XII Congresso Brasileiro de Regulação e 6ª Expo ABAR

Dados do Trabalho


Título

ESTOCAGEM DE GAS NAS AMERICAS: REGULAÇAO TECNICA E INSPIRAÇOES PARA O BRASIL

Resumo

Ainda inexistente no Brasil, a estocagem subterrânea de gás natural é uma atividade já centenária em países da América Anglo-Saxônica, região onde surgiu essa tecnologia fundamental para o adequado funcionamento dos mercados de gás. Os Estados Unidos da América e o Canadá, países pioneiros, possuem vasta experiência na regulação de aspectos relacionados à proteção ambiental e à segurança operacional de instalações de estocagem e, certamente, são potenciais fontes de inspiração para o Brasil, cujo novo marco legal para o gás, a Lei n° 14.134, de 8 de abril de 2021, trouxe destaque ao tema. Dessa forma, foram levantadas as características dos principais dispositivos legais e regulatórios vigentes nesses países e suas unidades federativas, bem como regulações adotadas na Argentina, única nação latino-americana que possui instalação de estocagem. Preliminarmente, verificou-se que a avaliação da segurança dos gasodutos associados à armazenagem, e dos seus poços é o principal foco dos regulamentos abordados, principalmente após o incidente ocorrido em 2015 no sítio de Aliso Canyon, na Califórnia. Os resultados encontrados foram comparados com as características da regulação brasileira existente para a indústria de óleo e gás.

Palavras Chave

Gás Natural. Estocagem Subterrânea de Gás Natural. Regulação Técnica. Segurança. Meio Ambiente.

Introdução/Objetivos

A estocagem subterrânea de gás natural, também denominada estocagem geológica, constitui um serviço pelo qual a demanda de gás, variável ao longo do ano, é ajustada à oferta, geralmente constante, principalmente quando a produção nacional representa significativa parcela das fontes de suprimento. Essa atividade, recentemente definida pela Lei n° 14.134, de 8 de abril de 2021, a “Nova Lei do Gás”, ainda não existe no Brasil, mas já é centenária na América Anglo-Saxônica, pioneira no desenvolvimento da tecnologia. Os EUA, com sua capacidade útil de estocagem de aproximadamente 130 bilhões de m³, são de longe o líder no setor, e, em conjunto com o Canadá, cuja capacidade de 27 bilhões de m³ é a quarta maior do mundo, concentram sozinhos quase 40 % da capacidade global. (Brasil, 2021; CER, 2018; Confort, 2015; EIA, 2021). Por esses motivos, avaliar aspectos atinentes à segurança operacional e à proteção ambiental, levados em conta na regulação técnica da estocagem geológica de gás natural nos países americanos, é fundamental para países que consideram implantar instalações de estocagem subterrânea, como o Brasil. Dessa forma, o objetivo principal do presente trabalho consiste em levantar as regulações técnicas adotadas nas Américas de forma a apontar temas que sirvam como inspiração para reguladores e players do setor de estocagem no Brasil.

Metodologia

Para levantamento das regulações técnicas, foram escolhidas as esferas federais dos Estados Unidos e Canadá, além de seus estados e províncias. Dos EUA, além dos aspectos regulatórios da Federal Energy Regulatory Commission (FERC) e da Pipeline Hazardous Materials Safety Administration (PHMSA), foram considerados os seguintes estados como fonte de pesquisa, em ordem decrescente de capacidade de armazenamento: Michigan, Texas, Louisiana, Pennsylvania e Califórnia, unidades federativas que, fossem países independentes, estariam posicionados entre os líderes do setor no mundo. Do Canadá, foram consideradas as regras de Alberta e Ontário, centros respectivamente produtores e consumidores de gás natural. Além desses, foram consideradas também as regras da Argentina, única nação da América Latina que possui sítio de armazenamento. Em seguida, os aspectos e temas levantados foram relacionados com aqueles abarcados para a indústria de gás natural no Brasil.

Resultados e Discussão

Resultados preliminares mostraram o papel decisivo do incidente de Aliso Canyon na edição do Pipeline Act de 2016, ato legal editado pelo Congresso dos EUA que atribuiu à PHMSA a responsabilidade pela elaboração de requisitos mínimos de segurança para sítios de estocagem do país (EUA, 2016; PHMSA, 2020). Foram adotadas também as seguintes práticas recomendadas pela American Petroleum Institute (API): a API RP 1170, “Design and Operation of Solution-mined Salt Caverns Used for Natural Gas Storage” e API RP 1171, “Functional Integrity of Natural Gas Storage in Depleted Hydrocarbon Reservoirs and Aquifer Reservoirs”. Válido destacar que antes do acidente de Aliso Canyon, não havia regulações federais nos EUA afetas à segurança que se referissem diretamente às estocagens subterrâneas de gás natural. Já a FERC, agência federal que regula aspectos econômicos do transporte e estocagem interestaduais, realiza análises técnicas com foco na proteção ambiental. Em relação às unidades federativas dos Estados Unidos consideradas, verificou-se preliminarmente que: (i) no Michigan, há a possibilidade de obtenção de certificado de conveniência pública e necessidade e, para concedê-lo a uma estocagem, a Michigan Public Service Commission (MPSC) deve avaliar a segurança do campo para o armazenamento (Michigan, 1973); (ii) no Texas, a regulação é fortemente focada em segurança, mas também inclui determinações para a proteção ao meio ambiente e o aproveitamento de recursos (Texas, 2012); (iii) na Lousiana, foram adotadas as práticas API RP 1170 e 1171 pela regulação local, também fortemente focada em segurança e proteção de fontes de água potável. A Commissioner of Conservation of the State of Louisiana deve evidenciar que o valor da estocagem é superior à produção dos hidrocarbonetos remanescentes (Louisiana, 2006); (iv) na Pennsylvania, há uma série de exigências relativas às instalações de estocagem focadas nos poços e na prevenção de vazamentos (Pennsylvania, 2012); e (v) na Califórnia, a regulação estadual, fortemente influenciada pelo vazamento em Aliso Canyon, prescreve diversos requerimentos voltados à avaliação e ao monitoramento da segurança das estocagens subterrâneas do estado, também com ênfase nos poços (Rice & Bowe Jr., 2018).
A regulação da estocagem no Canadá é predominantemente provincial. Em Ontário, o Ontario Energy Board (OEB) impõe condições de segurança e meio ambiente para a aprovação das instalações de superfície, inclusive gasodutos. Na província de Alberta, é necessária a obtenção de licença para perfuração de um poço de injeção/retirada, a ser expedida pelo Alberta Energy Regulator, após avaliação de questões de segurança e conservação ambiental (ICLG, 2021).
Na Argentina, a regulação da estocagem é predominantemente federal e está a cargo do Ente Nacional Regulador del Gas (ENARGAS). Em 7 de novembro de 2019, a ENARGAS, por meio da Resolução 722, aprovou o Regulamento para a Armazenagem de Gás Natural, o qual traz disposições técnicas afetas à segurança, para concessão de habilitação como armazenador (ENARGAS, 2019).
No Brasil, com base na “Nova Lei do Gás”, cabe à ANP definir os requisitos regulatórios econômicos e técnicos que visarão à garantia do exercício da atividade em condições seguras. As regras atualmente existentes para o setor de petróleo e gás no Brasil, especialmente a Resolução ANP n° 52, de 2015, e a Resolução ANP n° 17, de 2015, são semelhantes à regulamentação argentina, em termos de conteúdo, ao demandarem diversas documentações para o exercício da atividade. Além disso, há no Brasil uma série de regulamentos técnicos editados pela ANP para diversos elos da cadeia da indústria, mas ainda não há previsões específicas para a estocagem subterrânea. A experiência americana referente à regulação técnica da estocagem também destaca a preocupação com a conservação dos recursos ainda a serem produzidos, que possivelmente no Brasil ficaria a cargo da regulação federal. A conservação dos recursos naturais, especialmente corpos hídricos, estaria sujeita aos órgãos ambientais brasileiros.

Conclusão

Apesar de o Brasil já contar com vasta experiência na regulação e fiscalização do cumprimento de exigências para a proteção ambiental e para a garantia da segurança e integridade de instalações do setor de petróleo e gás, naturalmente ainda há carência de conhecimento específico sobre a estocagem subterrânea de gás, atividade ainda inexistente, mas fundamental para o salutar desenvolvimento do setor de gás natural no Brasil. Ao se debruçar sobre as regras emanadas pelos países e unidades federativas selecionados, o presente trabalho contribui para identificar e apontar aspectos fundamentais observados no Canadá e EUA, onde o setor de estocagem é pioneiro e, ao mesmo tempo, o mais dinâmico do mundo, com desenvolvimento constante de novos sítios e elevado número de agentes econômicos atuantes. Adicionalmente, o trabalho também traz a experiência da Argentina, recente, próxima ao Brasil e pioneira na América Latina. Os aspectos observados e elencados no presente trabalho são fundamentais para construção de futuros regulamentos e também para direcionar futuras análises de projetos de proponentes interessados em exercer a atividade de estocagem no Brasil.

Referências Bibliográficas

BRASIL, 2021. Lei n° 14.134, de 8 de abril de 2021. “Nova Lei do Gás”. Dispõe sobre transporte e estocagem subterrânea de gás natural, dentre outras atividades.
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CONFORT, M.J.F., 2015. Fundamentos e Modelagem da Evolução da Estocagem Geológica de Gás Natural no Mundo e no Brasil. 308 f. Tese (Doutorado em Ciências). EQ/UFRJ. Rio de Janeiro.
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Área

Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural

Instituições

ANP - Rio de Janeiro - Brasil

Autores

MARIO JORGE FIGUEIRA CONFORT