XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

PROCESSO ESTRUTURAL E LICITAÇAO DE LINHAS INTERMUNICIPAIS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade de utilização do processo estrutural como instrumento de resolução do litígio estrutural, envolvendo a questão da definição de um sistema eficiente no âmbito do transporte intermunicipal de passageiros, se de licitação, na modalidade concorrência, ou assimetria regulatória. Por meio de pesquisa bibliográfica e legislativa, a partir do método hipotético-dedutivo, foi possível identificar que a problemática da definição de sistema pode ser resolvida judicialmente, por intermédio do processo estrutural, a partir da utilização de técnicas processuais mais flexíveis e que garantam a sua efetividade.

Palavras Chave

Processo Estrutural. Transporte Intermunicipal de Passageiros. Modelo de Delegação.

Introdução/Objetivos

O presente ensaio trata da possibilidade de utilização do processo estrutural como instrumento para promover uma reestruturação do sistema de transporte intermunicipal de passageiros nos Estados, a partir da definição de um modelo de delegação do serviço, isto é, por meio da definição, por parte dos Estados em conjunto com o Ministério Público e o Judiciário – juntamente com a população afetada – se o modelo licitatório deve ser mantido ou se deve ser adotado o modelo de assimetria regulatória.
Nesse contexto, traz-se como problema de pesquisa a seguinte formulação: “de que forma o processo estrutural pode servir como um mecanismo judicial capaz de propiciar a definição de um sistema a ser adotado pelos Estados no âmbito do transporte intermunicipal de passageiros, de modo a contribuir para uma solução mais vantajosa do litígio?”
Do ponto de vista acadêmico, o trabalho possui especial relevância, na medida em que propõe uma solução para o problema da definição do sistema de transporte intermunicipal, a partir da utilização de técnicas do Direito Processual Civil, trazendo, inclusive, um novo método para resolução do problema, que seria a apresentação de uma contestação estrutural. Sob a perspectiva social, a pesquisa se destaca em razão de que a solução proposta poderia ser adotada em vários Estados, nos quais ainda não houve a definição de sistema, possibilitando uma forma mais eficaz e dialógica para a solução do litígio.
Na primeira seção, é discutido o entrave na definição do melhor sistema para cada Estado, especialmente diante das diversas Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público para obrigar os Estados a realizarem licitação, a partir de uma interpretação isolada do art. 175 da Constituição Federal.
Na segunda seção, é analisado, detidamente, cada modelo de delegação existente, quais sejam: o modelo licitatório e o de assimetria regulatória, fazendo-se, inclusive, uma análise de custo e benefício de cada modelo.
Na terceira seção examinam-se as características do processo estrutural, a fim de investigar de que maneira o processo estruturante poderia auxiliar na definição de um modelo de delegação nos Estados. Nesta seção apresenta-se um elemento novo à teoria do processo estrutural, que seria a contestação estruturante. Por fim, discute-se como seria possível alcançar um maior desenvolvimento sustentável a partir desta estratégia processual.
Diante dessa breve apresentação, apontam-se os seguintes objetivos de pesquisa:
• Analisar o entrave existente na definição de um modelo de delegação nos Estados;
• Examinar as características dos modelos de delegação existentes;
• Investigar as características dos processos estruturais e de que forma este tipo de processo poderia contribuir para a solução do entrave e garantir um maior desenvolvimento sustentável.

Metodologia

A hipótese da presente pesquisa é de que o processo estrutural, por permitir uma maior flexibilização de procedimentos, é capaz de possibilitar um amplo diálogo interinstitucional entre o Judiciário, o Ministério Público, as agências reguladoras e os Estados, a fim de que seja debatido, em cada Estado, qual o melhor sistema, se o de licitação ou se assimetria regulatória, bem como permitir um debate com a sociedade acerca das características que o serviço deve ter para que possa ser considerado um serviço de qualidade satisfatória. Ademais, a utilização de diversas técnicas processuais, de maneira mais flexibilizada, permitiria maior efetividade do processo.
O método utilizado na presente pesquisa é o hipotético-dedutivo. Segundo Gil (2008), tal método se utiliza de um problema para chegar a uma hipótese, a qual será testada e, se não for falseada, chegar-se-á a sua corroboração. Os procedimentos manejados foram a pesquisa legislativa, especialmente da Constituição Federal com vistas a analisar os sistemas existentes. Ademais, será realizada pesquisa bibliográfica de autores indispensáveis para o estudo do processo estrutural, como Sergio Cruz Arenhart (2021), Edilson Vitorelli (2020; 2021) e Owen Fiss (1984), bem como a utilização de outros autores nacionais que estudam o transporte intermunicipal, como Claudia Guerra Oliveira da Costa (2009) e Direito Administrativo, como Gustavo Binenbojm (2017).
As etapas da pesquisa perpassaram pelo levantamento bibliográfico preliminar dos principais livros e artigos que discutem o tema ora apresentado. Posteriormente, foi feita a leitura e a confecção de resenhas dos principais pontos discutidos nos livros e artigos científicos lidos. Além disso, fora feita uma análise dos dispositivos constitucionais que preveem ambos os sistemas (licitação e assimetria regulatória). Por fim, foi feito um cotejo entre as ideias para que fosse possível elaborar o artigo.

Resultados e Discussão

O ENTRAVE NA DEFINIÇÃO DE UM MODELO DE DELEGAÇÃO NO TRANSPORTE INTERMUNICIPAL DE PASSAGEIROS

A Constituição Federal, em seu art. 175 , estabelece que os serviços públicos devem ser prestados diretamente ou mediante concessão e permissão, sendo exigido prévio certame licitatório. É certo que o Estado, após uma onda de privatizações, passou a prestar a maioria dos serviços públicos por meio de contratos de concessão. Entretanto, no caso do serviço de transporte intermunicipal o enredo foi peculiar.
A maioria dos Estados da Federação não realizou licitações para outorgar concessões às empresas operadoras de serviço público de transporte intermunicipal de passageiros. Uma parcela dos entes federados estaduais até outorgou concessões às empresas, porém, na maioria dos casos, os contratos de concessão eram anteriores à Constituição Federal e não foram precedidos de licitação, como ocorreu com algumas empresas pioneiras no setor de transporte intermunicipal no Estado do Pará.
Nesse contexto, na maioria dos Estados, após os prazos dos contratos terem vencido e, diante da impossibilidade de novas prorrogações , bem como diante da inexistência do procedimento licitatório, a prática recorrente foi a delegação de autorizações precárias às empresas. Assim, trata-se de ato administrativo, de natureza precária, e que, portanto, pode ser revogado a qualquer tempo, sem direito à indenização.
Ocorre que o Ministério Público dos Estados tem ajuizado diversas Ações Civis Públicas, com o objetivo de obrigar o Estado e a Agência Reguladora Estadual – que regula o transporte intermunicipal – a realizarem a licitação das linhas intermunicipais. Tais ações, na prática, não tem obtido nenhum resultado modificador da realidade, visto que o sistema recursal no Brasil permite que as ações continuem sendo discutidas em outros graus de jurisdição e o conflito se torna praticamente interminável.
Além disso, há um fator que torna este entrave pior: os Promotores do Ministério Público que ajuízam as referidas ações o fazem em diversos municípios, ou seja, o Promotor de cada localidade ingressa com uma ação pedindo que seja realizada a licitação naquele município específico, o que faz com que haja múltiplas ações coletivas tratando do mesmo assunto, sendo que se deveria lutar por uma Política de Transporte Integrada e não pelo benefício de um único município.
O Ministério Público e a jurisprudência dos Tribunais Superiores defende que o certame licitatório é necessário no caso da licitação das linhas intermunicipais de passageiros . Administrativistas como José dos Santos Carvalho Filho defendem com veemência a impossibilidade de haver autorização de serviços públicos. No entendimento do referido autor, mesmo a Constituição em seu art. 21, inciso XII, tenha afirmado que alguns tipos de serviços públicos poderiam ser delegados mediante autorização, o art. 175 da Carta Magna somente se refere à permissão e concessão, pelo que o autor considera inaceitável a existência de serviços públicos autorizados (CARVALHO FILHO, 2018).
Contudo, a doutrina atual mais especializada na questão dos transportes vem entendendo pela adoção de um sistema de assimetria regulatória, “em que convivem de forma harmônica, de um lado, hipóteses de delegação (concessão e permissão) mediante licitação, submetidas a um regime público; e, de outro lado, hipóteses de autorização, submetidas a um regime privado” (BINENBOJM, 2017).
Nesse contexto, diante da possibilidade de opção por um sistema pautado na licitação ou por um sistema baseado na assimetria regulatória, o processo estrutural pode ser bastante benéfico, haja vista que o modelo de processo estruturante permitiria, a partir de um diálogo interinstitucional, o Estado, a agência reguladora, o Ministério Público e o Poder Judiciário decidir qual seria o melhor caminho a ser seguido naquele Estado.
Todavia, no meio dessa decisão, os agentes não podem perder de vista que o objetivo principal é a consolidação de uma Política Estadual de Transportes Integrada.
E, em última análise, esse sistema de transporte integrado seria capaz de proporcionar maior desenvolvimento sustentável ao Estado, não apenas em uma perspectiva econômica, mas também do ponto de vista ambiental, com a redução da produção de gases poluentes. Assim como, por via de consequência, haveria um desenvolvimento social, no sentido de propiciar uma melhor qualidade de vida para a população. Como, por exemplo, diminuindo o tempo de deslocamento diário entre duas localidades.
Essa problemática vem sendo objeto de questionamento judicial pelo Ministério Público em vários Estados. Entretanto, é primordial que as ações civis públicas, em curso, fossem tratadas como processos estruturais, isto é, como processos judiciais em que se busca a reformulação de uma estrutura burocrática que está perpetuando uma violação ao ordenamento jurídico (VITORELLI, 2020). Pela via do processo estrutural, é possível a utilização de diversas técnicas de flexibilização procedimental, por meio das quais seria possível alcançar a reestruturação pretendida, além de proporcionar um diálogo interinstitucional entre os diversos atores envolvidos para que se chegue a uma solução prática viável (LAMÊGO, 2021).

MODELOS DE DELEGAÇÃO DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL DE PASSAGEIROS

Neste ponto, faz-se necessário diferenciar os dois modelos de delegação existentes. Uma parte da doutrina defende o modelo de licitação, pautando-se numa interpretação isolada do art. 175 da Constituição Federal. Outra parte da doutrina, por sua vez, entende que o modelo de assimetria regulatória é totalmente possível pela leitura do texto constitucional. Será tratado, primeiramente, o modelo de licitação e depois o de assimetria regulatória.
De acordo com Sérgio Roberto Maluf (2006), o Estado tem o dever de ofertar à população determinadas atividades, que são chamadas de serviços públicos, os quais são necessários ao bem-estar geral e são executados pelo Estado de duas formas: ou diretamente ou mediante delegação a particulares.
Pela leitura do art. 175 da Constituição, é possível depreender um fato incontroverso: a titularidade dos serviços públicos pertence ao Estado. Dessa forma, apenas a execução/prestação de alguns tipos de serviços pode ser delegada aos particulares (COSTA, 2009). No caso do transporte intermunicipal de passageiros, os Estados da Federação são os titulares do serviço e a execução em cada Estado é delegada a empresas particulares. Conforme se extrai do artigo supramencionado, existe também a possibilidade de o Estado prestar o serviço diretamente.
Os defensores do modelo de licitação asseveram que o serviço de transporte intermunicipal de passageiros seria um serviço público próprio, justamente devido ao fato de que pode ser prestado de maneira direta ou indireta, sendo que da maneira indireta, a execução do serviço dá-se necessariamente por meio de concessão ou permissão. Um contrato de concessão é um tipo de contrato administrativo, regido pela Lei Federal 8.987/1995, que delega a execução de um serviço público a um particular, mas existem condições e prazos contratuais específicos. O contrato de permissão, por sua vez, igualmente transfere a execução do serviço ao particular, mas trata-se de contrato de adesão, de natureza precária, para que o particular execute o serviço a sua própria conta e risco (MALUF, 2006).
Estes mesmos defensores do modelo licitatório entendem que os serviços públicos autorizados seriam apenas serviços públicos impróprios, não sendo serviço público no sentido estrito do termo (MALUF, 2006). Estes doutrinadores apegam-se unicamente ao texto do art. 175 da Constituição Federal para afirmar, em outras palavras, que o serviço público propriamente dito somente pode ser executado mediante contrato de concessão ou permissão, enquanto serviço público autorizado, no entendimento destes autores, não é possível de existir. Contudo, na prática, existem e este é um fato que não pode ser ignorado.
Assim, é necessário apresentar o modelo de assimetria regulatória, visto que o modelo licitatório não é o único existente. O art. 22, inciso XII, alínea “e”, da Constituição Federal, permite que seja feita a delegação do serviço de transporte interestadual e internacional de passageiros mediante concessão, permissão e autorização.
A interpretação que se julga mais acertada é aquela segundo a qual se deve fazer uma interpretação conjunta entre o art. 22, inciso XII, alínea “e” c/c o art. 175 da Constituição Federal. Neste sentido, verifica-se que é possível a convivência harmônica de hipóteses de delegação mediante licitação e de autorização, mediante um regime privado (BINENBOJM, 2017).
Deste modo, percebe-se que o objetivo do constituinte no art. 175 da Constituição Federal não foi limitar as hipóteses de delegação de serviços públicos apenas à concessão e permissão, mas sim afirmar que apenas essas hipóteses de delegação serão precedidas de licitação necessariamente, por isso não se mencionou neste artigo a autorização (BINENBOJM, 2017). Portanto, nas Constituições Estaduais, em observância ao princípio da simetria, deve haver a possibilidade de delegação do serviço de transporte intermunicipal de passageiros mediante autorização.
Cumpre apontar que o Pretório Excelso já decidiu pela possibilidade de adoção do modelo de assimetria regulatória em outras hipóteses previstas nas alíneas do art. 22, inciso XII, da Constituição Federal, como no caso das telecomunicações (ADI 1668).
Faz-se necessário, por fim, realizar uma análise de custo benefício dos dois modelos. O modelo licitatório garante maior isonomia, bem como a necessidade de se escolher a proposta mais vantajosa (COSTA, 2009). Isto se deve ao fato de que neste modelo a celebração dos contratos administrativos, seja de concessão, seja de permissão, é precedida de licitação.
Entretanto, estes tipos de contratos em questão estabelecem regras, prazos, condições específicas. Assim, caso ocorram, por exemplo, mudanças tecnológicas significativas em 20 (vinte) anos – que é o prazo das concessões, geralmente – é muito mais dificultoso conseguir alterar as condições entabuladas no contrato, de modo que o contrato acaba por engessar o serviço durante todo o período do contrato, inclusive porque o concessionário se sente muito confortável para prestar um serviço não muito adequado aos passageiros, além de se sentir no monopólio da prestação do serviço daquela linha do contrato (BINENBOJM, 2017). Necessário destacar nesse ponto que mudanças tecnológicas significam, muitas vezes, em equipamentos menos poluentes, mais eficientes e com o menor custo, o que torna ainda mais preocupante o engessamento do sistema por muitos anos.
As agências reguladoras existem justamente para fiscalizar e, se necessário, declarar a caducidade do contrato. Contudo, o Judiciário tem o péssimo costume de anular as declarações de caducidade feitas pelas agências reguladoras por erros meramente formais, logo, tudo se torna ainda mais difícil.
No modelo de assimetria regulatória, a autorização se torna a regra, mas ainda assim em casos específicos é necessária a celebração de contratos de concessão e permissão. As autorizações, em que pese sejam instrumentos precários e muito embora não sejam delegadas mediante licitação, permitem maior flexibilidade no sistema e coloca a agência reguladora num local de destaque, visto que compete à agência fiscalizar se o autorizado está prestando o serviço de maneira adequada, penaliza-lo e se necessário cassa-lo de maneira menos dificultosa, haja vista que não existe um contrato entabulado entre as partes, logo, a revogação da autorização é menos difícil.
Além disso, como essa revogação pode ocorrer a qualquer tempo e as condições do serviço não estão previstas em contrato, o serviço não se torna engessado, e a agência reguladora pode exigir da empresa autorizada melhoramento no serviço de acordo com o avanço tecnológico.
No entender de Floriano de Azevedo Marques Neto (2005), tem-se que:
Nestes exemplos, atividades consideradas serviços públicos, são prestadas por competidores sujeitos a níveis de regulação distintos. Trata-se de um novo traço da regulação de serviços públicos cuja ideia nuclear é a de incentivar a concorrência nestas atividades, já que são, ainda hoje, muito concentradas. A ideia é oferecer ao operador entrante um regime de prestação mais brando que aquele dispensado ao operador dominante, com vistas a acirrar a disputa pelo mercado, o que, é certo, traz inúmeras consequências benéficas aos usuários de tais serviços (MARQUES NETO, 2005, p. 11)
Portanto, como neste modelo existe a possibilidade de concorrência entre as empresas autorizadas, isto retira as empresas de sua zona de conforto e as impulsiona a melhorar cada vez mais o serviço, o que traz ganhos aos consumidores (BINENBOJM, 2017).


A UTILIZAÇÃO DO PROCESSO ESTRUTURAL NA DEFINIÇÃO DO MODELO DE DELEGAÇÃO

No entendimento de Didier Jr, Zaneti Jr e Oliveira (2021), “o processo estrutural é aquele em que se veicula um litígio estrutural, pautado num problema estrutural, e em que se pretende alterar esse estado de desconformidade, substituindo-o por um estado de coisas ideal”. E o que seria um problema estrutural?
Segundo os referidos autores, o problema estrutural seria um estado de desconformidade estruturada, o que pode ser: a) uma situação de ilicitude contínua e permanente; b) ou uma situação de desconformidade, que não é ilícita, mas não representa o estado de coisas ideal (DIDIER JR; ZANETI JR; OLIVEIRA, 2021) .
O processo estrutural possui algumas características típicas. Dentre elas, pode-se mencionar a multipolaridade ou policentrismo legal. Owen Fiss (1984), ao diferenciar o modelo de processo adversarial do modelo de processo estrutural, aduz que:
The party structure of the dispute resolution lawsuit reflects this individualistic bias; one neighbor is pitted against another while the judge stands between them as a passive umpire. The structural lawsuit defies this triadic form. Not two but a multiplicity of parties are involved. Moreover, the groups or organizations denominated parties are likely to be internally divided on the issues being adjudicated, and thus the antagonism between parties is not binary, what we find in a structural lawsuit is an array of competing interests and perspectives on a number of issues, organized around a single decisional agency, the judge (FISS, 1984, p. 38).
Isto significa que nos processos estruturais, há vários centros de interesses simultâneos e que são protegidos pelo ordenamento jurídico, de modo que podem haver zonas de interesses que ora se sobrepõem parcialmente e ora se opõem (VITORELLI, 2020). Assim, “um mesmo grupo de pessoas pode alinhar-se aos interesses de outro grupo quanto a determinada questão, mas não quanto a outras” (DIDIER JR; ZANETI JR; OLIVEIRA, 2021). Ademais, os processos estruturais também são complexos, o que significa que existem diversas soluções para o mesmo processo (DIDIER JR; ZANETI JR; OLIVEIRA, 2021).
Em diversos Estados da Federação existe um estado de desconformidade no âmbito do serviço de transporte intermunicipal de passageiros. Este estado de desconformidade é a indefinição de um modelo único de delegação para todo o Estado. Ambos os modelos existentes (tanto o licitatório quanto o de assimetria regulatória) possuem embasamento constitucional, a depender da interpretação que se dá ao texto constitucional. Assim, cada Estado pode escolher o modelo que melhor assiste as suas necessidades, e o processo estrutural pode auxiliar neste aspecto.
Conforme dito acima, os Ministérios Públicos dos Estados têm ajuizado inúmeras Ações Civis Públicas para obrigar os Estados e suas agências reguladoras a licitar as linhas intermunicipais. Entretanto, o que se vê em muitas dessas ações é que o Órgão Ministerial não trata a ação com o grau de estruturalidade necessário, e acaba fazendo pedidos estanques e são aplicadas no processo as regras tradicionais de processo coletivo. Segundo Vitorelli (2020), “[...] eles [os litígios estruturais] também podem ser tratados em processos coletivos não estruturais. Nesse caso, o legitimado coletivo propõe uma ação que trata de algum aspecto do litígio estrutural, mas formula um pedido de caráter não estrutural, incapaz, portanto, de solucionar o problema”. Isto é exatamente o que vem ocorrendo: o Ministério Público formula pedidos não estruturais, o juiz conduz o processo de maneira não estrutural e o Estado acaba por “embarcar” nisto e recorre o máximo possível.
Todavia, isto não tem o condão de solucionar o problema estrutural existente. É por isto que o presente trabalho sugere aos Estados a apresentação de uma contestação estruturante. Basicamente, uma contestação estruturante é uma resposta efetiva a uma petição inicial do legitimado coletivo que não elaborou pedidos estruturais. Mas, o que uma contestação estruturante deve conter?
Primeiramente, uma contestação estrutural deve sugerir que a Ação Civil Pública em questão seja tratada como um processo estrutural, com o grau de estruturalidade necessário. De acordo com Didier Jr, Zaneti Jr e Oliveira (2021), é possível que os processos estruturais tenham diferentes graus de estruturalidade, de modo que alguns casos vão exigir uma intervenção menos intensa do Judiciário e outros uma intervenção mais intensa. No caso da definição de um modelo de prestação do serviço de transporte intermunicipal de passageiros, é necessária uma intervenção mais intensa do Judiciário, visto que o problema está sendo perpetuado por anos, então o Judiciário precisa conduzir o processo de maneira enérgica para que o problema seja resolvido.
À primeira vista, o juiz que se depara com este tipo de processo poderia achar que se trata de um processo simples, em que basta que cada um exerça sua competência e tudo se resolve, mas, infelizmente, a demanda possui alta complexidade de conflituosidade.
Isto porque um processo estrutural requer uma reestruturação ampla no modo como uma estrutura opera, então, nesse caso, será necessária a reestruturação do modelo de delegação do serviço de transporte intermunicipal de passageiros. Um simples comando de obrigação de fazer e não fazer, com a estipulação de astreintes por descumprimento, como normalmente formulado na exordial pelo Órgão Ministerial, não resolve o problema, pois não tem o condão de fazer as reestruturações necessárias.
O segundo passo para se ter uma contestação estruturante é sugerir às partes que haja um diálogo interinstitucional intenso. O art. 6º do Código de Processo Civil estabelece o princípio da cooperação, o qual é pedra angular nos processos estruturais. Para que se chegue a uma decisão final justa e efetiva no processo, é imprescindível que as partes dialoguem entre si e com o juízo. O art. 6º do CPC, além de norma fundamental do processo civil, estabeleceu em nossa ordem jurídica um verdadeiro modelo cooperativo de processo.
É possível que no processo estrutural sejam utilizadas inclusive técnicas de cooperação judiciária justamente para que haja a cooperação entre os órgãos do Judiciário e entidades administrativas, como as agências reguladoras, a fim de que o processo seja conduzido de maneira dialógica (LAMÊGO, 2021). A condução dialógica do processo estrutural significa que será dado um “maior grau de efetividade possível aos institutos do contraditório, ampla defesa e cooperação, amplificando a participação dos sujeitos no processo” (LAMÊGO, 2021).
O processo estrutural que trata da definição do modelo de delegação do serviço de transporte intermunicipal de passageiros necessita não somente de um diálogo interinstitucional, mas de uma verdadeira comunidade de trabalho para que se chegue a uma decisão justa e efetiva e, principalmente, que essa decisão seja um paradigma a ser seguido e possa ser executada e acompanhada da forma devida.
Este tipo de modelo de comunidade de trabalho conduzida de maneira dialógica representa o que se convencionou chamar de town meeting. No entender de Edilson Vitorelli (2019):
A mutabilidade dos fatos e a diversidade de perspectivas envolvidas exige instrumentos completamente novos e dissociados da noção de processo como um exercício para a resolução de problemas pretéritos pela subsunção dos fatos ao ordenamento jurídico. O processo nos litígios irradiados deve ser um town meeting, cuja estruturação favoreça a manifestação dos diferentes subgrupos sociais atingidos, sopesando os interesses de cada um deles (VITORELLI, 2019, p. 582).
No town meeting, o juiz atua de maneira diretiva e gerencial, ao definir questões relevantes, ao conduzir a produção de provas e fomentar um diálogo ampliado com as partes e a sociedade atingida (COTA, 2019). Um terceiro fato que deve ser colocado na contestação estruturante é a sugestão de realização de audiências públicas, justamente para que a sociedade atingida seja ouvida. A realização de audiência pública não está prevista no CPC, mas é extremamente necessária para que haja a participação democrática de todos os atores envolvidos e que serão afetados pelo processo, haja vista que se trata de um crucial meio de diálogo entre a sociedade e o Judiciário que permite a apresentação de diferentes posições e interesses (ARENHART, 2021b).
Nestes casos de Ação Civil Pública com pedido de que seja deflagrada a licitação em uma única linha, existem diversos direitos concorrentes, como o interesse do Estado da Federação de delegar o serviço público para que não tenha que presta-lo diretamente, o interesse da agência reguladora em resolver o problema, o interesse da população e do Ministério Público em ter um serviço contínuo e de qualidade, o interesse das empresas em prestar o serviço e ganhar dinheiro, o interesse dos trabalhadores dessas empresas em ter seus empregos mantidos, o interesse da população que utiliza o transporte intermunicipal diariamente para se deslocar para o seu local de trabalho, o interesse de populações tradicionais que vivem ao entorno dos rios, por exemplo, etc. Com isso, observa-se claramente que há uma multipolaridade no conflito e que, portanto, deve haver a realização de audiências públicas para que todos os atores e envolvidos sejam ouvidos.
Outrossim, neste caso específico, sugerir a participação de amicus curiae também se revela basilar, visto que a matéria debatida, qual seja, a definição de um modelo de delegação para o transporte intermunicipal de passageiros é algo extremamente complexo e específico, de modo que é fundamental a participação no processo de um expert no âmbito do transporte, para se manifestar inclusive sobre a viabilidade da licitação e sobre qual seria o melhor modelo para aquele Estado em específico.
No Estado do Pará, por exemplo, existem diversos tipos de transporte intermunicipal de características distintas, como o convencional, complementar, alternativo, dentre outros. Assim, em análise preliminar, entende-se que realizar uma licitação de todas as linhas de transporte intermunicipal no Estado – que tem dimensões continentais e modais bastante intrincados, com a presença de modal hidroviário de características de navegação muito específicas – seria algo extremamente desafiador, algo muito custoso e quase impossível. Assim, o melhor modelo para o Estado do Pará seria o de assimetria regulatória. Em outros Estados, diferentemente, as necessidades podem ser diferentes, como no caso do Mato Grosso, no qual houve a realização da licitação, mas é um Estado com características geográficas totalmente diferentes, o que torna a realização da licitação relativamente menos dificultosa.
Portanto, a participação de um amicus curiae se revela muito interessante e importante, uma vez que “é fundamental que o processo seja capaz de absorver a experiência técnica de especialistas no tema objeto da demanda, em que possam contribuir tanto no dimensionamento adequado do problema a ser examinado, como em alternativas à solução da controvérsia” (ARENHART, 2021a).
Compete indicar, ainda, que no processo estrutural há uma maior flexibilidade procedimental, o que significa, segundo Sergio Cruz Arenhart (2021a), que “elementos como a adstrição da decisão ao pedido, a limitação do debate aos contornos da causa de pedir, a dimensão da prova, a amplitude do direito ao recurso e os limites da coisa julgada exigem reformulação completa”.
Assim, diante da flexibilidade procedimental existente nos processos estruturais, cumpre destacar que no caso das Ações Civis Públicas intentadas pelos Ministérios Públicos dos Estados para obrigar os Estados e suas agências reguladoras a realizarem a licitação, caso sejam encaradas como verdadeiros processos estruturais – os quais possuem rápida “mutabilidade fática, ou seja, constante reconfiguração da realidade social” (VIANA, 2021) – o magistrado deve analisar os pedidos de maneira menos estanque, não seguindo o princípio de estabilização da demanda e permitindo a ampliação do objeto da demanda, com vistas a abrir uma verdadeira e ampla discussão acerca do melhor modelo de delegação do serviço de transporte intermunicipal que melhor se adeque às necessidades daquele Estado.
Nesse tipo de processo estrutural o diálogo interinstitucional seria fundamental, porque o próprio Ministério Público, autor da ação coletiva, teria uma postura mais ativa, participando de todas as fases, negociando com o Estado e a agência reguladora um possível acordo estrutural, participando de todo o processo decisório do melhor modelo, o que inviabilizaria futuros questionamentos judiciais do próprio Ministério Público em relação a esse processo de tomada de decisão. Caso seja escolhido, por exemplo, o modelo licitatório, como o Ministério Público participou dessa decisão e de sua implementação prática, não teria motivos para questionar posteriormente as licitações que viriam a ocorrer.
Ademais, em se tratando de um processo complexo, em que há mais de uma hipótese de solução, não é imprescindível apenas a análise técnica-jurídica, mas uma análise mais ampla, que envolva questões relacionadas, por exemplo, à qualidade do serviço, o que justifica a necessidade de participação da população envolvida para debater acerca da matéria. A população que utiliza o transporte intermunicipal para se deslocar para o trabalho, por exemplo, teria de ser ouvida, pois são pessoas que dependem do transporte intermunicipal diariamente e, sendo apresentadas a essas pessoas o custo benefício de cada modelo, a população seria ouvida sobre qual modelo melhor satisfaz às suas necessidades, o que, em última análise, desagua na questão da qualidade do serviço, que é o principal fator de reclamação dos usuários em relação aos operadores.
Por fim, a escolha do modelo de delegação pelos Estados, qualquer que seja o modelo escolhido, ajudaria muito na contribuição para o desenvolvimento sustentável no Brasil. No entendimento de Teixeira, Machado e Tedesco (2013, p. 5):
No caso do transporte intermunicipal, esse conceito de eixo é complementado com o de integração, ou seja, a transferência do passageiro de uma linha para outra no sistema para chegar ao seu destino. O passageiro, então, passará de uma linha complementar, cuja função se assemelha ao da linha alimentadora, para uma linha do eixo principal, configurado como uma linha troncal dando acesso a capital, evitando sobreposições e conferindo maior eficiência ao sistema.
Qualquer que seja o modelo escolhido, seja o modelo licitatório ou de assimetria regulatória, o objetivo dos Estados, na área dos transportes, certamente é garantir que a população consiga se deslocar com eficiência, a partir de uma rede de transportes integrada e racionalizada. A eficiência na área dos transportes tem como consequência, além da diminuição do tempo de deslocamento, o desenvolvimento sustentável, a partir da diminuição de emissão de gases poluentes, já que a rede de transportes integrada evitará sobreposições de linhas e percursos.

Conclusão

A partir do presente estudo, verificou-se a possibilidade de utilização do processo estrutural como instrumento capaz de garantir maior desenvolvimento sustentável em processos estruturais que envolvam a definição de um modelo de delegação no âmbito de cada Estado da Federação.
Neste ensaio, foi possível compreender que o processo estrutural está pautado em um problema estrutural, o qual representa um estado de desconformidade estruturada (DIDIER JR; ZANETI JR; OLIVEIRA, 2021). A partir deste conceito, foram identificadas as principais características típicas do processo estrutural, que são a multipolaridade e a complexidade.
Com isso, apresentou-se um elemento novo à teoria do processo estrutural, que seria a contestação estruturante. Uma contestação estruturante seria um tipo de contestação própria para ser utilizada em processos estruturais, tendo em vista que se direciona a casos nos quais a petição inicial da Ação Civil Pública ajuizada por um legitimado extraordinário não possui pedidos estruturais, mas simples obrigações de fazer e não fazer com cominações de astreintes, o que não tem o condão de solucionar o problema adjacente ao processo.
Ademais, o trabalho analisou que, em última análise, o processo estrutural, quando utilizado no processo de definição de um modelo de delegação para os Estados, pode auxiliar na implementação prática de uma rede de transportes integrada e racionalizada, o que garante o desenvolvimento sustentável não somente pela diminuição de produção de gases poluentes, mas também na redução de tempo de deslocamento dos usuários.

Referências Bibliográficas

ARENHART, Sergio Cruz. Processos Estruturais no Direito Brasileiro: Reflexões a partir do caso da ACP do Carvão. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (org.) Processos Estruturais. 3. Ed. Salvador: Juspodivm, 2021a.
ARENHART, Sergio Cruz. Processo Multipolar, Participação e Representação de Interesses Concorrentes. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Org). Processos Estruturais. 3ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2021b.
COSTA, Claudia Guerra Oliveira da. Licitações nos Transportes Públicos de Passageiros: uma abordagem baseada na mediação entre atores. 2009. 133f. Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, UFPE. 2009.
COTA, Samuel Paiva. Do Pedido e da Participação: proposições para o desenvolvimento de uma teoria acerca dos Processos Estruturais. Belo Horizonte: D'Plácido, 2019.
DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandrino. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista de Processo: São Paulo, vol. 303, p. 45-81, mai. 2020.
FISS, Owen M. Two Models of Adjudication. Disponível em: <https://www.law.yale.edu/sites/default/files/documents/faculty/papers/twomodels.pdf>. Acesso em: 03 ago. 2020.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.
LAMÊGO, Gustavo Cavalcanti. Técnicas de cooperação judiciária nacional aplicadas a processos estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Org). Processos Estruturais. 3ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2021.
MALUF, Sérgio Roberto. Contribuições sindicais e o serviço público de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros no Estado do Paraná. In: A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A nova regulamentação dos serviços públicos. Disponível em: http://www.agersa.es.gov.br/arquivos/relatorios/A%20Nova%20Regulamentacao%20dos%20Servicos%20Publicos.pdf. Acesso em: 13 out. de 2021.
TEIXEIRA, Leisy Mikaelly Alves; MACHADO, Susan Cariny Carvalho; TEDESCO, Giovanna Megumi Ishida. Identificação de Eixos Estruturantes para o Planejamento de Redes de Transporte Rodoviário de Passageiros. Disponível em: < http://redpgv.coppe.ufrj.br/index.php/es/produccion/articulos-cientificos/2013-1/760-identificacao-de-eixos-estruturantes-para-o-planejamento-de-redes-de-transporte-rodoviario-de-passag/file>. Acesso em: 14 out. 2021.
VIANA, Thaís Costa Teixeira. Os processos estruturais entre a máxima do interesse público e o paradigma da flexibilidade procedimental: Reflexões sobre o contraste à luz do regime de estabilidades processuais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix (Org). Processos Estruturais. 3ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2021.
VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
VITORELLI, Edilson. Processo Civil Estrutural: Teoria e Prática. Salvador: Juspodivm, 2020.

Área

Temas Transversais: Aspectos Jurídicos e Institucionais da Regulação; Transparência e Controle Social; Melhoria da Qualidade da Regulação; Governança Regulatória; Análise de Impacto Regulatório

Instituições

ARCON - Pará - Brasil

Autores

SAMIRA VIANA SILVA, AMANDA GOMES ISHAK