Dados do Trabalho
Título
A REGULAÇÃO INTERSETORIAL DA ESTOCAGEM DE GÁS EM AQUÍFEROS E FORMAÇÕES DE SAL
Resumo
A estocagem subterrânea de gás natural, definida como um serviço de armazenagem de gás em estruturas geológicas aptas para este fim, é uma tecnologia bastante disseminada em países da Europa e da América do Norte, que empregam predominantemente reservatórios de hidrocarbonetos em depleção, aquíferos e cavidades em domos ou camadas de estruturas de sal. A estocagem, única atividade da cadeia do gás que o Brasil ainda não exerce, vem sendo debatida nos últimos anos quase que exclusivamente no âmbito dos setores de petróleo, gás e energia. De fato, esse limitado alcance das discussões era esperado, dado que os campos depletados de petróleo ou gás são as formações mais utilizadas para o armazenamento, respondendo por cerca de 75% das instalações em operação no mundo. No entanto, não seria razoável desconsiderar a possibilidade do emprego de aquíferos e formações de sal para a estocagem de gás no Brasil, que se somaria ao potencial nacional de estocagem em campos em depleção. Aquíferos e cavernas de sal possuem especificidades que demandam atuação regulatória que não se limita à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Resultados preliminares ressaltam o papel fundamental de outras instituições na regulação intersetorial da atividade, tais como o da Agência Nacional de Mineração (ANM), em virtude do Código de Mineração, e o de órgãos estaduais, frente à competência constitucional dedicada aos estados para o gerenciamento do uso de águas subterrâneas. A partir de resultados preliminares extraídos da literatura internacional, é possível afirmar também que a intersetorialidade da regulação é mais premente para a estocagem em estruturas de sal dissolvidas que em aquíferos.
Palavras Chave
Regulação Intersetorial. Estocagem Subterrânea de Gás Natural. Gás Natural. Cavidades de Sal. Aquíferos. Mineração. Halitas. Sal-gema. Recursos Hídricos.
Introdução/Objetivos
O setor de gás natural compreende uma série de atividades encadeadas de forma a levar a produção aos consumidores de forma praticamente simultânea, semelhante à eletricidade, mas que, diferentemente desta última, contempla a possibilidade de estocagem do insumo. Dos pontos de vista técnico e ambiental, a estocagem subterrânea de gás natural é a forma mais viável para confinamento de grandes volumes e pode ser realizada em campos exauridos de petróleo ou gás, em aquíferos e em cavidades construídas em domos ou camadas de formações de halitas. O desenvolvimento de uma armazenagem geológica de gás em um reservatório depletado pertence apenas ao setor de petróleo e gás ou, de uma maneira mais ampla, ao setor de energia, fazendo com que regulações que disciplinem sua implantação e operação sejam predominantemente debatidas e instituídas por participantes desse único setor. Quando se avalia, por exemplo, se um determinado campo produtor de hidrocarbonetos deve seguir extraindo hidrocarbonetos ou se é economicamente mais viável convertê-lo em uma estocagem subterrânea, ambas as alternativas pertencem apenas à indústria de petróleo e gás e são regulamentadas pelo mesmo órgão regulador, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), conforme a Lei n° 14.134, de 8 de abril de 2021, a “Nova Lei do Gás”, e a Lei n° 9.478, de 6 de agosto de 1997, a “Lei do Petróleo”. Já a estocagem em aquíferos e em cavidades de sal, categorias especialmente empregadas quando uma determinada localidade não conta com reservatórios que concluíram o ciclo de vida dedicado à atividade de produção de hidrocarbonetos, ocorre em formações que potencialmente podem servir a outros setores da economia: enquanto o primeiro faz parte dos recursos hídricos nacionais, sendo útil às mais diversas atividades, o segundo é afeto ao setor de mineração. Nesses casos, os usos alternativos à estocagem de gás dessas formações geológicas recaem sobre indústrias não reguladas pela ANP.
Dessa forma, o objetivo do presente trabalho consiste em identificar atribuições, leis e normas do arcabouço legal do Brasil que afetariam um agente interessado em exercer a atividade de estocagem em aquíferos ou estruturas salinas. Buscou-se evidenciar regras que seriam postas caso se identificasse uso prioritário ou concomitante da estrutura diverso do armazenamento de gás, o qual recairia sob a égide regulatória de outras instituições, além da ANP. O levantamento ora efetuado, que abarca também a literatura internacional, é relevante inclusive para a avaliação da necessidade de elaboração de regulamentos conjuntos intersetoriais, a exemplo da Resolução Conjunta ANEEL, ANATEL, ANP n° 1/1999, que trata do compartilhamento de infraestruturas entre os setores de energia elétrica, telecomunicações e petróleo.
Metodologia
Primeiramente, foram levantadas as principais regras que envolvem atividades econômicas passíveis de serem desenvolvidas em aquíferos e em formações salinas no Brasil, bem como buscou-se identificar se há normativos ou dispositivos que contenham alguma interface, ou ao menos indícios, com o setor de energia ou, mais especificamente, com o setor de combustíveis fósseis. Em seguida, avaliou-se também a experiência e a literatura internacional que considerem a interface entre diferentes setores no aproveitamento econômico dessas formações geológicas. Por fim, são propostas as interações intersetoriais mais relevantes e identificadas forças e fraquezas inerentes a elas no Brasil.
Resultados e Discussão
A exploração das formações de sal no Brasil, bem como de outras jazidas, ocorre por meio das regras estabelecidas principalmente pelo Código de Mineração, o Decreto-Lei n° 227, de 1967. A extração de sal-gema por um agente interessado é objeto de concessão de lavra, atribuição do Ministério de Minas e Energia, precedida por autorização de pesquisa, outorgada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), nos termos também da Lei 13.575, de 2017, e do Decreto n° 9.406, de 2018 (BRASIL, 1967, 2017, 2018). A extração de sal a partir de dissolução com água, por sua vez, é parte do processo de construção de uma caverna para estocagem subterrânea de gás, atividade autorizada pela ANP em quaisquer formações geológicas, conforme Lei n° 14.134, de 2021 (BRASIL, 2021).
Apesar de não serem recentes os ditames acerca da atividade de estocagem de gás, anteriormente contemplados pela Lei n° 11.909, de 2009, revogada pela “Nova Lei do Gás”, nunca houve discussões sobre os impactos dessa atividade nas de outros setores. Essa ausência era de certa forma previsível, dada a inexistência da estocagem no país. No entanto, a literatura internacional já conta com menções relevantes acerca de sinergia potencial entre a mineração e o desenvolvimento da estocagem, conforme assevera Liu. et al. (2020) ao destacar os benefícios da extração cuidadosa da halita para aproveitamento da caverna resultante como armazenamento geológico de hidrocarbonetos.
As águas subterrâneas, diferentemente das jazidas e minas e das reservas e recursos de petróleo e gás natural, pertencem aos Estados e são monitorados por estes entes federativos por meio de seus órgãos ambientais (ANA, 2021; BRASIL, 1988; CETESB, 2019). As regras e normas brasileiras tratam predominantemente da proteção e preservação das águas subterrâneas, das classificações da qualidade e usos dessas águas para diferentes finalidades (CONAMA, 2008). Não foram encontradas referências normativas que indicassem a possibilidade aproveitamento de aquíferos concomitante ao exercício de alguma atividade do setor de petróleo e gás natural.
A experiência internacional atinente à regulação do armazenamento geológico traz exemplos da necessidade de monitoramento dos aquíferos para sua preservação inclusive quando a atividade é exercida nos tradicionais campos depletados. Nos Estados Unidos, a Environmental Protection Agency (EPA) restringiu o uso de aquíferos que sirvam ao consumo humano ou à agricultura (CONFORT, 2015). De fato, a estocagem em aquíferos é a que apresenta os menores índices de crescimento no mundo, tendo em vista as questões ambientais, além de seu alto custo.
Conclusão
Os resultados preliminares evidenciaram que a regulação intersetorial é mais premente no caso da estocagem de gás natural realizada em cavidades construídas em domos ou camadas de sal. Verificou-se potencial sinergia na regulação conjunta entre os setores de mineração e de energia, mais especificamente o de gás natural, conforme evidencia a literatura internacional. No Brasil, são pontos fortes para a discussão e a regulamentação intersetorial da atividade de estocagem subterrânea de gás em cavidades de sal o fato de tanto o Código de Mineração como a “Nova Lei do Gás” atribuírem competências a entes federais, que têm atuação em todo o país, bem como o fato de as diretrizes políticas para os setores minas e energia serem historicamente emanadas por um mesmo órgão da administração pública federal, o Ministério de Minas e Energia.
Já para a estocagem geológica de gás natural em aquíferos, preliminarmente foi verificado potencial menor para a construção de regulamentos intersetoriais, entendidos como aqueles que disciplinam o exercício sequencial, ou concomitante, de atividades de mais de um setor. A experiência internacional tem foco maior na proteção dos corpos hídricos e não foram identificados regulamentos que considerassem uso de aquíferos para armazenamento de hidrocarbonetos cujas águas pudessem ser aproveitadas para consumo humano ou para a agricultura. No Brasil, também não foram percebidas normas que tolerassem o uso de aquíferos, com águas próprias ao uso, para o exercício de atividades potencialmente poluidoras. Dessa forma, espera-se que o uso dessa categoria de formação geológica para a estocagem ocorra apenas se as águas não forem servíveis para atividades de outros setores.
Referências Bibliográficas
ANA, 2021. Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Órgãos Gestores. Disponível em https://www.ana.gov.br/gestao-da-agua/sistema-de-gerenciamento-de-recursos-hidricos/orgaos-gestores/orgaos-gestores. Acesso em: 23 mai. 2021.
BRASIL, 1967. Decreto-Lei 227, de 28 de fevereiro de 1967. Código de Mineração.
BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05/10/1988.
BRASIL, 2017. Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017. Cria a Agência Nacional de Mineração (ANM); extingue o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e dá outras providências.
BRASIL, 2018. Decreto n° 9.406, de 12 de junho de 2018. Regulamenta o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, a Lei nº 6.567, de 24 de setembro de 1978, a Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989, e a Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017.
BRASIL, 2021. Lei n° 14.134, de 8 de abril de 2021. Dispõe sobre as atividades relativas ao transporte de gás natural, de que trata o art. 177 da Constituição Federal, e sobre as atividades de escoamento, tratamento, processamento, estocagem subterrânea, e dá outras providências.
CETESB, 2019. Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Qualidade das Águas Subterrâneas no Estado de São Paulo, Boletim 2019.
CONAMA, 2008. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução CONAMA n° 396, de 3/4/2008. Dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento das águas subterrâneas.
CONFORT, M.J.F., 2015. Fundamentos e Modelagem da Evolução da Estocagem Geológica de Gás Natural no Mundo e no Brasil. 308 f. Tese (Doutorado em Ciências). EQ/UFRJ. Rio de Janeiro.
LIU, W., ZHANG, X., FAN, J., LI, Y., WANG, L., 2020. Evaluation of Potential for Salt Cavern Gas Storage and Integration of Brine Extraction: Cavern Utilization, Yangtze River Delta Region. In. Natural Resources Research, Vol. 29, No. 5, October 2020. https://doi.org/10.1007/s11053-020-09640-4.
Área
Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural
Instituições
ANP - Rio de Janeiro - Brasil
Autores
MARIO JORGE FIGUEIRA CONFORT