Datos del trabajo


Título

CONTRIBUIÇOES DA PESQUISA QUALITATIVA NO ESTUDO DA RELAÇAO ENTRE A LINGUAGEM E A MEMORIA: UM ESTUDO DE CASO

Introdução

ntrodução - Quando estamos engajados em uma atividade de linguagem, é comum sermos tomados pela sensação de ausência ou inacessibilidade de uma palavra que desejamos dizer, em alguns momentos essa dificuldade é tão acentuada que temos a sensação de que a palavra está na ponta-da-língua (Tip-of-The-Tongue Phenomenon). Nesta pesquisa, partiremos do estudo de um fenômeno referido na literatura científica pela sigla WFD (Word Finding Difficulties), que se relaciona a outros fenômenos que caracterizam as dificuldades de encontrar palavras, como a produção de parafasias (literais e semânticas) e a chamada “anomia” – incapacidade de nomeação de objetos e/ou ações, em situações de fala espontânea. Tais estados se apresentam tanto na normalidade quanto em patologias que podem afetar a relação entre a linguagem e a memória, tais como as afasias e as demências. Conforme situa Smolka (2010), existe uma grande dificuldade em circunscrever e isolar a memória em determinado domínio, dada sua multiplicidade. De maneira consonante a essa reflexão, os trabalhos mais recentes de Novaes-pinto apontam para a complexidade de processos envolvidos na dificuldade de encontrar palavras, principalmente quando se considera o imbricamento das funções psicológicas superiores (percepção, atenção, memória, linguagem). Considerando a complexidade apontada, o embasamento teórico da pesquisa fundamenta-se na Neurolinguística de orientação enunciativo discursiva e integra as reflexões de três campos; i) a Linguística desenvolvida por Jakobson, que propõe um modelo explicativo de funcionamento da linguagem a partir da análise das afasias, ii) a Neuropsicologia Luriana, que, seguindo os pressupostos teóricos de Vygotsky, relaciona as funções psicológicas superiores e a organização topológica do cérebro à história cultural do homem e iii) a Filosofia da Linguagem desenvolvida pelo Círculo de Bakhtin, que tem como um seus principais pressupostos o estudo do caráter dialógico do enunciado. Partindo deste referencial teórico, consideramos que não se pode limitar o estudo da memória unicamente como “faculdade cognitiva”, prescindindo do âmbito enunciativo-discursivo da rememoração que é justamente evidenciado quando se toma o enunciado como unidade de análise, contudo, isto não significa desconsiderar o papel da cognição nos processos subjacentes às dificuldades de encontrar palavras.

Objetivos

Buscamos, por meio da perspectiva qualitativa de análise de fenômenos neurolinguísticos, revelar processos linguísticos-cognitivos envolvidos nas dificuldades de encontrar palavras, de modo a compreender a relação entre a palavra ausente e outras instâncias do “enunciado” (tal como definido por Bakhtin, 1997), considerando-se tanto os recursos da língua (aspectos fonético-fonológicos, sintáticos, semântico-lexicais), quanto as condições pragmático-discursivas, histórico-culturais de sua produção.

Método

A partir da constatação da quase totalidade de estudos quantitativos acerca deste tema, por meio de um estudo de caso de uma afásica, esta pesquisa faz um contraponto metodológico ao propor a análise qualitativa, de cunho microgenético, dos enunciados envolvidos na dificuldade de encontrar palavras, registrados em diário e por meio de sessões videogravadas. Sendo assim, na busca de revelar processos subjacentes a dificuldade de encontrar palavras ao invés da análise de produtos estáticos, analisamos recortes dialógicos partindo de situações concretas em que o pesquisador está imerso nos diálogos. Julgamos que esses dados “singulares” iluminam a compreensão desses processos linguísticos cognitivos, contribuindo para o estudo do funcionamento semântico-lexical.

Resultados

Os resultados desta pesquisa apontam para rede de enlaces multidimensionais que constitui cada palavra, como diz Luria (2001). Aquele que está numa conversação inibe ou contém toda esta rede de palavras para absorver o significado condizente com a situação e produzir a palavra desejada. Ainda de acordo com o autor, o processo de determinação ou percepção de uma palavra deve ser encarado como um processo de escolha necessária dentro de um “campo semântico” evocado. Sendo assim, o autor argumenta que a dificuldade de recordação de palavras e de denominação dos objetos pode estar relacionada com o excesso de palavras e conceitos que emergem involuntariamente para o sujeito, no momento da produção da linguagem. Para além dos campos semânticos, percebe-se que o sujeito da pesquisa elabora caminhos que envolvem a integração de enlaces semânticos com enlaces fonológicos. Além disto, outro ponto fundamental diz respeito ao uso das memórias compartilhadas com seu interlocutor para atingir a palavra exata. Sendo assim, encontramos em Bakhtin o referencial teórico necessário para afirmar que é na alteridade que podemos pressupor os limites e as potencialidades em cada enunciação, já que a arquitetônica bakhtiniana pressupõe diferentes momentos, posições (eu- para- mim, outro-para-mim, eu-para-o-outro) e essas diferentes posições se relacionam a diferentes qualidades de memória, possibilitando as inferências sobre a memória compartilhada, sobretudo sobre o excedente de memória que o outro tem sobre mim (e eu sobre ele).

Considerações Finais

A partir da reflexão sobre as palavras na ponta-da-língua, Oliveira (2017) evidencia que a tradição de estudos sobre a memória, que usualmente a divide em subdomínios baseados em teorias modulares e cognitivistas, não dão conta da complexidade de fenômenos neurolinguísticos que envolvem a memória e a linguagem, já que a grande maioria dos estudos que buscam explicar a relação cérebro-linguagem é realizada através de testes metalinguísticos descontextualizados baseados em tarefas abstratas. Neste estudo, partindo de dados dialógicos retirados de contextos de uso concreto da palavra, demos visibilidade às particularidades da relação entre as funções psicológicas superiores nas dificuldades de encontrar palavras. Por fim, consideramos que o viés qualitativo apresentado nesta pesquisa pode colaborar para o entendimento das fronteiras entre o normal e o patológico, tanto no que diz respeito à palavra que não vem quanto às possíveis soluções encontradas pelos sujeitos para alcançar o querer-dizer.

Smolka, A.L. B. A memória em questão: uma perspectiva histórico-cultural. Educação e Sociedade, Revista Trimestral de Ciência da Educação, n.71, pp.167-193, 2000.
Bakhtin, M. Estética da Criação Verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Luria, A. R. Pensamento e Linguagem: As últimas conferências de Luria. São Paulo: Ed. Artmed. 2001.
Oliveira, M. V.B. Palavras na Ponta-da-língua; Uma abordagem neurolinguística. São Carlos, ed. Pedro e João, 2017.

Palavras Chave

Memória, linguagem, Dificuldades de encontrar palavras, Palavras na-ponta-da-língua.

Area

Saúde do Idoso

Autores

Marcus Vinicius Borges Oliveira