para manter a sustentabilidade econômico-financeira da prestação dos serviços, e devem considerar o princípio da modicidade tarifária. (item 5.1. do anexo único)
2 Tarifa: preferência pela adoção do regime de cobrança mediante tarifa (item 5.1.2. do anexo único)
3 Receita Requerida: é a receita suficiente para ressarcir o prestador de serviço das despesas administrativas e dos custos de operação, manutenção e investimentos, bem como para remunerar o capital investido (item 5.2. do anexo único)
4 Metodologia de cálculo: deve ser adotada metodologia de cálculo que reflita a receita requerida (item 5.3. do anexo único)
5 Parâmetros para fixação do valor a ser cobrado: deve considerar o nível de renda da população da área atendida (bairro, região do imóvel, cadastro único para programas sociais); a destinação adequada dos resíduos coletados (custos de reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação, aproveitamento energético, aterros sanitários); e a quantificação dos resíduos (dimensões do imóvel, área construída, peso ou volume médio coletado por habitante ou domicílio, consumo de água, frequência da coleta) (item 5.4. do anexo único)
6 Categorias de usuários: os usuários podem ser classificados por categorias ou subcategorias, conforme uso do imóvel ou outros parâmetros, como os fixados no item 5 acima (item 5.5. do anexo único)
7 Documento de arrecadação: fatura específica de manejo de resíduos sólidos urbanos ou cofaturamento com outro serviço público (observados os custos adicionais dessa forma de cobrança, com anuência da Entidade Reguladora respectiva). Na impossibilidade dos anteriores, guia ou carnê de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) (item 5.6. do anexo único)
8 Prestação regionalizada: adoção da mesma estrutura de cobrança para todos os Municípios que compõem a prestação regionalizada do serviço, podendo resultar em valores unitários diferentes, justificados por particularidades em cada Município (item 5.7. do anexo único)
9 Cobrança social: deve ser prevista para usuários de baixa renda, por meio de subsídios tarifários ou fiscais (item 5.8. do anexo único)
10 Diretrizes contábeis: os registros contábeis devem ser controlados de modo que os custos e receitas do serviço estejam segregados dos custos e receitas das demais atividades exercidas pelo prestador (item 5.9. do anexo único)
11 Fixação do valor inicial da tarifa: mediante contrato de concessão, com previsão no edital (com manifestação formal da Entidade Reguladora sobre a adequação da minuta do contrato às disposições da Norma); mediante ato do titular (Município, Distrito Federal e estruturas de prestação regionalizada), quando prestado o serviço pela administração direta ou indireta, ou nos casos de concessões administrativas; mediante ato da Entidade Reguladora, subsidiariamente (item 6.1. do anexo único)
12 Reajuste: tem a finalidade de atualizar os valores das tarifas conforme índices inflacionários ou fórmulas paramétricas que busquem refletir a variação de preços dos insumos que compõem o serviço e indicadores de eficiência e qualidade da prestação. Devem ocorrer anualmente, observado o intervalo mínimo de 12 (doze) meses (item 6.2. do anexo único)
13 Procedimento do reajuste: procedimento estabelecido pela Entidade Reguladora, com previsão de adequada publicidade (item 6.2.4. do anexo único)
14 Revisão tarifária: pode ser periódica (processo de reavaliação ampla das condições de prestação dos serviços, com o objetivo de garantir a distribuição dos ganhos de produtividade, a sustentabilidade e o equilíbrio econômico-financeiro); ou extraordinária (visa a recomposição das condições de prestação dos serviços nos casos de desequilíbrio econômico-financeiro ou risco à sustentabilidade, demonstrado o impacto do evento e a urgência da medida) (item 6.3. do anexo único)
15 Procedimento de revisão: estabelecido em ato normativo da Entidade Reguladora, devendo garantir adequada publicidade e contraditório, com participação dos prestadores de serviço, dos titulares e dos usuários (item 6.3.3. do anexo único)
16 Inadimplência: deve ser instituída mediante ato administrativo do titular, da estrutura de prestação regionalizada ou da Entidade Reguladora, cuja sanção pecuniária está limitada a 2% (dois por cento) do valor do débito (item 6.4. do anexo único)
17 Antecedência: as tarifas serão fixadas de forma clara e objetiva, devendo os reajustes e as revisões serem tornados públicos com antecedência mínima de trinta dias com relação à sua aplicação (item 6.5. do anexo único)
18 Vigência e aplicação: os titulares, as estruturas de prestação regionalizada e as Entidades Reguladoras que possuírem legislação ou regulamentação incompatível com a norma de referência terão até 31 de dezembro de 2022 para realizarem as adequações (item 7.3. do anexo único)
19 Vigência e aplicação: ato normativo previsto no artigo 4º-B, §1º, da Lei nº 9.984/2000 disciplinará os requisitos e procedimentos a serem observados para a comprovação da adoção das normas de referência da ANA para fins do artigo 50, caput, inciso III, da Lei nº 11.445/2007 (item 7.4. do anexo único)
20 Vigência e aplicação: o instrumento de cobrança instituído ou o seu cronograma de implementação deve ser informado pelo titular ou pela estrutura de prestação regionalizada à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA e à respectiva Entidade Reguladora do SMRSU, quando existente, até 31 de dezembro de 2021, conforme orientação a ser emitida pela ANA (item 7.5. do anexo único)

Nesse momento, importa registrar, conforme ressalva expressamente prevista no anexo único da norma de referência nº 01/2021 da ANA, item 1, que a norma não abrange a cobrança pela prestação do serviço público de limpeza urbana (SLU), estando o objeto sob estudo adstrito ao serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos (SMRSU), que compreende as atividades de coleta, transbordo, transporte, triagem para fins de reutilização ou reciclagem, tratamento e destinação final de resíduos sólidos urbanos, englobando os resíduos domésticos, os resíduos originários de atividades comerciais, industriais e de serviços, em quantidade e qualidade similares às dos resíduos domésticos, e os resíduos originários do serviço público de limpeza urbana (SLU), conforme as definições trazidas pelo item 4, do anexo único da norma de referência.
Importa registar, também, que a norma de referência definiu o regime de cobrança como o “conjunto de regras e princípios legais ou editados por autoridades administrativas, que regem os instrumentos de cobrança, sendo o regime tributário, para o caso de taxas, e o regime administrativo, para o caso de tarifas e outros preços públicos”(item 4.4. do anexo único) e a estrutura de cobrança como a “matriz com os valores por categoria de usuários, e eventuais subcategorias, me modo a ratear a receita requerida do SMRSU” (item 4.9. do anexo único).
Após tais definições, delimitadas, ainda, as diretrizes do Programa de Qualidade Regulatória e sintetizados os principais dispositivos da primeira norma de referência da ANA, passamos a correlacionar os quadros 1 e 2, por meio do quadro 3 a seguir, onde podem ser obtidos os resultados da nossa pesquisa.

RESULTADOS

Tabela 3 – Correlação entre as Diretrizes do Programa de Qualidade Regulatória da ANA (Resolução nº 86/2018) e os Dispositivos da norma de referência nº 01/2021 da ANA (Resolução nº 79/2021)

DIRETRIZES DISPOSITIVOS

A
1, 3, 7, 8, 11, 18, 20

B
2, 4, 5, 6, 9, 10, 12, 14, 16

C
13, 15, 17

Chegado o momento de fazer a ligação entre os dispositivos da primeira norma de referência editada pela ANA e as diretrizes do Programa de Qualidade Regulatória da mesma Agência, importa esclarecer que, muito embora os pesquisadores terem notado que alguns dispositivos se relacionam a mais de uma diretriz, optou-se pelo critério da preponderância, de modo a que cada dispositivo relevante da norma de referência trazido no quadro 2 foi relacionado a apenas uma das diretrizes colacionadas no quadro 1, com vistas a obtenção de resultados mais claros e precisos, resultando no quadro 3 acima.
Feitas essas ressalvas, passamos à fase de discussão sobre os resultados obtidos.

DISCUSSÃO

Optamos, nesse momento, por dividir a discussão em três etapas, onde cada uma delas está representada por uma diretriz - A, B e C - relacionando-se a cada uma delas os dispositivos correlatos, conforme estampado no quadro 3.

Diretriz A

As normas de referência instituídas pelo novo marco legal do saneamento básico representam verdadeira inovação em termos regulatórios do setor.
É fato que existem sérias incertezas quanto aos limites da função reguladora das Agências no concernente ao estabelecimento de regras, sendo que esse panorama decorre do fato de que essa função vem sendo atribuída a órgão ou entidade que não tem função regulamentar outorgada diretamente pela Constituição Federal, bem como pelo fato de que a Carta de 1988 definiu as espécies e competências normativas de forma exaustiva (art. 59), não incluindo os atos normativos praticados pelas Agências Reguladores (DI PIETRO, et. al., 2009), tampouco a edição de normas de referência. Assim, pesa certa controvérsia sobre a obrigatoriedade de observação da nova modalidade normativa pelas Agências Reguladoras, em razão do princípio da legalidade, por conta de não haver fundamento constitucional expresso nesse sentido. Entretanto, a própria lei garante sua instituição e observância, se valendo de mecanismos de coercibilidade, capazes, a princípio, de assegurar sua aplicação.
A título de exemplo, o Dispositivo 18, da tabela 2, que trata da vigência e aplicação da norma de referência, estabelece que os titulares, as estruturas de prestação regionalizada e as Entidades Reguladoras que possuírem legislação ou regulamentação incompatível com a norma de referência terão até 31 de dezembro de 2022 para realizarem as adequações. Por sua vez, visando resguardar a aplicação do dispositivo anterior, o Dispositivo 19 dispõe que ato normativo previsto no artigo 4º-B, §1º, da Lei nº 9.984/2000 disciplinará os requisitos e procedimentos a serem observados para a comprovação da adoção das normas de referência da ANA para fins do artigo 50, caput, inciso III, da Lei nº 11.445/2007.
Nesse passo, a referência ao artigo 50, caput, inciso III, da Lei nº 11.445/2007, com redação dada pela Lei nº 14.026/2020, se mostra de suma importância, em razão da previsão de que “a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União serão feitos em conformidade com as diretrizes e objetivos estabelecidos nos arts. 48 e 49 desta Lei e com os planos de saneamento básico e condicionados, (...)” dentre outros, “à observância das normas de referência para a regulação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico expedidas pela ANA”, o que denota verdadeira medida de coerção, visando assegurar a efetividade e observância dos dispositivos constantes das normas de referência editadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA.
Fica claro assim, pelo dispositivo legal citado, que a desatenção ou não observância das normas de referência editadas pela ANA em termos de regulação do setor de saneamento alijarão as entidades prestadoras ou reguladoras do serviço público correlato de recursos federais, seja por meio da alocação de recursos, seja na forma de financiamentos, o que tende a ser medida bastante efetiva no que concerne à adequação aos preceitos das normas de referência em vigor.
Agora, passando para outra perspectiva sobre a primeira diretriz da tabela 1, a Diretriz A, que possui enfoque no fortalecimento da capacidade institucional, percebe-se que em muitos casos, quando os Dispositivos da tabela 2 se relacionam preponderantemente com essa diretriz, denota-se uma atribuição de tarefas relevantes às próprias Entidades Reguladoras, como por exemplo a que decorre do Dispositivo 11, o qual prevê que a fixação do valor inicial da tarifa, mediante contrato de concessão, com previsão no edital, depende de manifestação formal da Entidade Reguladora sobre a adequação da minuta do contrato às disposições da norma referência.
A interpretação do Dispositivo 11 nos leva a crer que a ausência de manifestação expressa da Entidade Reguladora enseja na irregularidade da fixação inicial da tarifa, prejudicando a continuidade de todo o contrato de concessão para prestação do serviço que eventualmente venha a ser firmado. Essa conjectura leva a cabo um fortalecimento inegável das próprias Entidades Reguladoras, por meio da atuação concreta e efetiva em atos de controle e regulação.
Esse caráter de controle também se evidencia diante do que dispõe o Dispositivo 20, ao determinar que o instrumento de cobrança instituído ou o seu cronograma de implementação deve ser informado pelo titular ou pela estrutura de prestação regionalizada à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA e à respectiva Entidade Reguladora do SMRSU, quando existente, até 31 de dezembro de 2021, conforme orientação a ser emitida pela ANA, o que denota a intenção do regulador de conferir efetivos poderes de fiscalização à ANA e às demais Entidades Reguladoras do SMRSU quanto às estruturas de cobrança tarifária, o que se mostra bastante salutar.
Outra evidência dessa intenção de fortalecimento institucional, também encontrada no Dispositivo 11, é a previsão de fixação do valor inicial da tarifa pela Própria Entidade Reguladora, de forma subsidiária, ou seja, quando não tenha ocorrido essa fixação mediante contrato ou ato administrativo do titular, entendidos como os Municípios, o Distrito Federal e as Estruturas de Prestação Regionalizada. Nesses casos, a Entidade Reguladora deve observar um procedimento antes de proceder à fixação do valor inicial da tarifa. Em primeiro lugar, dever consultar o titular do serviço quanto a sua intenção em instituí-la. Não havendo resposta ou sendo ela negativa, a Entidade Reguladora do SMRSU deverá definir a tarifa inicial do serviço, seguindo as diretrizes da norma de referência, conforme preceitua o item 6.1.3. do anexo único da norma de referência nº 01/2021 da ANA.
Nesse contexto, não pode ficar de fora a discussão em torno da preocupação do regulador referencial em assegurar a sustentabilidade econômico-financeira na prestação do serviço, ao expressar claramente no Dispositivo 1 que o regime, a estrutura e os parâmetros da cobrança devem ser adequados e suficientes para mantê-la, sem se descuidar do princípio da modicidade tarifária, que representa essencial mecanismo de universalização em prol dos usuários.
Nesse mesmo sentido, aflora o conceito de receita requerida no Dispositivo 3, como sendo a receita suficiente para ressarcir o prestador de serviço das despesas administrativas e dos custos de operação, manutenção e investimentos, bem como para remunerar o capital investido, o que se encontra em conexão íntima com a sustentabilidade econômico-financeira da prestação do serviço.

Diretriz B

Por sua vez, quando se fala em aperfeiçoamento da coordenação, da qualidade e da efetividade das normas e demais ações regulatórias, consistente na Diretriz B, da Tabela 1, verifica-se que há Dispositivos da Tabela 2 que se relacionam intimamente com a matéria. Vejamos como exemplo o Dispositivo 12, que prevê a possibilidade de reajuste das tarifas com base em indicadores de eficiência e qualidade da prestação do serviço.
A interpretação do dispositivo citado leva à conclusão de que a norma de referência previu mais de uma forma de reajuste de tarifas. A primeira delas se dá por conta de correções inflacionários, o que ocorre anualmente, respeitado o intervalo de 12 (doze) meses, e a segunda, em razão de indicadores de eficiência e qualidade da prestação do serviço, o que representa um grande estímulo para os prestadores do SMRSU em melhorar a qualidade da prestação, uma vez que poderá auferir uma maior remuneração, desde que haja, obviamente, previsão contratual nesse sentido.
É possível aceitar, na hipótese de ocorrência de mais de um modal de reajuste no mesmo contrato de prestação de serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos, que não haverá necessariamente uma oneração excessiva e injustificada do usuário. Isto porque, em nenhum momento a norma de referência autoriza a desobediência do princípio da modicidade tarifária. De igual modo, um dos reajustes estará vinculado obrigatoriamente à melhora de indicadores de eficiência e qualidade da prestação, havendo um ganho evidente em favor do usuário em termos de qualidade do serviço, o que justifica a majoração da tarifa, observando-se todos os parâmetros de sustentabilidade contratual.
No mesmo segmento, o regulador referencial deixou claro a preferência pela cobrança do serviço mediante instituição de tarifa (Dispositivo 2) prevendo, ao lado do reajuste, a revisão tarifária, que pode ser periódica ou extraordinária, conforme estabelece o Dispositivo 14. A primeira, visa a reavaliação ampla das condições de prestação dos serviços, com o objetivo claro de garantir a distribuição dos ganhos de produtividade, a sustentabilidade e o equilíbrio econômico-financeiro. Nesse ponto, deve-se fazer uma ressalvada que, diferentemente do que ocorre rotineiramente por meio das revisões, com a majoração das tarifas, o regulador parece incluir claramente a possibilidade de barateamento das tarifas, quando fala em distribuição dos ganhos de produtividade, o que pode ser fator de grande benefício para os usuários do serviço. A segunda forma de revisão, na modalidade extraordinária, por sua vez, ao visar a recomposição das condições de prestação do serviço, diante da demonstração de eventos que causem impacto e a urgência da medida, indicam a pretensão em aumentar as garantias do prestador dos serviços nos casos de desequilíbrio econômico-financeiro ou risco à sustentabilidade, o que tende a ser fator de incentivo, inclusive para fins de investimentos no setor pela iniciativa privada.
Grande ponto de destaque dos Dispositivos que se relacionam com a Diretriz B é a preocupação do regulador em estabelecer vários critérios de regulação favoráveis ao atingimento de valiosos preceitos trazidos pelo novo marco legal do saneamento básico, a Lei nº 14.026/2020, como a melhoria da qualidade dos serviços, a redução das perdas, e a fixação de metas de universalização.
Esse raciocínio se depreende da busca evidente de melhores condições dos serviços em favor dos usuários mais vulneráveis economicamente, como por exemplo a fixação de parâmetros do valor tarifário (Dispositivo 5) que devem considerar o nível de renda da população da área atendida, abrangendo bairro, região do imóvel e cadastro único para programas sociais, assim como pela previsão de limites em caso de inadimplência, cuja sanção pecuniária não poderá ultrapassar 2% (dois por cento) do valor do débito (Dispositivo 16), se mostrando grande fator de proteção a essa população mais carente, de modo a que o serviço não seja inviabilizado a elas, e que a inadimplência não venha a configurar mecanismo de banimento do serviço.
Na mesma linha, o regulador de referência possibilitou a criação de categorias e subcategorias de usuários (Dispositivo 6), os quais podem ser classificados, dentre outros critérios, também pelo nível de renda, bairro que habitam, região do imóvel e cadastro único para programas sociais. Nessa conjectura, foi expressamente viabilizada pela norma de referência a cobrança social, a ser prevista para usuários de baixa renda, por meio de subsídios tarifários ou fiscais, conforme previsão contida no Dispositivo 9, da tabela 2.

Diretriz C

Finalizando a discussão, a Diretriz C, que dá ênfase ao fortalecimento da transparência e do controle social no processo decisório, foi evidentemente a menos contemplada pelos dispositivos da primeira norma de referência da ANA, sintetizados na tabela 2.
A previsão de adequada publicidade no procedimento de reajuste tarifário, presente do Dispositivo 13, é fator de extrema importância no que toca ao controle e participação popular, entretanto, sua disciplina se mostrou bastante discreta. Ousamos em afirmar que a norma de referência nº 01/2021 da ANA pecou em não dimensionar a publicidade devida ao ato, trazendo maiores detalhes e requisitos mínimos de seu cumprimento, o que tornaria a medida muito mais efetiva.
Já o procedimento de revisão (Dispositivo 15) vai mais além, ao garantir adequada publicidade e contraditório, com participação dos prestadores de serviço, dos titulares e dos usuários. Ao que tudo indica, o regulador optou por ser mais garantista no procedimento de revisão pela possibilidade de revisões extraordinárias, diante de eventos que causem grande impacto nas condições do serviço e em casos de urgência, como estudamos na análise da Diretriz B, que tem maior potencial de majorar os custos do serviço, surtindo efeitos de majoração do valor tarifário.
Nesse viés, a previsão de participação de todos os atores do serviço é medida relevante e salutar. Isto porque, o setor de saneamento básico, que abrange o serviço de manejo de resíduos sólidos, ora estudado, apresenta consideráveis falhas de mercado, assimetria de informações e diversas externalidades, apresentando padrões anormais de riscos (RIBEIRO e VIANNA, 2008). Por esse motivo, o acompanhamento e efetiva participação de todos os envolvidos tende a diminuir os fatores de riscos, o que também pode ser alcançado por meio da institucionalização da política de gestão de riscos.
Há, ainda, previsão de que as tarifas devem ser fixadas de forma clara e objetiva, devendo os reajustes e as revisões serem tornados públicos com antecedência mínima de trinta dias com relação à sua aplicação (Dispositivo 17). A fixação das tarifas de forma clara e objetiva visa coibir notoriamente a utilização do mecanismo de modo arbitrário, em desrespeito aos princípios administrativos da legalidade, moralidade, impessoalidade, isonomia, dentre outros. Por sua vez, a previsão de antecedência mínima de trinta dias entre a publicação dos novos valores da tarifa ocasionados por reajustes ou revisões e a sua efetiva aplicação, visa claramente neutralizar eventuais abusos, bem como oportunizar em tempo hábil a atuação dos entes de controle e a própria participação popular na fiscalização tarifária e nos pressupostos da cobrança.
De todo modo, a regulamentação do controle social ficou aquém do esperado, enquanto o postulado da transparência parece não ter sido agraciada com a primeira norma de referência da ANA.

Conclusão

Muito embora a regulação estatal não se limite à uma atividade meramente normativa (CRUZ, 2009) é certo que a edição de normas jurídicas que tenham o condão de disciplinar e limitar a prestação de serviços públicos e a realização de atividades econômicas avultam em importância pelo grande potencial que apresentam de afetar a vida das pessoas em uma determinada sociedade, precipuamente pela função de manter ou restabelecer o funcionamento equilibrado de um sistema (MARTINS, 2011).
A possibilidade de edição de nova espécie normativa, no caso as normas de referência, pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), prevista na Lei Federal nº 14.026/2020, demandou o estudo de referidas normas com fundamento na normatividade regulatória então vigente, com vistas a aferir a amplitude, abrangência e produção de efeitos concretos pela inovação trazida por essa nova forma de normas jurídicas.
Nessa conjectura, a partir da edição da primeira norma de referência para o setor do saneamento, que tratou especificamente da regulação do regime, estrutura e dos parâmetros da cobrança pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos (SMRSU) o presente trabalho pretendeu analisar se a norma em testilha atende aos preceitos das melhores práticas regulatórias, em especial, se atende às diretrizes do Programa de Qualidade Regulatória criado no âmbito da mesma Agência Reguladora, por meio da Portaria nº 86/2018 da ANA.
A resposta é positiva, em parte.
Conforme resultados obtidos no quadro 3 acima, podemos constatar que todas as Diretrizes constantes do quadro 1 foram observadas em maior ou menor medida pelos Dispositivos do quadro 2, com exceção da Diretriz C, em especial por não haver qualquer Dispositivo que faça referência ao fortalecimento da transparência no processo decisório.
No mesmo sentido, a Diretriz C foi atendida com a previsão de observância de publicidade, participação de todos os atores nos casos de reajuste e revisão tarifária, e contraditório, mas de modo bastante discreto. O fortalecimento do controle social, assim, como previsto na Diretriz C, pode ser considerado bem abaixo do esperado, diante de sua enorme importância em termos de governança regulatória.
Como visto, o regulador de referência poderia ter se valido da oportunidade para trazer maiores detalhes no que diz respeito à observância da publicidade, assim como fixar requisitos mínimos a serem cumpridos para sua efetivação. Ainda sobre o controle social, a norma foi silente no que toca à criação de canais obrigatórios de comunicação entre os atores envolvidos na prestação do serviço público, principalmente os usuários, como por exemplo a criação de ouvidorias. Deste modo, a assimetria de informações, problema antigo do setor, que prejudica a transparência e compromete o controle social por meio de efetiva participação cidadã acabou por continuar sem solução.
Se é possível fazer alguma recomendação por conta do desenvolvimento do presente trabalho, seria justamente apontar que as normas de referência que estão por vir precisam avançar mais em termos de controle social e publicidade, bem como prever ordenanças gerais que assegurem minimamente preceitos de transparência na regulação dos serviços concernentes ao saneamento básico.
Ponto positivo da conclusão é que as demais Diretrizes (A e B, do quadro 1) do Programa de Qualidade Regulatória da ANA foram satisfatoriamente contempladas na edição da norma de referência 01/2021 da ANA (quadro 2), conforme demonstram os resultados obtidos com a inter-relação promovida no quadro 3, detalhadas na discussão desenvolvida especificamente em cada uma das diretrizes apontadas, configurando uma atuação linear e equilibrada em termos regulatórios pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA.

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Área

Temas Transversais: Aspectos Jurídicos e Institucionais da Regulação; Transparência e Controle Social; Melhoria da Qualidade da Regulação; Governança Regulatória; Análise de Impacto Regulatório

Instituições

Universidade Estadual Paulista - São Paulo - Brasil

Autores

RENATO GARCIA PARO SILVA, JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, CARLA APARECIDA ARENA VENTURA, JAMIL GONÇALVES DO NASCIMENTO JUNIOR