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Título

O USO DA PESQUISA QUALITATIVA COMO ESTRATEGIA PEDAGOGICA NO CURSO DE GRADUAÇAO EM MEDICINA

Introdução

A crença na reprodutibilidade dos processos que se passam com o homem é o alicerce daquilo que Rozemberg & Minayo (2001) denominaram de reducionismo biomédico. Anuncia-se, a partir dela, a esperança de objetificação de tudo o que concerne a espécie humana, condenando, finalmente, qualquer tentativa de reflexão sobre a dimensão simbólica dos processos de adoecimento e cura ao ostracismo. Isso repercute diretamente no modo como se concebem as relações de poder entre profissionais e pacientes. Aquilo que o paciente sente, pensa e diz sobre o seu corpo seria considerado a origem de imprecisões e mal-entendidos porque só o que é dito em nome do conhecimento científico teria validade.
A crítica ao reducionismo biomédico já está relativamente bem enraizada no pensamento proposto pelo campo da saúde coletiva no Brasil. Tais discussões têm incidido de forma importante na reflexão sobre os processos de formação de profissionais de saúde. No caso particular das faculdades de medicina, muitos cursos de graduação vem incorporando, junto com o ensino do modelo biomédico, a crítica às perspectivas reducionistas sobre o corpo e os processos de adoecimento e cura.
Entretanto, os processos de formação em medicina precisam ser compreendidos não apenas como constituídos pelos objetivos pedagógicos previstos no currículo oficial, mas também por tudo aquilo que vai sendo ensinado, compartilhado e padronizado nas interações cotidianas que se dão no ambiente acadêmico e nos cenários de prática. Também é nas interações cotidianas que vai se ensinando, compartilhando e padronizando um certo modo de compreender o corpo do outro.
Quintana et al. (2008), em pesquisa qualitativa realizada em uma faculdade de medicina, apontam que, muitas vezes, os estudantes treinam certos procedimentos em atividades práticas que objetificam o corpo dos pacientes. Os mesmos autores discutem aquilo que se veicula implicitamente sobre a relação com o corpo do outro nas aulas em que se faz uso de cadáveres. Lima (2012) aponta ainda o modo como os rituais que marcam o ingresso dos estudantes no curso, promovidos pelos veteranos, realizam práticas que incidem sobre o corpo dos ingressantes e, por meio disso, reiteram uma modalidade de relação de poder entre os próprios estudantes. Diversas pesquisas qualitativas vem se deparando com situações e percepções que evidenciam a objetificação da relação com o corpo ao longo do processo de formação em medicina.

Objetivos

O presente trabalho se propõe a fazer uma reflexão sobre o uso das metodologias qualitativas de pesquisa em saúde como estratégia pedagógica, em um curso de medicina, para problematizar aquilo se ensina, compartilha e padroniza sobre a relação com o corpo.

Desenvolvimento

No processo de formação em medicina, há concepções que são transmitidas de modo implícito e que, por isso, são naturalizadas e incorporadas de maneira acrítica. As pesquisas qualitativas têm sido utilizadas para evidenciar essas dimensões da formação, que, de outro modo, permaneceriam ocultas. Os estudantes de medicina do primeiro ano do curso de medicina da Universidade de São Paulo (UNICID) têm sido apresentados a procedimentos utilizados em pesquisas qualitativas como as entrevistas semi-estruturadas, a observação participante e outros. A partir disso, passam a realizar alguns procedimentos de pesquisa qualitativa para investigar o modo como se dão as interações cotidianas no próprio contexto da faculdade ou nos cenários de prática em que ocorrem os estágios curriculares. Esses exercícios visam problematizar as concepções e práticas relativas ao corpo do outro que vão sendo transmitidas ao longo do processo de formação.
Com esses exercícios de pesquisa qualitativa realizados pelos estudantes, vai sendo trazido para o debate questões que dizem respeito ao universo de relações universitárias em que eles estão começando a se inserir. Como se dá a recepção dos ingressantes na faculdade? Qual é a percepção dos diferentes atores da instituição sobre a prática do trote? Como ele é realizado? Como se dá a inserção dos grupos minorizados (negros, bolsistas do PROUNI, grupos LGBT, mulheres) no curso de medicina? Quais são as percepções dos diferentes atores sobre essa questão? Quais são as percepções sobre as práticas de discriminação presentes no cotidiano da faculdade? Quais são as percepções dos estudantes sobre as atividades práticas no que diz respeito ao ‘uso’ do corpo dos pacientes com ‘finalidades pedagógicas’? Como os estudantes percebem o ‘uso’ que se faz do corpo dos cadáveres nas aulas de anatomia? Essas são as questões que mobilizam os estudantes a fazer entrevistas com outros estudantes, com professores e funcionários da instituição e com preceptores nos cenários de prática. Com base nesses dados colhidos por eles, temos subsídios para discutir sobre aquilo que se ensina, padroniza e compartilha sobre o corpo nas interações cotidianas que se dão ao longo do processo de formação.

Considerações Finais

O uso de pesquisas qualitativas no curso de graduação em medicina é útil para chamar a atenção dos estudantes para as dimensões simbólicas dos processos de adoecimento e cura, que não podem ser abarcadas apropriadamente por meio de pesquisas quantitativas. Ao mesmo tempo, o uso de pesquisas qualitativas também pode servir para trazer à tona concepções e práticas com relação ao corpo que são transmitidas de modo implícito e, desse modo, submetê-las à reflexão e à crítica.

Referências bibliográficas

Lima, MCP. Sobre trote, vampiros e relacionamento humano nas escolas médicas. Rev. bras. educ. med., 2012 Sept.; 36 (3): 407-13.

Quintana, AM, Rodrigues, AT, Arpini, D, Bassi, LA, Cecim, PS, Santos, MS. A angústia na formação do estudante de medicina. Rev. bras. educ. med. 2008 Mar.; 32(1), p. 7-14.

Rozemberg, B; Minayo, MCS. A experiência complexa e os olhares reducionistas. Ciênc. saúde coletiva 2001, 6(1): 115-23.

Palavras Chave

EDUCAÇÃO MÉDICA, MODELO BIOMÉDICO, CORPORALIDADE

Area

Políticas e processos de formação de profissionais e pesquisadores

Instituciones

Universidade Cidade de São Paulo - São Paulo - Brasil

Autores

TEO WEINGRILL ARAUJO, Lucas Bronzato Silveira