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Título

CASOS COMPLEXOS E AS NARRATIVAS DE MEDICOS RESIDENTES NA ATENÇAO PRIMARIA A SAUDE

Introdução

O método clínico que prepondera na medicina contemporânea teve sua origem no século XVII/ XVIII, à luz das ideias do Iluminismo europeu. O corpo humano tornou-se espaço de origem da doença categoricamente justificado pela anatomia. As ideias iluministas e a Revolução Francesa trouxeram grandes mudanças no pensamento europeu, que afetaram de sobremaneira as artes, política, economia, cultura e a medicina. Na medicina, essas ideias foram fundamentais para o estabelecimento do método clínico moderno. Este surge em um contexto do século XVIII, quando a metafísica e a filosofia foram substituídas pelo empirismo e o fato observado na pessoa que estava doente era mais importante que a explicação da doença. Durante o século XIX, o método clínico se aprimorou e tornou-se o principal método de ensino e aprendizagem da medicina utilizado nas escolas médicas até a atualidade. Conservou-se o modus operandi do século XVIII constituído no empirismo, privilegiando o enfoque na doença e a concentração de saber e poder nos profissionais médicos e nas instituições hospitalares. No ensino da medicina a apresentação de casos clínicos é uma ferramenta importante de ensino e aprendizagem. O caso clínico é a unidade do pensamento e do discurso, constituindo-se na principal narrativa do conhecimento médico. Apresenta uma linguagem própria pautada na racionalidade biomédica. As atividades de apresentação oral e escrita de casos clínicos, realizadas desde a formação médica, são práticas formativas, que não descrevem meramente a realidade, mas constituem formas de construí-la. A construção do paciente como um caso clínico e como um projeto médico, define as informações apreciadas como relevantes para a elaboração do diagnóstico e das decisões terapêuticas. No campo da Atenção Primária à Saúde (APS), a apresentação de casos é também um importante instrumento de ensino e aprendizagem, porém a forma hegemônica na qual e aprendido e praticado não contempla a complexidade biopsicossocial dos sujeitos envolvidos, tão valorizada na clínica da APS. A complexidade na APS se dá na interação da multimorbidade com diversos fatores de ordem econômica, social, cultural, e familiar. Sendo assim, na APS um caso clínico complexo precisa de uma outra abordagem para além da doença, pautada na racionalidade biopsicossocial.

Objetivos

Investigar as características e padrões narrativos, através de casos complexos de residentes do 1º ano de Medicina de Família e Comunidade. Analisar a apresentação e representação de casos complexos no exercício da clínica da Atenção Primária à Saúde (APS), nas narrativas de residentes do primeiro ano (R1s) de Medicina de Família e Comunidade.

Método

Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório, no qual foram realizadas entrevistas individuais a partir de um roteiro semi-estruturado de modo a estimular produção de narrativas sobre casos complexos vivenciados por médicos residentes em medicina de família e comunidade (MFC). A amostra de participantes buscou contemplar residentes sobretudo no início e final do primeiro ano (R1s) de MFC, respeitando a diversidade das características sócio demográficas previamente conhecidas como sexo e idade. Nos demais aspectos a escolha dos residentes ocorreu de maneira aleatória nas unidades de saúde das Áreas Programáticas (A.P.) 2.2 e 3.3, na cidade do Rio de Janeiro. Foram realizadas quinze entrevistas semiestruturadas até a saturação teórica da amostra, a partir da pergunta colocada pelo pesquisador: “Considerando sua experiência na residência médica em Medicina de Família e Comunidade, pense em um caso complexo e fale sobre ele, como se estivesse passando um caso para seu preceptor/professor?" Esperava-se que os residentes narrassem um ou mais casos clínicos de acordo com a escolha e entendimento dos R1s em relação aos casos complexos atendidos por eles. Ao final da entrevista foi perguntado ao entrevistado o que ele compreende por complexidade na APS e na medicina, e se há diferença entre esses conceitos. Para análise utilizamos a técnica de análise de conteúdo sendo elencadas seis categorias de análise. As categorias de análise definidas foram: Compreensão da Complexidade pelo Residente; Forma de Apresentação do Caso Clínico; Complexidade dos Casos Clínicos; Projeto Terapêutico Singular compartilhado por equipe multidisciplinar; APS como cenário para cuidados complexos e longitudinais; Emoções e reflexões acerca da complexidade na APS.

Resultados

Os médicos residentes ao narrar os casos clínicos apresentaram grande dificuldade em expressar os aspectos relacionados a vida pessoal, familiar, comunitária e as questões inerentes a doença. Apenas um dentre os quinze entrevistados narrou sobre a pessoa, sua doença e seu contexto. Todos os outros apresentaram ou a narrativa “psicossocial” ou a narrativa “biomédica” do caso clinico. A analise das narrativas também contribuiu para o conhecimento de outras características da apresentação de casos complexos na APS, e o conhecimento da perspectiva dos residentes quanto aos recursos para acessar a complexidade na APS e suas diferenças em comparação com a medicina em geral, a construção de um projeto terapêutico singular com base no empoderamento e na coordenação do cuidado e, por fim, as emoções e reflexões geradas pela complexidade dos casos.

Considerações Finais

A apresentação de casos é um instrumento de ensino na medicina, porém na forma como é ensinada, fundamentada na racionalidade biomédica, não responde às necessidades de saúde e nem à complexidade da APS. É necessário repensar a estrutura e a linguagem, considerando os aspectos da racionalidade biopsicossocial. O uso das narrativas estimula a reflexão acerca do cuidado, amplia os saberes e práticas, propiciando o encontro com a integralidade. No cenário da APS o formato da apresentação de casos clínicos deve incorporar aspectos da racionalidade biopsicossocial para contemplar a complexidade da clínica e servir de instrumento de ensino e aprendizagem para residentes e preceptores/professores.

Palavras Chave

Relatos de Casos – Narrativa – Residência – Estratégia de Saúde da Família – Atenção Primária à Saúde

Area

Saúde da Família

Instituciones

UERJ - Rio de Janeiro - Brasil, UFRJ - Rio de Janeiro - Brasil

Autores

Rafael Cangemi Reis, Cesar Orazem Favoreto, Alicia Navarro-de-Souza