Datos del trabajo


Título

A DENSIDADE HISTORICA DO ESTIGMA DA HANSENIASE DESCRITA PELA VIVENCIA DE PRECONCEITOS E RESILIENCIA

Introdução

O caráter contagioso da hanseníase, ao transbordar as fronteiras do corpo individual, parece induzir uma conexão análoga na sua vivência mais imediata. Compreende-se, assim, que, por um lado, a relação com o corpo próprio divirja de acordo com as diferentes redes de sociabilidade em que esse se posiciona, assumindo um maior ou menor grau de estigmatização e que, por outro, a experiência da igualdade ou da diferença influi na maior ou menor agudeza das respostas afetivas. Desta forma, percebemos que a maioria das pessoas que viveram o processo de segregação na Colônia Antonio Aleixo, ex-colonia de hansenianos em Manaus, ainda hoje sofre preconceitos da sociedade

Objetivos

Analisar a densidade histórica do estigma da hanseníase em meios a preconceitos e resiliência presente nos ex-internos do Leprosário Colônia Antonio Aleixo.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com utilização do método da História de Vida, coletada a partir do relato oral dos ex-internos do Leprosário Colônia Antonio Aleixo, que sofreram o processo de segregação por adquirirem a doença. A amostra foi composta por 13 pessoas segregadas no leprosário por volta de 1942 e décadas seguintes.

Resultados

Além dos indivíduos atingidos pela hanseníase não possuírem uma aceitação social, observa-se sentimentos de auto-rejeição, tanto da doença como de si próprio devido às incapacidades e deformidades. O indivíduo é estereotipado com tal rótulo social, que, de certo modo, o reduz a uma condição inferior ao padrão mínimo atribuído à condição humana. Dentre os aspectos psicossociais, encontrou-se diversos casos de ruptura do vínculo social, provocado pela segregação e favorecidos pelo aparecimento de sinais de insegurança, culpa, medo, baixa auto-estima, perda da identidade, alteração da imagem corporal devido às mutilações e sentimento de humilhação constante. Estas manifestações se deram nos mais variados espaços e situações, desde os núcleos familiares, até o espaço interno institucional. O passar dos séculos não conseguiu alterar o significado da palavra ‘lepra’ ou do ‘doente de lepra’, que continuou a ser rejeitado e temido pela sociedade. O imaginário social fortemente enraizado não possibilitou que, após a definição da doença, seu agente causador, sua terapêutica e profilaxia pusessem fim ao milenar preconceito. O termo hanseníase tentou interditar simbolicamente a palavra lepra, procurando, com isso, esvaziar o conteúdo pernicioso da imaginação pública desta enfermidade, mas a densidade histórica do estigma transpôs os mecanismos erigidos para contê-la, permanecendo, ainda, no cotidiano daqueles que dela padece: “Um dia a Doutora disse que eu não tinha mais hanseníase e eu perguntei prá ela: E o que é isso? Ela disse: São sequelas. Eu disse: Prá senhora isso é sequela, mas para os outros não, isso é lepra e nem é hanseníase” (IFS, 79 anos). As sequelas e as deformidades físicas, surgidas com a progressão da doença, são dificuldades significativas enfrentadas nas relações e na execução de atividades do cotidiano, exigindo várias adaptações pessoais. Quanto ao diagnóstico, a hanseníase tendia a lançar o indivíduo num limbo, num espaço de indefinição ontológica e existencial, causada pela incerteza quanto ao futuro, dado que as aspirações e as certezas anteriores haviam sido inviabilizadas e o aparecimento das sequelas piorava este quadro: “Eu pensava: Poxa, eu já fui discriminado na casa dos meus pais e agora o rosto está se deformando. Como eu vou ficar feio! Eu vou me matar. Amolei a faca, e quando ia dar em cima do coração eu pensei: Por que eu vou fazer isso com a minha vida? Se Deus me deu essa doença eu vou ver até onde vou chegar. Saí de lá e nunca mais pensei nisso” (JRF, 73 anos). A preocupação com a aparência corporal não é uma superficialidade sem sentido. O corpo produz sentido e exprime maneiras de ver, de tocar, de estar com os outros, de provar e provocar emoções e comunicar valores. A mudança física acarretada pela hanseníase pode ir além do corpo, transformando sua identidade e auto-conceito. Assim, o sequelado pela hanseníase pode reagir de diversas formas: “Quando eu chego num lugar fico quieto porque tenho medo da rejeição. As pessoas chegam perto porque tenho rosto perfeito, mas quando estendo a mão para cumprimentar eles veem que ela é aleijada, aí se afastam. Então, para não ser humilhada, eu espero que elas façam o que quiserem” (FPP, 66 anos). Ainda que identifiquem o estigma com as sequelas físicas provocadas pela hanseníase, os ex-internos remetem para a outra pessoa a responsabilidade pela estigmatização, fazendo-a depender menos de quem é olhado e mais de quem olha. Outros sentimentos foram evidenciados, entre eles: tristeza, sentimento de inutilidade, vergonha, culpa e constrangimento. No entanto, o sentimento mais comum a todos foi o de resiliência: “Eu sou a mais antiga de todos que moram na Colônia. Todos gostam de mim aqui e eu recebo muita visita. Eu não enxergo, nem ando, mas os meus amigos não se esquecem de mim, eles abraçam e beijam a gente, sem preconceito” (SFCL, 76 anos); “Eu pensava: se as minhas mãos entortarem, se meus pés forem perdendo os ossos, eu vou ficar louco. Mas quando foi acontecendo eu já estava acostumado. Quando alguém me pergunta hoje se eu sou feliz eu respondo: Sou, sou muito feliz, porque sou um sobrevivente da Colônia Antonio Aleixo” (A.R.S., 71 anos); “Quando a Colônia foi desativada não foi fácil, mas depois eu saí para a vida e o convívio, e vivo feliz. Eu aprendi que tenho de estar pronto para qualquer coisa” (RFS, 76 anos). Por resiliência entendemos a capacidade de responder de forma mais consistente aos desafios e dificuldades, de reagir com flexibilidade e capacidade de recuperação diante desses desafios e circunstâncias desfavoráveis, tendo uma atitude otimista, positiva e perseverante e mantendo um equilíbrio

Considerações Finais

Esses indivíduos têm vivido ao longo das suas vidas uma contingência social que, conquanto os tenha invisibilizado do espaço público, não os esvaziou enquanto sujeitos históricos. Ainda que, metaforicamente, retidos num passado de limbo, percebemos que eles construíram ativamente as suas vidas, tanto no interior da ex-colônia, quanto no seu exterior.

Palavras Chave

hanseníase; preconceito; resiliência

Area

Direitos, Justiça e Saúde

Autores

Maria de Nazaré de Souza RIBEIRO, Júlio César Suzuki, Cleisiane Xavier Diniz, Fernanda Farias de Castro, Joaquim Hudson de Souza Ribeiro