Dados do Trabalho
Título
ESTUDO DE CASO DA REVISAO DA NORMA PROCESSUAL DE UMA AGENCIA REGULADORA ESTADUAL
Resumo
No exercício da atividade de fiscalização, as agências reguladoras, por vezes, lançam mão da aplicação de penalidades, da qual uma das espécies é a multa. Tal decisão administrativa é passível de recurso, em atenção aos princípios do contraditório, ampla defesa e duplo grau de jurisdição. Ocorre que, de outra banda, os princípios da eficiência e celeridade também devem ser observados pela administração pública na condução dos processos administrativos.
Nesse sentido, em análise de rito processual da Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Estado de Mato Grosso (AGER/MT), verificou-se, em 28 processos administrativo punitivos, um grau de reforma de mérito de apenas -8%, considerando que de 100 (cem) condutas infratoras apenadas 92 (noventa e duas) foram mantidas pela Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), na última instância recursal administrativa. Na análise da dosimetria das penalidades verificou-se um grau de reforma de – 16,30%, quando comparado a última instância recursal administrativa, Diretoria Colegiada da ANEEL, com a penalidade inicialmente aplicada.
Conclui-se que o baixo grau de reforma das decisões, seja nas questões de mérito ou na dosimetria da penalidade, possibilitou a revisão da norma de rito processual, em especial a supressão de uma instância recursal, conferindo maior eficiência e celeridade no julgamento dos recursos administrativos interpostos pelo agente fiscalizado em face das penalidades aplicadas nos processos de fiscalização.
Palavras Chave
Agências Reguladoras. AGER/MT. ANEEL. Contraditório e Ampla Defesa. Rito Processual.
Introdução/Objetivos
Entre as principais atividades da regulação está a fiscalização, que consiste, basicamente, em avaliar se a conduta do agente fiscalizado está aderente à legislação, contrato de concessão e normas expedidas pela agência reguladora. A Lei Geral das Agências Reguladoras nº 13.848/2019 ampliou a possibilidade de descentralização, instituto esse que possibilita que determinada atividade de titularidade de um ente federativo seja regulada e/ou fiscalizada por uma agência reguladora pertencente a outro ente.
Com base na legislação acima, a ANEEL firmou contrato de descentralização com a AGER/MT desde o ano de 2012, por meio de Convênio de Cooperação. Em razão disso, a AGER desenvolve ações de fiscalização no estado de Mato Grosso, que por vezes resultam na aplicação de penalidades às empresas prestadoras de serviços públicos.
Nestes casos, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, a empresa autuada possui o direito de recorrer da decisão. Ainda em atendimentos aos princípios que norteiam o regramento jurídico brasileiro, toda decisão que afeta direitos ao administrado deve ser passível de revisão por uma instância hierarquicamente superior – princípio do duplo grau de jurisdição.
Neste caso específico, antes da alteração que suprimiu uma instância recursal na AGER, o primeiro recurso era julgado, de forma monocrática, pela Diretoria Reguladora de Energia e Saneamento (diretoria setorial da matéria), após o juízo de reconsideração promovido pela autoridade que lavrou o auto de infração. No caso de manutenção, a autuada poderia formalizar novo recurso à Diretoria Executiva Colegiada da AGER, e por fim, no caso de manutenção das penalidades a empresa poderia valer-se da última instância recursal, a Diretoria da ANEEL, galgando, portanto, 3 (três) instâncias recursais.
Verifica-se que a procedimentalização desses princípios conferia ao rito processual uma carga burocrática que demandava um tempo demasiado para a efetiva atuação da Administração Pública. Desta forma, ponderar o atendimento aos princípios do contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição, entre outros com os da eficiência e celeridade, por exemplo, é salutar e deve estar presente de forma contínua na Administração Pública.
Metodologia
A metodologia empregada foi estudo de caso e pesquisa documental. Além da legislação e normativas aplicáveis, foram analisados os processos administrativos de todas as fiscalizações realizadas pela AGER/MT no serviço público de distribuidora de energia elétrica, buscando entender se há alinhamento nas decisões das instâncias recursais.
Dentre esses documentos destacam-se os seguintes:
• Termo de Notificação com a Exposição de Motivos, encaminhados à empresa concessionária logo após a realização de fiscalização, que trata-se de documento que descreve todas as não conformidades identificadas pela equipe detalhadamente, com fotos e embasamento jurídico, destacando prazo legal para manifestação quanto às não conformidades;
• Manifestação da empresa concessionária, com todas as informações, dados e provas que a empresa julga capaz de desconstituir as não conformidades apontadas pela fiscalização, não se trata de recurso, pois nesta fase ainda não foi instaurado processo administrativo punitivo;
• Auto de Infração, que é o marco do processo administrativo punitivo, onde constam as penalidades aplicadas à empresa, bem como determinações, o valor da multa aplicado e prazo recursal;
Após a pesquisa documental (física e eletrônica) de todos esses documentos, foi realizada análise de dados com base em todos os processos punitivos instaurados e julgados até última instância recursal.
Os dados levados em consideração foram a quantidade de não conformidades aplicadas no Auto de Infração e valor da multa; o número de não conformidades mantidas e valor da multa após o juízo de reconsideração realizado pela Diretoria Reguladora de Energia e Saneamento; quantidade de não conformidades mantidas e valor da multa após decisão da Diretoria Executiva Colegiada da AGER/MT, e por fim, número de não conformidades, valor da multa e dosimetria da pena após a decisão recursal da Diretoria da ANEEL, todos esses dados foram comparados para obtenção do resultado.
A hipótese investigada é que o baixo grau de reforma das penalidades aplicadas permitia a supressão de instâncias recursal, com o fito de conferir mais celeridade no julgamento dos processos.
Resultados e Discussão
Desde o início da vigência do Convênio de Cooperação entre AGER e ANEEL, foram aplicados 34 autos de infração às empresas fiscalizadas, entretanto, 06 (seis) encontram-se pendentes de julgamento recursal. Sendo assim, foram considerados um universo de 28 (vinte e oito) processos administrativo punitivos, onde identificou-se registro de 100 (cem) condutas infratoras apenadas, das quais a última instância recursal administrativa manteve 92 (noventa e duas), resultando grau de manutenção de 92% (noventa e dois por cento) das infrações apenadas. Ou seja, o grau de reforma das condutas apenadas foi de -8%. Além disso, não foi identificado nenhum caso de revisão total das infrações impostas.
Tabela 1 - Resumo dos resultados obtidos no estudo
Processos administrativos analisados Irregularidades apenadas Irregularidades mantidas na decisão monocrática Irregularidades mantidas na decisão colegiada da AGER/MT Irregularidades mantidas na decisão colegiada da ANEEL Percentual de reforma (%)
28 100 93 93 92 - 8%
Foram analisados também os valores das multas, desde a aplicação até a decisão de última instância. Nos 28 processos objeto do presente trabalho, foram aplicadas multas que somam o valor total de R$ 32.834.914,27 (trinta e dois milhões, oitocentos e trinta e quatro mil, novecentos e quatorze reais e vinte e sete centavos).
Na 1ª instância recursal, que diz respeito à decisão monocrática do diretor setorial da AGER/MT, houve redução do valor, ficando a somatória das multas após a decisão em R$ 28.111.814,70 (vinte e oito milhões, cento e onze mil, oitocentos e quatorze reais e setenta centavos), o que correspondente a um grau de reforma de -14,38%.
Na 2ª instância recursal, que diz respeito à decisão colegiada da AGER/MT, houve redução do valor, ficando a somatória das multas após a decisão em R$ 27.988.974,34 (vinte e sete milhões, novecentos e oitenta e oito mil, novecentos e setenta e quatro reais e trinta e quatro centavos), o que correspondente a um grau de reforma de -14,76%, quando comparado ao valor inicial.
Por fim, na terceira e última instância recursal, que diz respeito à decisão colegiada da ANEEL, houve redução do valor, ficando a somatória das multas após a decisão em R$ 27.481.256,45 (vinte e sete mil reais, quatrocentos e oitenta e um mil, duzentos e cinquenta e seis reais e quarenta e cinco centavos), o que correspondente a um grau de reforma de -16,30%, quando comparado ao valor inicial.
Ficou demonstrando o baixo percentual de reforma seja nas condutas apenadas ou no valor das multas aplicadas.
Com base nos resultados obtidos, resta claro que não faria sentido manter três instâncias recursais, sendo duas delas na Agência Estadual que aplicou o Auto de Infração e a última instância sendo a Agência Federal que acompanha e participa do processo administrativo fiscalizatório. A manutenção de 03 (três) instâncias recursais traz apenas morosidade ao fim da demanda, aumentando em muito o tempo depreendido para finalização de um processo punitivo e consequente exigibilidade da multa aplicada em decorrência do descumprimento de imposições legais.
Destaca-se que em respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, a parte condenada tem o direito de recorrer da decisão de primeiro grau à autoridade superior àquela que emitiu a primeira decisão.
No presente caso a empresa autuada poderia recorrer da aplicação do auto de infração, à autoridade superior, em três instâncias: (i) Diretoria setorial da AGER/MT; (ii) Diretoria Colegiada da AGER/MT, e; (iii) Diretoria Colegiada da ANEEL. Fato que tornava o processo mais lento, depreendendo mais recursos humanos e despesa para a Administração Pública, para obter-se um resultado semelhante, ou muitas vezes idêntico à decisão anterior.
Sendo assim, a supressão de uma instância traz mais celeridade e agilidade ao processo, sem desrespeitar o princípio do duplo grau de jurisdição, pois ainda é assegurado à empresa autuada a possibilidade de recorrer da decisão de aplicação de auto de infração em duas instâncias.
Conclusão
Conclui-se que o baixo grau de reforma das decisões, seja nas questões de mérito ou na dosimetria da penalidade, possibilitou a revisão da norma de rito processual, em especial a supressão de uma instância recursal, conferindo maior eficiência e celeridade no julgamento dos recursos administrativos interpostos pelo agente fiscalizado em face das penalidades aplicadas nos processos de fiscalização.
Destaca-se a importância de garantir o duplo grau de jurisdição e oportunizar a ampla defesa e contraditório às empresas fiscalizadas, bem como a relevância na realização de revisão das não-conformidades e multas aplicadas, destacando-se que a revisão do rito processual não deixou de observar tais princípios, apenas conferiu mais eficiência e celeridade processual.
Referências Bibliográficas
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica. Brasília, DF. Disponível em: https://www.aneel.gov.br/. Acesso em: 21 maio 2021.
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica. Consulta Processual ANEEL. Brasília, DF. Disponível em: https://sicnet2.aneel.gov.br/sicnetweb/pesquisa.asp. Acesso em: 24 maio 2021.
CARVALHO FILHO, J. S. Manual de direito administrativo. 28. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.
DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 31. ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
OLIVEIRA, R. C. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2018.
Área
Temas Transversais: Aspectos Jurídicos e Institucionais da Regulação; Transparência e Controle Social; Melhoria da Qualidade da Regulação; Governança Regulatória; Análise de Impacto Regulatório
Instituições
Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Estado de Mato Grosso (AGER/MT) - Mato Grosso - Brasil
Autores
THIAGO ALVES BERNARDES, BEATRIZ MIRANDA NUNES, GISELE AUXILIADORA DE ALMEIDA RIOS