Datos del trabajo


Título

A barriga erótica: interseções entre saúde, gênero, sexualidade e alimentação

Introdução

Nesta investigação pretendemos que os indivíduos homossexuais autodenominados “ursos” falem por si mesmos. Segundo pesquisas feitas nos Estados Unidos, as comunidades homoafetivas de “ursos” apresentam uma série de especificidades que as distinguem de outros coletivos“gays”. Para Wright, um“homossexual urso” pode ser e representar uma simples atitude, uma imagem de si mesmo projetada aos outros, um ícone “gay” ou todas essas construções interagindo em concordância. Entretanto, duas de suas características se destacam prontamente: barriga protuberante e pelos abundantes no corpo inteiro tentando, através desse corpo, apresentar uma figura masculina. Nesse sentido, o “urso” estabelece uma identidade contrastante com outras sexualidades ao contestar os aspectos estético-éticos de diversas comunidades homoafetivas. Buscamos aquela voz que descreve e explica, sob uma perspectiva emic, a relação entre as dimensões da sexualidade, do gênero, da alimentação e da saúde nesse coletivo. Sabe-se que as práticas alimentares não estão isoladas dos seus próprios contextos: estabelecem-se em relação às dimensões de tempo, doença, saúde, afeto, cuidado, economia e socialização; e articulam-se em rede. Um “urso”, como todo sujeito ou coletivo inseridos na sociedade, atravessa diferentes tipos de processos sociais, relacionados à alimentação, com consequências nos processos de saúde-doença.

Objetivos

Investigar neste grupo específico a diversidade de reações e atitudes diante das propostas, supostamente hegemônicas e saudáveis, quanto à alimentação e à saúde.
Entender os significados que os sujeitos atribuem à relação entre as práticas alimentares e sexuais homoeróticas assim como as suas possíveis consequências na saúde.
Compreender a lógica do processo de construção dos corpos deste grupo específico.
Observar e descrever as maneiras como dialogam e se intersectam as dimensões de sexualidade, gênero, alimentação e saúde neste coletivo.

Método

Pesquisa qualitativa de cunho etnográfico com observação não participante como estratégia de entrada ao campo e observação participante. Também se utilizaram fontes secundárias -registros etnográficos realizados por outros pesquisadores, mas não limitados a eles– nas quais se expressam as relações de sentido relativas ao nosso trabalho. Amostra de 35 pessoas. Todas elas foram entrevistadas através de duas estratégias. A primeira foi uma entrevista de historia de vida que visou entender o contexto do universo significativo dos sujeitos. A segunda foi uma entrevista semiestruturada cujo enfoque recaiu sobre uma determinada temática: a relação entre sexualidade, gênero, alimentação e saúde. Os sujeitos foram questionados quanto ao seu peso corporal e altura autoreferidos. Também foi usada a Escala de Silhuetas Brasileiras, desenvolvida e avaliada psicometricamente no Brasil, para avaliar alguns aspectos de percepção e satisfação corporal. O consumo alimentar foi estimado por meio de um questionário de frequência alimentar por grupos de alimentos.

Resultados

Os ursos se pensam a si mesmos como uma comunidade que se diferencia de outros grupos de homossexuais. Desde seu olhar, estas diferenças se estabelecem através de uma atitude masculina, um corpo gordo ou com sobrepeso e uma barriga mais ou menos protuberante -todavia sempre presente- assim como a presença de uma grande quantidade de pelos. O estado de saúde autopercebido indica uma preocupação com a saúde verbalizada através das doenças que, a futuro, podem aparecer se se mantem um peso acima do recomendado pelos profissionais com os quais eles interagem. A periodicidade dos exames de saúde apareceu como um elemento interessante, já que a maioria dos participantes da pesquisa faz pelo menos um exame de sangue por ano. No entanto, parece não haver uma relação entre esses exames e as decisões concretas no sentido de alterar hábitos alimentares. O sobrepeso é percebido como um assunto que, em vários entrevistados, provoca problemas, alguns deles sérios, na coluna, articulações, e resultados laboratoriais. As atividades físicas parecem percorrer um caminho áspero para a maioria dos entrevistados. Embora alguns participantes da pesquisa tenham uma relação não conflitiva com os centros de prática esportiva, outros parecem perceber esses espaços como lugares onde são rejeitados e vítimas da díade classificação/desclassificação, portanto desconfortáveis para frequentarem e fazerem exercícios. A ideia de peso e como esse elemento afeta o cotidiano dos sujeitos está presente na totalidade das entrevistas. Todavia e importante pensar que esse indicador parece ser vivido como um elemento identitário que perpassa a ideia numérica ordinal para se converter num rasgo diacrítico no sentido de sujeitar o individuo a certas caraterísticas que se relacionam com o caráter. Aparece como um dado relevante a revalorização de um corpo que não responda às propostas hegemônicas do dever ser da comunidade “gay”. As práticas alimentares e o consumo alimentar, em todas as entrevistas, tem um denominador comum explicitado pelos participantes: abundância. Essa abundância, no entanto, não tem necessariamente a ver com a cotidianidade. Segundo os relatos, os entrevistados não comunicam abundância alimentar no dia a dia. Porém, esta abundância se manifesta nas ocasiões em que a comensalidade entre pares acontece. Um dos desafios deste trabalho foi relevar qualitativamente a hipótese de que a população dos ursos pensa que outros coletivos de “sexualidades dissidentes” e não dissidentes comem de maneira diferente e se isso se relaciona com esses outros corpos. As entrevistas comprovaram que este coletivo pensa não somente os outros grupos como consumidores de comidas que os diferenciam mas também indicaram que a comida das “mulheres” e a dos“homens” é, e tem que ser, diferente.

Considerações Finais

Um determinado tipo de corpo, certas “práticas alimentares” e uma “masculinidade hegemônica”, entre outros aspectos, parecem construir o cenário que decidimos apresentar de forma simplificada por questões de espaço. A manutenção ou construção de um corpo que tem a ver com ou pertencimento (ou não pertencimento) a uma determinada comunidade oferece novos desafios e nos leva a refletir sobre a relação ainda pouco estudada entre a identidade de uma comunidade que pratica uma sexualidade dissidente e os profissionais de saúde. Ser urso aparece como um devir que advém de um processo social, que pode ou não estar naturalizado, e que coloca ao sujeito -muitas vezes- em um lugar de rejeição, para depois situá-lo em um espaço de aceitação. A relação entre os processos de saúde/doença presentes neste devir são relevantes para entender esta lógica na construção identitaria da comunidade.

Palavras Chave

Gênero-Sexualidade-Saúde-Alimentação-Ursos

Area

Gênero, Sexualidade e Saúde

Instituciones

Univesidade Federal de Sao Paulo - São Paulo - Brasil

Autores

Ramiro Andres Fernandez Unsain, Fernanda Scagliusi