Dados do Trabalho
Título
UMA BREVE ANALISE COMPARATIVA SOBRE A CONSOLIDAÇAO DA DEMOCRACIA E DA REGULAÇAO EM PORTUGAL E NO BRASIL
Resumo
Primeira República, Estado Novo, golpe, ditadura, revolução, redemocratização, Nova República, criação das agências reguladoras nos anos 90: de quem estamos a falar? De Portugal ou do Brasil? De ambos. Observando-se a evolução histórica política, democrática e regulatória das duas nações, podem-se encontrar traços de que, apesar da distância geográfica e das diferenças conceituais, os dois países trilharam fases muito parecidas.
Na comparação entre Portugal e Brasil, torna-se necessário avaliar o processo de democratização de ambas as nações, que partiram de regimes autoritários e, hoje, encontram-se na categoria de democracias (“estáveis”, no caso de Portugal, e “em consolidação”, no caso do Brasil).
Também é preciso considerar o processo de criação das agências reguladoras, que foram estabelecidas em ambas as nações nos anos 1990, época da modernização o papel do Estado (12 autoridades regulatórias em Portugal e 11 no Brasil, em nível federal). A atualização das leis de criação dessas agências são de 2013 (Portugal) e 2019 (Brasil). Este trabalho, ao efetuar uma breve análise comparativa, adota o seguinte marco zero: 1889 para o Brasil e 1910 para Portugal, isto é, datas das proclamações da República.
Ao final, concluiremos que, parecidos em muitos aspectos, mas diferentes em outros, a caminhada da democracia e do fortalecimento da regulação em Portugal e no Brasil correm no mesmo tempo e na mesma velocidade, e hoje, encontram-se em pé de igualdade institucional.
Palavras Chave
Regulação. Democracia. Consolidação democrática. Transição democrática. Modernização do Estado. Política. Agências reguladoras.
Introdução/Objetivos
O presente trabalho analisará a questão da democracia e da regulação setorial em Portugal e no Brasil, buscando ressaltar as semelhanças e as discrepâncias. Para tanto, o livro “Problems of Democratic Transition and Consolidation”, de Juan Linz e Alfred Stepan, será tomado como principal referência, pois diz respeito diretamente ao tema. Linz é referência internacional nos estudos sobre autoritarismo e Stepan é um dos principais estudiosos dos regimes sul-americanos, em especial o brasileiro. Com o acréscimo de outros autores citados nas referências bibliográficas, será incluída a dimensão regulatória.
Na comparação entre Portugal e Brasil, torna-se fundamental avaliar o processo de democratização de ambas as nações, que partiram de regimes autoritários e, hoje, encontram-se na categoria de democracias (“completa” para Portugal e “restrita” para o Brasil). O movimento de redemocratização no Brasil, por exemplo, seguiu o que foi designado por Samuel Huntington (1994) como “Terceira Onda”, que havia começado em 1974 com o fim da ditadura salazarista em Portugal, estendendo-se aos países da América Latina, Ásia e Leste Europeu.
Com as limitações naturais de um trabalho introdutório, pretende-se aqui analisar a caminhada democrática e regulatória de Portugal e do Brasil nas últimas décadas, desde a mais recente redemocratização. Para definir um período de comparação, será feito um recorte institucional nas datas equivalentes à proclamação da República em ambas as nações, e de lá para cá, até 2021. Esse corte temporal permitirá concluir que, embora haja diferenças entre os dois países, há muitas similitudes além das raízes culturais e linguísticas que unem as duas nações.
Analisando-se ao pé da lei a realidade de Portugal e do Brasil, pode-se afirmar que ambos os países são “democráticos e de Direito”, como preconizado nas duas Constituições, e que reúnem as condições elencadas por Norberto Bobbio ao classificar as democracias na atualidade. O conceito de democracia varia de acordo com a abordagem dos autores clássicos (Levitsky & Ziblatt, Bobbio, Rancière, Weber, Rosenfield e Castells, entre vários outros), que adotarão perspectivas distintas, focos até contraditórios, mas sempre coincidirão nos princípios basilares: representação, legislação e satisfação da população.
No caso de Portugal, as agências foram criadas pela Lei nº 67/2013, chamada de “Lei-quadro das Entidades Reguladoras em Portugal”, cujo artigo 3º define as 12 agências nacionais de regulação: Autoridade da Mobilidade e Transporte (AMT), Autoridade da Concorrência, Autoridade Nacional da Aviação Civil (Anac), Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Entidade Reguladora da Saúde (ERS), Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P. (IMPIC).
No Brasil, o artigo 2º da Lei nº 13.848/2019, intitulada “Lei Geral das Agências Reguladoras no Brasil”, estabelece as 11 agências federais de regulação: Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Agência Nacional de Águas (ANA); Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq); Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); Agência Nacional do Cinema (Ancine); Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); e Agência Nacional de Mineração (ANM).
Metodologia
Serão estudadas as linhas gerais do arcabouço jurídico e constitucional de Portugal e do Brasil, a história de ambas as nações, os avanços na regulação setorial e a situação atual, tanto no aspecto democrático quanto no regulatório. Para tanto, será adotada a ferramenta da revisão da bibliografia, com o debate a respeito de autores renomados em termos de política e regulação dos dois países lusófonos. Pretende-se, ainda, comparar algumas questões relacionadas à Teoria da Regulação vis-à-vis às teorias políticas clássicas, bem como os impactos do debate sobre opções regulatórios no âmbito do Poder Legislativo de ambos dos países (Congresso Nacional, no Brasil, e Assembleia da República, em Portugal).
Este trabalho técnico que pretendemos apresentar no Congresso da Abar insere-se num contexto bem mais amplo. Sou doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa (2020-2024), e nosso desejo é o de elaborar uma tese com a seguinte temática: “Delegação contestada: até onde vai o grau de interferência política dos Parlamentos nas decisões dos reguladores? Um estudo comparado ente Portugal e Brasil para o setor de telecomunicações”. Assim, este trabalho que ora submetemos propõe-se, também, estudar a interação entre o poder político e as agências reguladoras no Brasil e em Portugal, com enfoque em decisões governamentais e processos legislativos que visam rever, vetar ou modificar decisões regulatórias, pois tal análise representa o amadurecimento (ou não) da democracia e da regulação.
Este trabalho também discorrerá, ainda que superficialmente, sobre os temas que fundamentam a regulação clássica (autonomia, independência, transparência, governança, controle social, privatização, aspectos jurídicos, poder normativo, captura e accountability), além das interfaces políticas ao redor da regulação, em Portugal e no Brasil. Os autores citados nas referências bibliográficas, quer sejam brasileiros ou portugueses, contribuirão sobremaneira para a discussão desse tema.
Ao final do trabalho, será apresentada uma tabela (linha do tempo) que mostrará alguns marcos históricos, políticos e regulatórios, comparando os seguintes períodos: Portugal, desde 1910, e Brasil, desde 1889 (épocas em que ambos os países se converteram em Repúblicas). Essa tabela é um resumo deste trabalho, ratificando todos os argumentos que serão apresentados.
Resultados e Discussão
Pode-se iniciar o debate com a seguinte pergunta: por que discutir a regulação e a democracia em Portugal e no Brasil? Bem, temos aqui uma justificativa bem ampliada, de caráter científico. Essa abordagem tem a ver com os dois países, que tiveram uma trajetória de democratização semelhante, mas com resultados diferentes; que partilham de uma cultura administrativa que “olha com suspeita” para entidades independentes regulatórias; cujos agentes atuam em ambos os mercados (Anatel brasileira e Anacom portuguesa, que regulam o setor de telecomunicações); que há uma diferença significativa entre os dois sistemas: enquanto no Brasil a interferência política tem se verificado mais ao nível do Legislativo, em Portugal essa faz-se sentir sobretudo ao nível do Executivo, por exemplo.
Ao revisitar a literatura clássica sobre regulação e teoria democrática, pretende-se comparar a caminhada dos dois países e traçar pontos comuns e divergentes, especialmente no âmbito das agências reguladoras federais. A tabela comparativa que estará ao final do texto demonstrará, na linha do tempo, essas similitudes e diferenças. Neste trabalho, nosso desejo é o de explicar que ambos os países tiveram caminhos semelhantes, tanto em aspectos políticos (proclamação da República, épocas ditatoriais e redemocratização) quanto regulatórios (criação das agências de regulação nos anos 1990). Cremos que a principal contribuição deste trabalho técnico seja o de, justamente, apresentar aos brasileiros um pouco da realidade portuguesa, e, quem sabe, podermos aprender mais e trocar experiências.
Conclusão
Os países do sul da Europa (Portugal entre eles), como apontado na literatura em Ciência Política, são hoje democracias consolidadas (Mény, 2020) que partiram de um ponto semelhante ao do Brasil, ou seja, de um regime autoritário e com um índice de desenvolvimento inferior à média dos países europeus. Os autores apontam que tanto Brasil quanto Portugal ultrapassaram fases autoritárias e pouco democráticas ao longo do século XX, e atingiram, ainda que em graus distintos, um patamar elevado em termos democráticos e regulatórios.
Evidentemente, há diferenças e semelhanças entre as duas nações, as quais precisam ser analisadas dentro de um contexto socioeconômico e político mais específico. Vários especialistas registram, com competência, as sutilezas de cada país, avaliando que ambos viveram, quase que simultaneamente, processos de transição/consolidação democráticas e de fortalecimento do aparato regulatório. Este trabalho demonstrará essa caminhada comum.
É importante referenciar que o fenômeno regulatório é recente em ambos os países (anos 1990), assim como a redemocratização (anos 1970 e 1980). Muito mais recente é a interação das agências reguladoras com o processo parlamentar, tema ainda pouco explorado e conhecido. O benefício para a qualificação do debate democrático em ambos os países é significativo: o potencial é nada menos que melhorar a qualidade e a legitimidade da entrega de um serviço regulatório exercido com rigor, representatividade e eficiência aos cidadãos brasileiros e portugueses.
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Área
Temas Transversais: Aspectos Jurídicos e Institucionais da Regulação; Transparência e Controle Social; Melhoria da Qualidade da Regulação; Governança Regulatória; Análise de Impacto Regulatório
Instituições
Anatel - Distrito Federal - Brasil
Autores
RENATO LIMA DE OLIVEIRA