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Título

CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DE PRODUÇÃO DE ENUNCIADO EM CAPA DE RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE A GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Introdução

No discurso biomédico, que possui legitimidade e poder de verdade na sociedade, a gravidez na adolescência é abordada como um evento preocupante e que requer medidas de prevenção. Essas ideias, dentre outras, atravessam a discussão social e científica sobre o tema, que se ocupa de suas possíveis causas e consequências – à mulher, criança, família, sociedade e ao Estado –, de medidas concretizadas e a serem adotadas, bem como de vivências e interpretações dadas ao acontecimento por diversos sujeitos. As construções são diversificadas, pois se efetivam a partir de diferentes contextos, recortam diferentes ângulos do “problema” e/ou incorporam variadas perspectivas, contudo, nelas se destaca um discurso estreitamente relacionado a verdades sociais edificadas e demarcadas – sobre o lugar da mulher na família e sociedade, a constituição da feminilidade, o ideal da maternidade e da própria adolescência – em estreita conexão com interesses e valores privilegiados. Essas verdades são construções socioculturais, políticas e históricas, mediadas pela prática discursiva, e se encontram consistentemente presentes no discurso técnico-político de organismos legitimados para falar a respeito do assunto, em nome das sociedades. Para Foucault, toda sociedade produz diferentes discursos, mas a alguns deles acolhe e faz funcionar como verdadeiros, em meio a embates políticos. Para isso, estabelece mecanismos e instâncias para distinguir enunciados “verdadeiros” de “falsos”, fixa técnicas e procedimentos para obtenção da “verdade”, bem como elege o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como “verdade”. Os vários discursos construídos e seu caráter de verdade revelam-se em enunciados específicos que os compõem e que, por suas funções no tempo e espaço, além de se manifestarem materialmente, também aparecem com um status, produzindo/anunciando “verdades”. Estas, entretanto, são colocadas em campos de utilização, isto é, os homens podem empregá-las, manipulá-las, transformá-las, trocá-las, decompô-las, recompô-las e, eventualmente, destruí-las. De tal modo, é relevante reconhecer o contexto sócio-histórico que permite a produção de “verdades” autorizadas e anunciadas por discursos hegemônicos.

Objetivos

Analisar o contexto sócio-histórico de produção do enunciado da capa do Relatório “Situação da População Mundial 2013”, elaborado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), no qual se lê: “Maternidade precoce: enfrentando o desafio da gravidez na adolescência”.

Desenvolvimento

O UNFPA, como agência de desenvolvimento internacional da Organização das Nações Unidas, identifica-se pelo trabalho de aceleramento do acesso universal à saúde sexual e reprodutiva. Legitimada pela sociedade, essa instituição é constituída de poder para enunciar um ‘problema’ e elaborar estratégias de enfrentamento. Nesse sentido, em 2013, no enunciado da capa de seu Relatório, o UNFPA promulga a gravidez na adolescência como um evento "precoce" e um “desafio a ser enfrentado”, afirmando essa “verdade” frente a outras. Enquanto construção sócio-histórica, o termo “gravidez na adolescência” é posto em cena em meados dos anos 1960/1970, em substituição aos de “mãe solteira” e “filho ilegítimo”. As adolescentes grávidas, então consideradas um problema moral para a sociedade, na nova construção discursiva revelam-se um “problema” técnico, passível de “correções” e de normatizações de especialistas, que conhecem e dominam o mesmo. A mudança do “problema” do locus moral para o técnico situa-se no contexto da medicalização da sexualidade do adolescente, concomitante ao aparecimento do debate da “gravidez na adolescência” na literatura científica. A nova terminologia demarca não apenas novos padrões de cuidado da sociedade e o tipo de atenção que se pretende dar à adolescência e à gravidez nessa fase, mas uma mudança no regime de “verdade” instituído. No Brasil, nesses anos, o pensamento da saúde pública sobre o assunto já a demarcava como problema coletivo, afirmado em ocorrências negativas na vida de adolescentes, qualificado com atributos como “epidemia” e “enfermidade”. Controlá-la vai se ancorar na afirmação generalizada de que essa experiência produz consequências como pobreza, criminalidade e violência. Não obstante, a gravidez nominada de precoce só se tornou um problema político e social dentro de uma biopolítica de poder aplicada à produção e reprodução do corpo social, que pressupôs a maternidade como um projeto planejado, tardio, preferencialmente dentro do casamento, com privilégio para o estudo e a profissionalização. Considera-se que, ao engravidar, adolescentes tornam-se mais vulneráveis ao abandono da escola e à dificuldade de entrar no mercado de trabalho, entre outros problemas. Do ponto de vista biológico, o discurso médico “oficial” situa os adolescentes como grupo vulnerável a riscos presentes no meio social, que requer cuidados e, também, controle, visto também se constituírem em risco para a sociedade, por seus comportamentos “desviantes”. Embora não se pretenda, com esta análise, desconsiderar a contribuição do discurso científico hegemônico em torno de problemas relacionados à gravidez na adolescência, almeja-se evidenciar que o mesmo, investido historicamente de teor “verdadeiro” e exclusivo, cumpre uma funcionalidade social específica, instituindo regras para o governo das pessoas, dividindo-as, examinando-as, conduzindo-as, sujeitando-as a algo, conforme interesses predominantes. Assim sendo, o problema político essencial para o intelectual não é somente criticar os conteúdos ideológicos ligados à ciência e às políticas ou fazer com que a prática seja acompanhada por uma ideologia justa; mas também saber se é possível constituir uma nova política de verdade. Nesse sentido, cabe evidenciar que, já no espaço temporal da produção da capa do relatório (2013) e em anos subsequentes apreende-se novos enunciados em torno da “gravidez na adolescência” – como escolha, projeto de vida e fenômeno que requer cuidado integral.

Considerações Finais

Esta reflexão reforça a importância da análise da produção de enunciados em sua relação com o contexto histórico. É preciso investigar o que está envolto em torno da questão da “gravidez na adolescência”, incluindo o significado social das mudanças em conceitos e práticas que cercam a adolescente. Socialmente, é necessário desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais), no interior das quais as “verdades funcionam” no momento, tendo em vista a constituição de novos espaços e estratégias políticas de constituição de verdades.

Palavras Chave

Saúde do adolescente; Gravidez na adolescência; Análise do discurso

Area

Saúde do Adolescente

Autores

Ana Maria Nunes da Silva, Nayara de Araújo Brazil Barbosa, Jonatan Costa Gomes, Edir Nei Teixeira Mandú, Tayani de Campos Rodrigues Marinho