Datos del trabajo


Título

COM A PALAVRA ( E A CAMERA FOTOGRAFICA): OS ESTUDANTES DE MEDICINA

Introdução

A formação médica que predominou ao longo do século XX no Ocidente foi marcada pelo paradigma biomédico. Neste, há ênfase na doença e no hospital, os outros contextos do processo saúde-doença são desconsiderados, como o social, o cultural, o histórico e o psicológico. O relatório Flexner teve grande influência na consolidação do modelo biomédico no ensino (PAGLIOSA e DA ROS, 2008). A educação médica deste período foi regida pela hierarquia mestre-aluno, assim como médico-paciente, por um construto curricular rígido, pela segmentação, especialização e pela crença de que somente o conhecimento científico era válido. A visão reducionista do paradigma biomédico consolidada pelo cientificismo e por rígidas relações de poder (ADUB et al, 2012) trouxe diversas repercussões para a educação médica, entre a quais destacam-se: uma barreira de acesso, em que por cerca de um século, a elite branca foi privilegiada no ingresso à graduação em medicina, um cuidado em saúde médico empobrecido de arte e humanidade(s), o estresse e sofrimento experimentado pelos estudantes de medicina ao longo de sua formação. A literatura científica aponta que os estudantes de medicina apresentam maior prevalência de sintomas ansiosos e depressivos do que a população universitária de outras áreas, o que impacta o desempenho acadêmico podendo levar ao abandono do curso, ao abuso de substâncias psicoativas e ao suicídio (ALVES, 2014). Apesar do sofrimento psíquico ser comum entre os discentes durante a formação médica, poucos procuram cuidado psicológico ou psiquiátrico (ROTEINSTEIN et al, 2016). O preconceito e o estigma que historicamente envolvem as questões de saúde mental funcionam como impedimentos para que o estudante de medicina busque ajuda. Silva e Ayres (2010) sugerem que há escassez de oportunidades de tematização das angústias vivenciadas pelo estudante durante a formação médica, e que tal negligência pode se reproduzir em sua prática profissional numa ausência de acolhimento do sofrimento existencial dos seus pacientes. Roberto e Almeida (2011) recomendam que se façam intervenções promotoras de bem-estar psicológico ao discente pelas entidades de educação médica. O presente estudo trouxe a experiência de uma intervenção de cuidado com a saúde mental dos estudantes de medicina que vem sendo realizada na UFRJ – Macaé intitulada Oficina do Cuidado. A Oficina do Cuidado constitui-se um espaço de reflexão e cuidado na esteira da noção antiga do cuidado de si em que não é possível cuidar do outro sem antes cuidar de si. Na Oficina do Cuidado o estudante pode refletir sobre o modo como tem vivido, pode falar do mal-estar experimentado na formação médica sem que haja censura, constitui-se um espaço afetivo que não se mostra indiferente às questões humanas (que estão para além da técnica) que envolvem a formação médica e a existência.

Objetivos

Conhecer a experiência discente de participação na Oficina do Cuidado no oitavo período do curso de graduação em medicina da UFRJ – Macaé.

Método

A ferramenta metodológica utilizada, qualitativa e participativa, o Photovoice que articula fotografia e narrativa, integra as experiências individuais dos participantes no coletivo a que pertencem, dando visibilidade e fortalecendo esta comunidade. Assim, no Photovoice, uma vez formulada a pergunta da pesquisa: Como foi a sua experiência de participação na Oficina do Cuidado?, os participantes tiraram fotografias visando respondê-la e construíram uma legenda que articulou a fotografia e a pergunta da pesquisa. Seguiram-se: entrevistas individuais, discussão em grupo das fotografias e narrativas produzidas, e a elaboração de uma síntese coletiva pelos participantes.

Resultados

A discussão dos resultados da pesquisa foi conduzida através da análise qualitativa de perspectiva fenomenológica pela metodologia Systematic Text Condensation (MALTERUD, 2012). Deste modo, as respostas à pergunta da pesquisa foram agrupadas em três principais categorias temáticas: Encontro de um espaço de acolhimento e cuidado na formação médica; Abertura à reflexão; Transformação e ampliação de possibilidades dos modos de ser e estar no mundo. Destacou-se das experiências de participação na Oficina do Cuidado, narradas pelos estudantes de medicina, o sentimento de serem cuidados, a possibilidade de serem ouvidos, de que suas vivências e sofrimentos foram acolhidos naquele espaço. A experiência de falar de si num grupo nas Oficinas possibilitou a aproximação entre os participantes, a criação e/ou fortalecimento de laços, o desenvolvimento de empatia. Os participantes nomearam o que acontece no espaço da Oficina como uma vivência de humanização na formação médica e colocaram em questão que a Oficina do Cuidado contrapõe-se, oferecendo resistência, ao modelo biomédico estritamente de ensino e saúde. A experiência de abertura à reflexão apontada pelos participantes possibilitou-lhes a conversão do olhar para si mesmos, avaliando o modo como levavam suas vidas e como se relacionavam consigo, com os outros, e com a formação médica. A partir da reflexão, afirmam que as perspectivas de olhar se ampliaram, bem como ampliaram-se as possibilidades de ser e estar no mundo e com o outro, traduzidas nas mudanças que enumeraram como efeitos de sua participação na Oficina do Cuidado. Algumas das transformações atribuídas pelos participantes como efeitos da sua participação nas Oficinas foram: 1) reencontro/reconexão consigo mesmos, afirmando que agiam como se suas identidades estivessem eclipsadas pela formação médica – a partir daí passaram a cuidar de si mesmos com prioridade; 2) permitir-se resgatar atividades abandonadas durante a formação e/ou viver outras experiências fora da curso médico; 3) estabelecimento de uma nova relação com o tempo, valorizando o presente; 4) Travar uma relação com a vida de gratidão e aceitação, estando atento ao que é simples; 5) Enfrentar os problemas com resiliência e pedir ajuda quando necessário; 6) Relacionar-se com a formação médica de modo mais livre, reflexivo e afetivo. Os participantes propuseram que a Oficina do Cuidado torne-se um componente curricular e que seja feita uma exposição com as fotos da pesquisa visando sensibilizar a comunidade acadêmica.

Considerações Finais

Conclui-se, através da experiência dos participantes, que a Oficina do Cuidado revelou-se um espaço de aprendizagem significativa, operando de modo híbrido e sinérgico em que o cuidado também forma, ancorado no modelo biopsicossocial de saúde. Transitar pela vida e pela formação médica de modo mais crítico, reflexivo e autônomo foram resultados encontrados neste trabalho.

Palavras Chave

Area

Promoção da saúde

Autores

Mônica Gomes de Andrade, Octavio Domont de Serpa Junior