Datos del trabajo


Título

RISCO E HIV/AIDS: A PROFILAXIA PRE-EXPOSIÇAO COMO ESTRATEGIA DE INDIVIDUALIZAÇAO REGULADA

Introdução

O surgimento dos primeiros casos de aids, na década de 1980, trouxe significativas transformações na forma de lidar com o corpo, o desejo e o cuidado de si. Apelidada, inicialmente, como câncer gay, a doença foi marcada pelo pânico generalizado, intensificou estigmas contra a população negra e homossexual e ainda hoje desafia diferentes áreas no campo as saúde. Na ausência da cura, diversas estratégias preventivas têm sido descobertas, elaboradas e ofertadas com o intuito de prevenir a epidemia, neutralizar o vírus HIV e impedir novos casos de contaminação. O Brasil, no início de 2018, passou a oferecer, pelo sistema público de saúde, a denominada Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), que integra a chamada prevenção combinada, isto é, uma combinação de diferentes abordagens de prevenção que responderiam a necessidades específicas de determinados seguimentos populacionais. A PrEP consiste no uso de antirretrovirais para reduzir o risco de adquirir o vírus causador aids, ou seja, em uma medicação direcionada aos não infectados pelo HIV como mecanismo de prevenção. Apesar dos antirretrovirais estarem disponíveis no país desde 1996, essa foi a primeira vez em que medicamentos de uso contínuo passaram a ser disponibilizados aos que não foram contaminados pelo vírus da aids, uma vez que até então somente faziam uso indivíduos em que o HIV já fora detectado no organismo.

Objetivos

Diante desse cenário, este trabalho toma como referência empírica o Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas para PrEP, publicado em dezembro de 2017 pelo Ministério da Saúde, e analisa discursivamente o seu papel no que tange a gestão de risco, definida no próprio documento como sinônimo de autonomia dos indivíduos, que seriam capazes de decidir de que forma (ou não) realizariam sua prevenção. Nesse material é possível observar a institucionalização de orientações profissionais, uma vez que se dirige aos que atuam na prevenção e controle do HIV/aids, além de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e hepatites virais. O objetivo do protocolo, portanto, é estabelecer os critérios de tratamento e monitoramento da PrEP, tornando-se um norteador das práticas de atendimento profissional.

Método

A perspectiva adotada neste estudo considera o protocolo como instrumento de categorização social de indivíduos e de determinados segmentos populacionais bem como de exercício do poder biomédico voltado para a vigilância e controle social da população exposta ao risco de infeção por HIV. Diante disso, muito além de um esquema de medicamentos capaz de prevenir novas infecções por HIV, compreendemos a PrEP como uma estratégia que integra processos mais amplos de gestão de riscos no campo da saúde, por meio de tecnologias biopolíticas que se apoiam na individualização e responsabilização dos indivíduos pelo cuidado de si.

Resultados

Através de uma etnografia documental, identificamos a maneira como o protocolo se constitui em instrumento de provisão seletiva dessa terapia preventiva, na medida em que, ao definir os grupos de risco de acordo com critérios objetivistas, passa a operar de maneira excludente para os demais sujeitos que não se encaixam nesses critérios preestabelecidos. Assim, para ter acesso aos medicamentos, é preciso que os indivíduos pertençam às categorias de gay, homem que faz sexo com homem (HSH), transexual, profissional do sexo ou sorodiscordante e, além disso, que tenham suas práticas e parcerias sexuais e contextos sociais associados àqueles considerados com maior risco de infecção por HIV. Esse medicamento preventivo, portanto, passa a ser distribuído, não em função de necessidades decorrentes das peculiaridades biográficas dos sujeitos, mas em função da sua inscrição em classificações heterônomas de risco. Além disso, percebemos também como a autonomia destacada no protocolo se torna vigiada, incidindo na liberdade dos indivíduos que, uma vez autorizados, aderem à PrEP. Isso pode ser observado tanto na vigilância para a manutenção do tratamento, que inclui um acompanhamento clínico e laboratorial com avaliações e exames contínuos, quanto às situações em que os usuários optam por abandonar o tratamento. Assim, por exemplo, em casos de desistência, o protocolo estabelece que sejam documentados tanto o status sorológico da pessoa quanto as razões para a descontinuidade do uso do medicamento e os riscos decorrentes dessa decisão.

Considerações Finais

A partir dessas considerações, compreendemos que, por mais que o protocolo defina a gestão de risco como um princípio de autogerenciamento dos indivíduos em relação ao HIV/aids, o documento parece reatualizar a orientação essencialista própria das formas inaugurais de prevenção de riscos nesta área, caracterizada pela identificação apriorística de grupos “de risco” e pela exclusão de critérios leigos e subjetivos de autopercepção e exposição voluntária a fatores de risco. Dessa forma, o protocolo parece exibir uma marca de ambivalência entre duas orientações: por uma parte promoveria a autonomia dos indivíduos para decidir como administrar a exposição a riscos mas, por outro lado, a disponibilização da terapia PrEP responderia a critérios técnicos e burocráticos que restringem o exercício dessa autonomia a determinados “grupos de risco”. Trata-se, portanto, de um tipo de tecnologia de gestão de riscos que, ao mesmo tempo, é capaz de induzir e de restringir decisões individuais, mas sempre vislumbrando a administração e proteção da coletividade.

Palavras Chave

HIV. Aids. PrEP. Risco.

Area

Gênero, Sexualidade e Saúde

Instituciones

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Santa Catarina - Brasil

Autores

Luiz Fernando Greiner Barp , Myriam Mitjavila