Datos del trabajo


Título

A INVISIBILIDADE DA VIOLÊNCIA GINECOLÓGICA NA REDE DE ATENÇÃO A SAÚDE NO OESTE DE SANTA CATARINA

Introdução

A violência contra a mulher é uma temática que durante muito tempo foi tratada apenas nas esferas do direito e da segurança pública. Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) assumiram, em diversos documentos e portarias, a questão da violência contra a mulher como um grave problema de saúde pública devido à sua grande prevalência e às consequências para as mulheres. Como forma de ampliar a compreensão sobre esse problema, os estudos no campo da saúde incorporaram o conceito de gênero, o que tem repercutido no reconhecimento de diversas formas de violência contra a mulher, inclusive as que ocorrem no contexto das instituições. O conceito de violência contra as mulheres, adotado pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, fundamenta-se na definição da Convenção de Belém do Pará, segundo a qual, a violência contra a mulher constitui qualquer ação ou conduta, baseada no gênero - no fato de ser mulher - que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, tanto no âmbito público como no privado”.1:19 Nesse sentido, as especificidades das situações de violência ocorridas no cenário da atenção em saúde às mulheres, instigou uma investigação sobre o problema, definido aqui como “violência ginecológica”.

Objetivos

Analisar situações de violência ginecológica expressas por mulheres atendidas em consultas na Rede de Atenção à Saúde (RAS) do Oeste de Santa Catarina.

Método

Estudo qualitativo, exploratório, com dados obtidos por intermédio da técnica de grupo focal (GF). O grupo foi composto a partir de uma amostragem intencional das diferentes representações de mulheres, que foram atendidas em consultas ginecológicas ofertadas por um serviço público do Oeste de Santa Catarina. Foram realizados dois encontros de GF, com a participação de nove usuárias. A somatória das experiências e percepções das usuárias reveladas no grupo possibilitou a produção de um conhecimento sobre o grupo e apoiou o processo de saturação dos dados.

Resultados

A violência ginecológica (VG) foi identificada pelas participantes da pesquisa, a partir da postura dos profissionais de saúde que fazem uso arbitrário de sua autoridade e saber no controle dos corpos das usuárias. Algumas mulheres, nessas relações, relataram ouvir dos profissionais certas frases: “a médica aqui sou eu, você não é médica, se tu não quer ouvir a minha opinião tu pega e sai”, e/ou, “você é analfabeta que não entende ”. Sobre as constantes abordagens desrespeitosas dos profissionais, uma das mulheres relatou: “tá de lua virada, trata a gente mal”. A violência presente nos serviços da rede de atenção é demonstrada pelo desrespeito à dignidade das mulheres e em relações em que há distanciamento entre profissionais e usuárias. Mais comum no cotidiano, tal distanciamento se consagra no uso de tecnologias leve-duras e duras (equipamentos, conhecimento técnico científico) para o desenvolvimento das ações de cuidado, em detrimento de tecnologias leves, ou seja, as que se baseiam no estabelecimento de vínculo e acolhimento. Para as mulheres, o atendimento assim é “impessoal e rápido”. Algumas disseram que os profissionais valorizam mais o resultado do exame laboratorial e/ou imagem, flagrante na fala de uma delas ao relatar sua experiência em um atendimento: “ele examinou o papel”. Esses elementos fazem crer que, apoiados apenas pelas tecnologias duras, os profissionais objetificam as mulheres e seus corpos, favorecendo a ocorrência de violência institucional. Ao que parece, os profissionais de saúde, ainda provocam sentimentos de inferiorização e desvalia nas usuárias, como ilustra a fala: “[...] o que nós significamos para eles, nada”. Outro exemplo é o desrespeito à preservação da intimidade e privacidade das mulheres nos momentos em que precisam se desnudar durante a consulta: “me deixou de pernas erguidas na mesa e saiu para tomar café, não deixou nada sobre meu corpo”. Essa condição produz inseguranças, tensões, ansiedades e impotência nas mulheres, fragilizando-as ainda mais. Destarte, as usuárias reconhecem o desrespeito, a indiferença, o tratamento grosseiro, mas não os nomeiam como violência institucional. Para elas, são atitudes inerentes aos profissionais desses serviços e, para lidar com essa realidade, aguardam pacificamente a substituição do profissional de saúde por outro para retornarem ao serviço, como ilustra a fala: “[...] fiquei dois anos e meio sem fazer o preventivo, voltei quando trocaram o profissional de saúde”. A violência ginecológica é uma realidade em muitos serviços de saúde, nos quais operam profissionais pouco sensíveis à dimensão social e subjetiva do cuidado em saúde. Abordagens desse tipo não apenas violam os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaçam o direito à vida, à saúde, à integridade e a não discriminação. Logo, podemos ver que a violência institucional, representada pela violência ginecológica, parece estar presente de forma consistente em serviços de saúde no Oeste Catarinense, uma vez que nesse cenário verificou-se atitudes apelativas ao autoritarismo e assimetria nas relações estabelecidas entre profissionais e usuárias. O desrespeito e a agressividade nas atitudes passam a ser banalizados pelos atores que compõe esse cenário. A legitimação do saber técnico científico e o poder de que se investem os profissionais pela detenção desse saber, pode explicar em parte a invisibilidade da situação e a constante exposição das mulheres à violência ginecológica.2

Considerações Finais

A violência ginecológica evidenciou-se na imposição do saber profissional que deslegitima o saber vivenciado pelas mulheres; na fragilização dos vínculos de confiança que resulta na desvalorização da sua subjetividade; e em intervenções que violam a intimidade e resultam em manipulação desnecessária dos seus corpos. Tal contexto revela a banalização da violência ginecológica que, dissimulada por boas práticas baseadas no saber técnico-científico, é invisibilizada no cotidiano de atenção à saúde das mulheres.

1. Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas para as Mulheres Brasília. Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Ministério da Saúde [periódico na internet], Brasília (DF). 2011 [citado 2018 maio 19]. Disponível em: http://www.spm.gov.br/sobre/publicacoes/publicacoes/2011/politica-nacional

2. Aguiar Janaina Marques de, d'Oliveira Ana Flávia Pires Lucas, Schraiber Lilia Blima. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cad. Saúde Pública [Internet]. 2013 Nov [cited 2018 May 30] ; 29( 11 ): 2287-2296. Available from:

Palavras Chave

Enfermagem; Violência Ginecológica; Rede de Atenção à saúde.

Area

Violências e Saúde

Autores

Jucimar Frigo, Dora Lucia Leidens Correa de Oliveira, Rosana Maffacciolli, Letícia Becker Vieira, Denise Antunes de Azambuja Zocche