Dados do Trabalho
Título
TARIFAS SOCIAIS NA UNIVERSALIZAÇAO DO ACESSO A AGUA: ANALISE DA REGULAÇAO
Resumo
O presente trabalho técnico científico tem o intuito de analisar as políticas públicas em matéria de modicidade tarifária e sua relação com a universalização do acesso à água potável e tratada no Brasil. O país tem indicadores referentes ao acesso à água inferiores aos previstos na meta de desenvolvimento sustentável n. 6 da Agenda 2030, neste sentido, a Lei n. 14.026/2020 traz inovações jurídicas e de competência regulatória, e seu principal fundamento é a universalização do acesso à água potável de qualidade. A análise será voltada para as populações vulneráveis residentes em regiões com alta concentração de localidades de pequeno porte, núcleos urbanos informais e informais consolidados, que tem capacidade contributiva notoriamente abaixo de outras regiões do país. Para a verificação desta relação, o artigo utiliza dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento e os métodos bibliográficos e estatístico. Como resultado, verificou-se que grande parte das agências reguladoras de saneamento básico no Brasil dispõem de mecanismos de políticas públicas em matéria tarifária, ou seja, tarifas sociais, populares, isenções totais ou parciais para usuários de baixa renda, sujeitas a critérios como renda, inscrição em programas sociais, consumo e dimensões da moradia. Entretanto, não foi possível estabelecer ligação entre a existência de tarifas sociais e o grau de universalização ou não do acesso á água potável e tratada, razão pela qual aponta-se a necessidade de aprofundamento nos estudos do tema e um novo viés para a pesquisa proposta
Palavras Chave
Políticas Públicas, Tarifa, Água, Universalização, Regulação
Introdução/Objetivos
A universalização do acesso à água potável e de qualidade no Brasil é requisito indispensável para a satisfação da qualidade de vida dos cidadãos. Entretanto, os indicadores brasileiros referentes ao acesso à água no país demonstram que este se dá de maneira desigual pelo território nacional, é o que encontra-se exposto no Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento, de 2019, enquanto a macrorregião Norte indica atendimento com rede de água para apenas 57,5% (cinquenta e sete vírgula cinco por cento) dos domicílios, a macrorregião Sudeste consegue atender 91,1% (noventa e um vírgula um por cento) dos seus domicílios. (SNIS, 2019, p. 63).
Diante de dados tão discrepantes e representativos de um desequilíbrio que pode colocar em xeque o êxito do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n. 6, da Agenda 2030, elaborado pela ONU, é necessário identificar políticas públicas para garantir o sucesso no referido ODS.
Em comparação com o Chile, país com o maior índice de desenvolvimento humano na América Latina1, o índice de acesso à água potável alcança 99% (noventa e nove por cento) da população do país, conforme dados da UN Water – Integrated Monitoring Initiative for SDG 6.2
Enquanto isso, no Brasil, apenas 97,2 % (noventa e sete vírgula dois por cento) da população tem acesso à água potável gerida de forma segura (ANA, 2019, p. 15). Tamanha discrepância entre países relativamente próximos, e com realidades parecidas faz com que seja necessário levantar questionamentos acerca dos acertos e erros de cada um dos países.
Estudos apontam que o sucesso das políticas de universalização do acesso à água no país se devem ao seu esquema de subsídios voltado para a população vulnerável, por meio de um “means-tested welfare system”, ou seja, um sistema que mede a necessidade individual de acordo com a situação socioeconômica do cidadão (CONTRERAS; GOMÉZ-LOBO; PALMA, 2018, p. 2).
Desta feita, o presente trabalho pretendeu a análise das políticas públicas tarifárias utilizadas pelas principais prestadoras de serviços hídricos no país e a sua relação com o aumento de índices de universalização do acesso à água potável.
OBJETIVO DO TRABALHO
O objetivo principal do trabalho técnico científico é estudar as políticas públicas, em matéria de modicidade tarifária, aplicadas no Brasil, por prestadoras de serviços hídricos e analisar a relação de tais políticas com bons resultados na universalização do acesso à água potável.
Portanto, como objetivos secundários, destacam-se: i) a identificação de políticas públicas em matéria tarifária no ordenamento jurídico brasileiro; ii) a análise da aplicação material de tais políticas públicas, traduzidas em subsídios ou outros mecanismos de tarifa social; iii) a investigação da relação existente entre políticas públicas tarifárias e os índices de acesso à água tratada; iv) a exploração da evolução histórica do acesso à água em paralelo com a previsão de políticas públicas tarifarias.
Metodologia
Os objetivos do presente trabalho técnico científico serão atingidos por meio da combinação de diversas metodologias de pesquisa em direito, inicialmente, a questão será abordada do ponto de vista bibliográfico, visando a análise de apontamentos e pareceres científicos estabelecidos por pesquisadores que são referência na área.
A fase bibliográfica será seguida de coleta de dados através do método primário de coleta de dados quantitativos, obtidos mediante a consulta aos Diagnósticos do Sistema Nacional de Saneamento Básico (SNIS), ao Relatório ODS 6 no Brasil: Visão da ANA sobre os Indicadores (2019) e bases de dados das principais agências reguladoras e prestadoras de serviços hídricos no Brasil.
Após a coleta de dados acerca da existência e aplicação de políticas públicas, subsídios, ou tarifas sociais, os achados serão sistematizados e explicados por intermédio do método estatístico e pelo método técnico dogmático, no que concerne a interpretação de cada modalidade de modicidade tarifária.
Por fim, será estabelecida a conclusão no que diz respeito a relação de interferência ou associação entre as políticas públicas tarifárias e a universalização do acesso à água, observando-se os critérios internacionalmente estabelecidos e o desempenho do Chile nas mesmas categorias, com o emprego do método comparado em direito.
A discussão do trabalho será composta por 05 seções. A primeira seção trará uma introdução sobre o tema, bem como o levantamento bibliográfico, legislativo e regulatório das políticas públicas em matéria de tarifas sociais para o acesso de populações de baixa renda. A seção seguinte será constituída pela sistematização das prestadoras estudadas e as referentes políticas públicas tarifárias aplicadas em seu âmbito de atuação. A terceira seção será composta pelos índices de acesso à água potável, seguida, na quarta seção, pelo cruzamento dos dados e a apresentação da relação entre as políticas de acesso e o efetivo acesso à água de qualidade. Por fim, a quinta seção trará a conclusão e as considerações finais a respeito do tema tratado.
Resultados e Discussão
A pesquisa das principais políticas públicas em matéria tarifária resultou com a predominância em todo o território nacional de tarifas sociais, variando de acordo com a porcentagem da tarifa a ser abatida pelo benefício, espécie de tarifa social, e quanto aos requisitos para ser beneficiado.
Das 29 (vinte e nove) agências ou prestadoras de serviço de água, somente uma, a COSAMA não tem referência institucional à existência de tarifa social. A modalidade que predominou, encontrada em 15 (quinze) prestadoras, foi a de redução percentual no valor da tarifa. 06 (seis) prestadoras praticam uma tarifa fixa para os usuários de baixa renda, enquanto 02 (duas) contemplam modalidades de isenção total da tarifa de água, e 04 não especificaram a modalidade de política pública, apesar de atestar sua existência.
Quanto aos requisitos para receber o benefício, 04 (quatro) prestadoras avaliam somente a inserção em programa social (Federal ou Estadual), 02 (duas) concessionárias levam em conta somente o consumo da residência, 01 (uma) avalia o padrão do imóvel, e 01 (uma) avalia tão somente a renda dos beneficiários. 08 (oito) das prestadoras analisadas utilizam a combinação de 2 requisitos (por exemplo, padrão do imóvel + renda per capita), enquanto 12 prestadoras combinam três dos fatores supramencionados.
Quanto aos índices de universalização do acesso à água potável, as regiões Norte e Nordeste tem os piores indicadores e apenas 92,5% (noventa e dois vírgula cinco por cento) da população de cada macrorregião tem acesso à água potável. As regiões Centro-Oeste e Sudeste conseguem levar água potável para 99,7% (noventa e nove vírgula sete por cento) da população, e os melhores índices são encontrados na região Sul, na qual 99,8% (noventa e nove vírgula oito por cento) da população tem acesso à água potável, segundo dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento – ANA.
Ao analisar os dados do Sistema Nacional de Saneamento - SNIS, a região Norte tem 57,5% (cinquenta e sete vírgula cinco po cento) dos seus domicílios abastecidos por rede de água, o Nordeste abastece 73,9% (setenta e três vírgula nove por cento) dos domicílios do Estado, a região Centro-Oeste disponibiliza água para 89,7% (oitenta e nove vírgula sete por cento) dos seus domicílios, a região Sudeste abastece 91,1% (noventa e um vírgula um por cento) dos lares, enquanto a região Sul consegue fornecer água para 90,5% (noventa vírgula cinco por cento) dos domicílios.
Os dados obtidos nos sites institucionais das agências reguladoras, concessionárias e prestadoras, além de diagnósticos do SNIS e da ANA, apontam para a existência de políticas públicas tarifarias em quase todo o território nacional, entretanto, não é possível estabelecer relação direta de associação ou interferência entre as variáveis estudadas, quais sejam, a existência e modelo de política pública de tarifa voltada à população de baixa renda e os índices de acesso à água potável e de qualidade.
O que pode ser analisado a partir do modelo de tarifa social, relaciona-se aos requisitos a serem cumpridos pelos beneficiários. Por exemplo, o consumo mensal é um dos requisitos predominantes para a concessão das tarifas sociais, ocorre que tal requisito acaba tendo um efeito oposto ao pretendido e beneficiando residências unifamiliares, com apenas um residente, ou residências secundárias. É comum que famílias de baixa renda juntem-se no mesmo imóvel, e o consumo tende a ser superior às médias exigidas pelas concessionárias.
Além disso, muitas das residências não tem acesso à rede de abastecimento de água tratada, ou seja, mesmo que exista a tarifa social, a mesma não será gozada por usuários de baixa renda cujas residências estejam isoladas do acesso. Neste caso, é fundamental que existam políticas públicas que possibilitem a expansão das redes de acesso à água.
Destacam-se as políticas praticadas pela Companhia de Saneamento do Maranhão – CAEMA, e pela Companhia Saneamento de Goiás S/A – SANEAGO. Ambas as companhias preveem modalidades de isenção total da tarifa de água, e o requisito para o gozo do referido benefício tarifário é: participação em programa social do governo, e consumo inferior a 5m³, respectivamente. Embora o consumo de 5m³ seja difícil para núcleo familiar numeroso, famílias mononucleares de baixa renda são beneficiadas.
Negativamente, pode-se destacar a política tarifaria da Companhia de Saneamento de Manaus – COSAMA, que não prevê forma alguma de tarifa social, A inexistência de tarifa social segue em sentido contrário à previsão do artigo 22, inciso IV, da Lei 11.445/2007, que estabelece que:
São objetivos da regulação: definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos quanto a modicidade tarifária, por mecanismos que gerem eficiência e eficácia dos serviços e que permitam o compartilhamento dos ganhos de produtividade com os usuários (BRASIL, 2007) (grifo nosso).
Conclusão
Conforme mencionado na seção anterior, a relação direta entre políticas públicas de modicidade tarifária e indicadores de universalização do acesso à água tratada não puderam ser estabelecidos. Cumpre destacar que a maior parte das prestadoras de serviço implementam políticas em matéria de tarifas sociais e populares, especialmente, para residencias.
É necessário levar em conta outros fatores como: a parcela da população que tem consciência da existência de tais benefícios, aqueles que conseguem adequar-se aos requisitos estabelecidos pelas concessionárias locais e regionais, a flexibilização de tais requisitos, e o planejamento de políticas públicas que possibilitem tal flexibilização, bem como a necessidade do aumento de investimentos que propiciem uma oferta de água para localidades isoladas, como as rurais, e as irregulares, e que financiem políticas públicas para universalizar o acesso para populações de baixa renda.
Portanto, por tratar-se de uma temática extremamente atual que sofreu inúmeras mudanças com a recente Lei 14.026/2020, faz-se fundamental o amadurecimento da questão por parte da ANA, que agora tem competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento, conforme o artigo 4º-A, da Lei 9.984/2000 (BRASIL, 2000), incluindo referências sobre:
(…) regulação tarifária dos serviços públicos de saneamento básico, com vistas a promover a prestação adequada, o uso racional de recursos naturais, o equilíbrio econômico-financeiro e a universalização do acesso ao saneamento básico (BRASIL, 2000)
Assim sendo, o presente trabalho técnico-científico pretende debruçar-se, tão logo sejam editadas as supramencionadas normas de referência, sobre o tema e aprofundar a análise dos resultados obtidos, sob a luz das novas normas de referência, e trazendo à voga as variáveis aludidas no primeiro parágrafo desta seção.
Conforme todo o exposto, as políticas públicas em matéria tarifária no Brasil existem, entretanto, existem problemas relacionados ao gozo: os requisitos para concessão do benefício são exclusivistas e não contemplam a realidade dos cidadãos brasileiros, tais como: lares multifamiliares, desperdício decorrente de instalações inadequadas, falta de cobertura para localidades de pequeno porte, núcleos urbanos informais. As políticas públicas precisam evoluir neste sentido, conferir maior abrangência de modo a possibilitar a universalização do acesso à água, na forma prevista pela ODS n. 6.
Referências Bibliográficas
Agência Nacional de Águas (Brasil). ODS 6 no Brasil: visão da ANA sobre os indicadores. Agência Nacional de Águas. – Brasília: ANA, 2019.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: 1 jan. 2017.
BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978. Brasília. 2007.
BRASIL. Lei 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico. Brasília. 2020.
CONTRERAS, Dante; GOMEZ-LOBO, Andrés; PALMA, Isidora. Revisiting the distributional impacts of water subsidy policy in Chile: a historical analysis from 1998–2015. Water Policy 20. 2018
IBGE. Diretoria de Pesquisas. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico - Abastecimento de água e Esgotamento sanitário. 2017
ONU. Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento humano. Relatório de Desenvolvimento Humano. 2020
SNIS. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2019. Ministério do Desenvolvimento Regional. 2019.
UN. UN Water Integrated Monitoring Initiative for SDG 6. SDG 6 Indicator Reports. Disponível em:
Área
Saneamento básico, recursos hídricos
Instituições
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - São Paulo - Brasil
Autores
GIANLUCCA CONTIERO MURARI, JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA