Datos del trabajo


Título

As recomendações sobre o consumo de água no século XIX e as observações de naturalistas em viagens pelo Brasil

Introdução

Até meados do século XIX, nos tratados de medicina, prevalecia a ideia de que a água não deveria ser ingerida pura devido ao seu “grau de crueza”, sendo necessário o acréscimo de uma bebida refrigerante ou espirituosa (aguardente, sumo de frutas cítricas, vinagre ou vinho) para desencadear o “processo de animalização”, o que facilitava a sua digestão. Em “terras tórridas”, como era considerado à época o território brasileiro, também se recomendava o seu baixo consumo e sua ingestão somente durante as refeições, uma vez que o consumo excessivo de água era responsável por “suores abundantes”, má disgestão e diarreia. Os suores diminuiam a “reparação” e aumentavam as “perdas” do organismo, sendo a diarreia causada pela grande quantidade de água que passava pelo “tubo intestinal” sem ser digerida. Há de se destacar que neste período estava em curso a consolidação da medicina moderma, dando início ao movimento higienista, que por meio do conhecimento científico procurava com o seu discurso, já hegemônico, ditar regras de comportamento aos indivíduos com vistas a lhes propociar uma boa saúde. Sob este prisma os médicos da época consideravam “ignorantes” aqueles indivíduos que não seguiam os seus “ditames”.

Objetivos

O presente trabalho buscou desvelar se os naturalistas que estiveram no Brasil no decorrer do século XIX seguiam os “ditames” médicos em relação ao consumo adequado da água.

Método

Para o estudo foram utilizadas publicações médicas do século XIX e os livros de viagens dos naturalistas: Auguste Saint-Hilaire (botânico) e Johann Baptist von Spix & Carl Friedrich Philipp (médicos com formação final em zoologia e botânica, respectivamente), sendo realizada análise documental.

Resultados

As análises dos livros apontaram que estes naturalistas, ao permanecerem em nosso país, não seguiram os “ditames” estabelecidos pela medicina da época. Spix & Martius, na página 60 do livro pesquisado, comentam: “Aconselharam-nos a tomar água com vinho e cachaça; somente servem com vantagens esses meios, quando se faz pouco exercício à sombra, pois o violento afluxo do sangue à cabeça, durante as viagens, quando nos expúnhamos muito ao sol, nos proibiu, sobretudo no primeiro ano, o uso de qualquer bebida espirituosa [alcoólica]; refrescávamo-nos, portanto, de preferência, com água fresca dos regatos, sem lhe acrescentar coisa alguma; quando nos expúnhamos de novo ao calor; nunca sofremos consequência alguma desagradável”. Entre as páginas 96 e 97 do livro pesquisado de Saint-Hilaire, encontramos as seguintes observações: “[...] É muito raro encontrar vinho em casa de fazendeiros; a água é sua bebida ordinária, e, tanto durante as refeições como no resto do dia, é ela servida em um copo imenso levado em uma salva de prata, que é sempre o mesmo para todos. Em casa de gente pouco abastarda, encontra-se, a um canto da peça denominada sala, uma enorme talha com um copo preso um cabo, e cada qual bebe por sua vez. Não existe, talvez em parte alguma do mundo, água tão deliciosa como a das partes montanhosas da Província de Minas; o calor excita a bebê-la em grande quantidade, e nunca ouvi dizer que alguém sofresse por isso”. Quando comparamos os dois relatos, podemos perceber que em ambos há uma tentativa de explicação para o não seguimento dos “ditames”: Spix & Martius utilizam de preceitos científicos e o atribuem ao “afluxo do sangue à cabeça” perante a exposição ao sol. Enquanto Saint-Hilaire o justifica a partir de uma descrição detalhada da frequência de como a água era bebida, ofertada e armazenada nas casas dos mineiros, além de fazer referência ao que levava a bebê-la – o calor. Há de se observar ainda, a concordância existente nas duas narrativas: a constatação de que beber água pura não causava nenhum transtorno a quem dela bebia.

Considerações Finais

Pelo exposto pudemos perceber que ao viverem em terras brasileiras os naturalistas, citados neste trabalho, foram levados a se confrontarem com os “ditames” vigentes à época, refletirem sobre os mesmos e refutá-los. É provável, pelo prestígio que tinham à época, que os seus escritos tenham provocado discussões entre os seus pares.

Referências bibliográficas
Franco FM. Elementos de Hygiene ou Dictames Theoreticos, e Práticos Para Conservar a Saúde, e Prolongar a Vida. Lisboa: Typografia da Academia, 1814.
Fossagrives JB. Tratado de Hygiene Naval ou da Influência das Condições Physicas e Moraes em que está o Homem do Mar. Lisboa: Imprensa Nacional, 1862.
Lisboa KM. Viagem pelo Brasil de Spix e Martius: Quadros da Natureza e Esboços de uma Civilização. Rev. Bras. Hist. 1995; 15 (3):73-9.
Maia JA. Estudos sobre Hygiene, Administração e Legislação Naval. Lisboa: Typografia Universal, 1859.
Saint-Hilaire A. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000.
Spix JB, Martius, CFP. Viagem pelo Brasil (1817-1820). v.1.Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1981.

Palavras Chave

Consumo água, história, medicina moderna, naturalistas.

Area

Alimentação e Nutrição

Autores

Nadja Maria Gomes Murta