Dados do Trabalho
Título
A QUALIDADE DA PRESTAÇAO DOS SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE AGUA E ESGOTAMENTO SANITARIO DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar a qualidade da prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário durante o ano de 2020, quando foi decretada pela Organização Mundial de Saúde a pandemia do novo coronavírus (COVID-19), sob a perspectiva de comparação das reclamações registradas junto à ouvidoria da agência reguladora e do prestador de serviços nos anos de 2019 e 2020. Utilizou-se da pesquisa descritiva para analisar as reclamações e identificar as principais queixas dos usuários no referido período. Os resultados demonstraram um aumento nas reclamações no período estudado, tanto na ouvidoria do órgão regulador, quanto na ouvidoria do prestador de serviços. Tal resultado evidenciou a necessidade de atuação da ouvidoria da agência reguladora, bem como oportunidade de atuação regulatória sobre o prestador, com o objetivo de aprimorar as informações prestadas, possibilitando a identificação e quantificação correta das principais queixas dos usuários e a consequente melhoria na qualidade dos serviços prestados.
Palavras Chave
Abastecimento de Água. Esgotamento Sanitário. Fiscalização. Ouvidoria. COVID-19.
Introdução/Objetivos
A restauração do regime democrático no Brasil, consagrada após a promulgação da Constituição Federal de 1988, estabeleceu canais de comunicação entre as instituições e os cidadãos com o propósito de facilitar a circulação das informações, aumentar a sensibilização da população em relação ao exercício de seus direitos, ampliar os mecanismos de controle e permitir a transparência, indispensável ao desempenho e aperfeiçoamento da democracia brasileira.
Um desses canais de comunicação existentes é o instituto da Ouvidoria. Cardoso (2010) afirma que o conceito e as características principais de uma ouvidoria já têm um certo consenso. A ouvidoria se utiliza da reclamação como garantia do controle interno da instituição e no caso das agências reguladoras, representa e defende os direitos dos cidadãos “na esfera regulatória e fiscalizatória dos serviços públicos” (TRINDADE, 2010, p. 47).
Justifica-se a elaboração desse estudo, uma vez que desde o diagnóstico dos primeiros casos da COVID-19 no país, muitos estados brasileiros decretaram medidas de isolamento, distanciamento social, fechamento do comércio e a paralisação dos serviços não essenciais. Essas medidas ocasionam um forte impacto na atividade econômica e nos níveis de desemprego no país como um todo. Neste contexto, os prestadores de serviço de saneamento se viram diante do desafio de manter o abastecimento de água potável, tão necessário à prevenção da doença, para uma população com reduzida capacidade de pagamento.
Dessa forma, este artigo tem o objetivo de avaliar a qualidade da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário durante a pandemia da COVID-19, sob a perspectiva dos atendimentos realizados pelas ouvidorias, tanto do prestador de serviços, quanto pelo órgão regulador, a partir da visão da regulação técnica, visando identificar quais foram as principais queixas dos usuários no período em análise.
Metodologia
A pesquisa é um processo de conhecimento, no qual pretende-se conhecer o mundo e como as coisas nesse mundo se comportam (GIL, 2008). Busca-se, a partir dessa pesquisa, verificar a qualidade dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário em 2020, ano em que foi decretado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a pandemia do COVID-19.
Utilizamos, nesse artigo, o quantitativo de reclamações registradas junto ao prestador de serviços, bem como à ouvidoria da Agência, como forma de se observar o quantitativo do descontentamento dos usuários com os serviços prestados pela Concessionária e em quais pontos essas queixas ocorreram. Os objetivos específicos são: 1) verificar o aumento das reclamações no ano de 2020, em comparação a 2019; 2) verificar a atuação das ouvidorias do prestador de serviços e da agência reguladora, no atendimento das reclamações registradas em 2020; e 3) identificar possibilidades de melhoria regulatória no atendimento às reclamações dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Utilizamos no levantamento de dados, os quantitativos de reclamações enviadas à Coordenação de Fiscalização da Superintendência de Abastecimento de Água e Esgoto (COFA/SAE), em virtude da determinação expressa na Resolução Adasa nº 08/2016, em seu artigo 31, que determina que o prestador de serviços deve encaminhar à Agência, mensalmente, informações relativas ao atendimento das reclamações recebidas por meio da Ouvidoria do prestador para fins de fiscalização do tipo indireta. Utilizou-se também os dados dos relatórios da ouvidoria do órgão regulador, dos anos de 2019 e 2020. Os critérios de análise utilizados, nos anos de 2019 e 2020, foram: 1) reclamações por ano na ouvidoria da Adasa; 2) reclamações por ano na ouvidoria do prestador de serviços; 3) reclamações recebidas pela ouvidoria da Concessionária por canal de atendimento; 4) reclamações mensais recebidas nos anos analisados, assim como a variação percentual de 2019 em relação a 2020; 5) reclamações por Região Administrativa, assim como a variação percentual de 2019 em relação a 2020.
Resultados e Discussão
As ouvidorias das agências reguladoras possuem um papel de efetivação dos direitos fundamentais, pois não beneficia apenas um usuário em específico, mas um conjunto de usuários. Dá ao regulador a possibilidade de identificar oportunidades e melhorias regulatórias (TRINDADE, 2018).
Em 2019, a ouvidoria do ente regulador recepcionou 136 (centro e trinta e seis) reclamações referentes aos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário e em 2020 foram 179 (cento e setenta e nove). O prestador de serviços recebeu, nos anos de 2019 e 2020, 5.939 (cinco mil, novecentos e trinta e nove) e 8.203 (oito mil, duzentos e três) reclamações, respectivamente. Enquanto na ouvidoria do órgão regulador a variação percentual foi de 32%, na ouvidoria do prestador de serviços foi de 38,1%.
Quando analisamos os canais de atendimento das reclamações junto à ouvidoria da Concessionária, nota-se que a sua maioria ocorreu via telefone ou via internet, isso em ambos os anos. A variação foi de 39,3% nos atendimentos realizados via telefone, enquanto via internet essa variação foi de 41,7%. Apenas esses dois canais representam 99% da origem das reclamações recebidas pela ouvidoria. Em virtude das medidas de combate ao COVID-19, nota-se que o atendimento presencial teve uma queda de aproximadamente 200%.
A Figura 1 apresenta a comparação mensal da quantidade de reclamação recebidas nos anos de 2019 e 2020, assim como a variação percentual daquele ano para este último.
Figura 1: Comparação mensal da quantidade de reclamações recebidas em 2019 e 2020.
Fonte: Elaborado pela SAE com dados da Caesb (2020)
De modo geral, com exceção dos meses de março e abril, a quantidade de queixas recebidas pelo prestador em 2020 foi maior do que se comparado ao ano de 2019. Em dezembro de 2020 essa diferença alcança o percentual de 90%.
Quando se compara os principais assuntos, nota-se que todos os tipos de reclamações apresentaram variação superior a 50%, seja positiva ou negativamente. Além disso, chamou atenção o fato de que entre os 10 (dez) tipos de reclamações mais frequentes em 2020, 6 (seis) destes não constaram em 2019. Isto ocorreu porque existe uma ausência de padronização da nomenclatura. Como exemplo, cita-se várias classificações similares em 2020 referentes à conta de água: conta de água (129); conta de água outros assuntos (238); data de vencimento da conta (6); débito em conta corrente (18); entrega da conta / 2ª via (17); outros assuntos de conta (2); parcelamento da conta (126); e protesto de conta (77).
Outra análise importante é a comparação dos tipos constantes em 2020 com os serviços priorizados dentro da Resolução Adasa nº 07/2020. Observe que dentre os dez analisados, cinco constam na resolução: alteração de nome em conta, ligação de água (aumento de 153,8%), falta de água (aumento de 51,2%), manutenção de rede de esgoto e ligação de esgoto. Destes, alteração de nome em conta, manutenção da rede de esgoto e ligação de esgoto não constavam em 2019. A “Alteração de nome em conta” porque era um serviço de atendimento imediato e, como tal, não gerava reclamação e porque ocorria apenas a partir de solicitações presencias (por isso nem consta na tabela dos prazos dos serviços da Resolução nº 14/2011). Com a pandemia, o serviço passou a acontecer de forma virtual e o prestador disciplinou o prazo de 40 horas úteis (nada razoável para quando a demanda é pré-requisito para a religação) e teve dificuldade em cumprir, acarretando um mau desempenho neste critério, conforme Tabela 3.
Quando se analisa a quantidade de reclamações por Região Administrativa nos dois anos, observa-se variação do número absoluto de reclamação dos grupos de faixa de renda Alta (64%), Média Alta (49%), Média Baixa (46%), Baixa (44%). Essa informação propicia uma análise pela perspectiva social da população e indica que quanto maior a faixa de renda, maior é a tendência de que reclamações sejam registradas.
Conclusão
Os resultados do estudo apontam um aumento percentual de aproximadamente 40% das reclamações em 2020, ano da pandemia. Inicialmente pelo fato de que o prestador teve que se adaptar muito rapidamente a uma nova realidade que não tinha sido programada e que depois, em um segundo momento (a partir de junho), com a vigência da nova estrutura tarifária, o aumento no valor da conta para consumos acima de 7m³ também contribuiu para que esse aumento se mantivesse em nível elevado.
A busca pelo atendimento virtual aumentou, daí a necessidade de aperfeiçoamento e adequação por parte do prestador para conseguir suprir essa nova demanda em um prazo curto e com o nível de qualidade e presteza devidos, por tratar-se de um serviço essencial e pela gravidade da pandemia.
A falta de padronização nos tipos de reclamação foi um agravante para a análise da qualidade pretendida pela Resolução nº 07/2020 (condições excepcionais da prestação dos serviços), necessitando de intervenção regulatória por parte da ouvidoria da Agência sobre a ouvidoria da Prestadora para fins de adequação. A regulação técnica da SAE deve se atentar para a definição de prazos virtuais, os quais devem constar na Carta de Serviços da Concessionária.
A resposta ao problema desta pesquisa aponta que a qualidade dos serviços prestados teve impacto em virtude das medidas de enfrentamento ao COVID-19, mas que a análise desses impactos foi prejudicada em virtude de informação imprecisa. Assim, constata-se a necessidade de atuação regulatória, com o objetivo de melhorar as informações prestadas, com a padronização das nomenclaturas similares que possibilitará a identificação das principais queixas dos usuários, melhorando, assim, a qualidade do abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>
CARDOSO, Antonio Semeraro Rito. Ouvidoria pública como instrumento de mudança. Texto para Discussão, n. 1480. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Brasília. 2010.
DISTRITO FEDERAL (Brasil). Resolução Adasa nº 07, de 06 de maio de 2020. Disponível em: < http://www.adasa.df.gov.br/images/storage/legislacao/resolucoes_adasa/Res_n_07_2020_riscada.pdf>
DISTRITO FEDERAL (Brasil). Resolução Adasa nº 08, de 04 de julho de 2016. Disponível em: < http://www.adasa.df.gov.br/images/stories/anexos/8Legislacao/Res_ADASA/Resolucao008_2016.pdf>
DISTRITO FEDERAL (Brasil). Resolução Adasa nº 14, de 27 de outubro de 2011. Disponível em: < http://www.adasa.df.gov.br/images/storage/legislacao/Res_ADASA/Versao_Consolidada_Resolucao_n_14_2011_Ver270520.pdf>
GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social, 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008
TRINDADE, Maria Eugênia Bonomi. A Importância da Estrutura das Ouvidoria para o Desenvolvimento da Regulação. In: Revista ARSESP – 10 Anos de Regulação. 2018.
Área
Saneamento básico, recursos hídricos
Instituições
ADASA - Distrito Federal - Brasil
Autores
PATRICIA SILVA CACERES, MURILO VENÂNCIO FONSECA, HIGOR OLIVEIRA GOMES, ROSSANA SANTOS DE CASTRO, PABLO ARMANDO SERRADOURADA SANTOS