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Título

TRAJETÓRIAS DE MATERNIDADE NO CARCERE NA PERSPECTIVA DO REFERENCIAL DA VULNERABILIDADE E DIREITOS HUMANOS

Introdução

Em 1996, um famoso grupo musical lançava uma música cuja a letra afirmava: “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. A música tocou por emissoras de rádio em todo país. Passados 22 anos, confirma-se o fato anunciado na canção: o ‘superencareceramento de jovens negros e negras’ no Brasil. Em 2016, o país passou da quarta à terceira maior população carcerária do mundo, totalizando 726.712 mil pessoas em privação de liberdade. Ao estratificar essa população por gênero, depara-se com um aumento de 567% da população carcerária feminina num recorte de dez anos (2004/2014), o que significa um número de 37.380 mulheres em situação de privação de liberdade. Referente ao quesito raça/cor, 68% são negras e mais de 74% têm pelo menos um filho ou filha. Estima-se que 6% dessas mulheres estejam grávidas. A problemática do encarceramento feminino tem sido objeto de políticas públicas que visam atender as especificidades das mulheres nessa situação, bem como o impacto nas suas famílias. Há consenso de que as consequências do encarceramento na vida e na saúde das mulheres são diferentes se comparadas às especificidades de homens na mesma situação. Muitas das mulheres em situação de prisão são responsáveis pela criação e tutela dos filhos e pela manutenção financeira da casa, portanto seu aprisionamento empobrece ainda mais a família que necessita de uma reestruturação¹,²,³. O encarceramento amplia a vulnerabilidade social, individual e programática de mulheres e crianças, dificultando o acesso aos serviços de saúde seja para prevenção, ou assistência, bem como comprometendo o bem estar e o exercício de direitos básicos de cidadania. Com base nessa esta problemática, apresentamos o referencial teórico-metodológico da Vulnerabilidade e Direitos Humanos (V&DH) como um importante aporte para pesquisas que visam aprofundar o conhecimento sobre a situação de mulheres que vivem a maternidade no cárcere. O referencial da V&DH foi incorporado no Brasil há mais ou menos três décadas por profissionais, ativistas, gestores e pesquisadores que tinham como intenção contribuir com respostas efetivas às necessidades de saúde nos contextos de vida cada vez mais complexos da população brasileira 4. Caracteriza-se, também como um esforço de construir uma nova saúde pública e de dar respostas a eclosão da epidemia de HIV/Aids, tendo como objetivo construir novas ferramentas conceituais e teóricas passíveis de comporem políticas comprometidas com a superação de uma visão fragmentada dos problemas de saúde, a partir do reconhecimento das três dimensões constitutivas das análises de vulnerabilidade: individual, social e programática.

Objetivos

Refletir sobre a aderência do referencial teórico metodológico da vulnerabilidade e direitos humanos na compreensão de pesquisas sobre a trajetória das mulheres que vivenciam a maternidade no cárcere.

Desenvolvimento

As mulheres em situação de prisão estão expostas a diversas condições de vulnerabilidade. Para compreender a complexidade do processo envolvido na constituição dessas condições, a vulnerabilidade é examinada em três suas dimensões, mutuamente referenciadas 4. Verifica-se a vulnerabilidade na dimensão individual quando as mulheres não são reconhecidas como sujeitos de direitos, por exemplo quando suas necessidades singulares são negligenciadas ou quando são agredidas ou desrepeitadas em nome das normas de segurança dos presídios. Na dimensão social, são analisados os marcos da organização, da cidadania e o cenário cultural da região ou país em que se encontram essas mulheres. Nesse sentido, pode-se examinar o perfil das mulheres que são encarceradas no Brasil, destacando o recorte de classe social e raça. Já na dimensão programática, podemos ir a fundo em como os governos respeitam, protegem e promovem o direito à saúde, citando os investimentos em políticas públicas que visam garantir às mulheres privadas de liberdade, o acesso à saúde e os respeito às diferentes formas de ser mulher 4. Tendo como lentes o conceito ampliado de saúde e a perspectiva de cidadania e direitos humanos, entende-se que as experiências em instituições prisionais, quando forem realmente necessárias, devem preservar a saúde das mulheres em sua integralidade. Assim, pensar o contexto e a complexidade que estão envoltos na problemática do encarceramento feminino é essencial para promoção de direitos amplamente afirmados pela constituição federal brasileira. Dados epidemiológicos contribuem para analisar a situação do encarceramento feminino no que se refere ao perfil sociodemográfico dessas mulheres. Esses dados subsidiam a discussão acerca dos marcadores sociais da diferença, ou seja, a discussão sobre como raça/cor, etnia, gênero, orientação sexual, posição geracional e classe social - determinam em nossa sociedade a manutenção de preconceitos, atitudes estigmatizantes e comportamentos discriminatórios, os quais fomentam a exclusão social e promovem violações de direitos humanos. Propõem-se analisar a sinergia desses marcadores quando há interseção entre os mesmos, pois o que se verifica são consequências ainda mais prejudiciais para quem reúne em si características como ser mulher, ser negra, viver em condições de pobreza, estar em situação de prisão e ser egressa do sistema prisional. Para além do marcador de gênero, há a necessidade de identificar a expressão de raça/etnia e classe social, em um cenário em que as mulheres que estão sendo privadas de liberdade, em sua maioria, vêm das periferias, possuem baixa escolaridade e são negras. Assim, compreender as trajetórias de maternidades no cárcere com as lentes do referencial de Direitos Humanos e Vulnerabilidades, é de suma importância reconhecer aspectos vulnerabililizantes pouco abordados, enfrentá-los e estabelecê-los como pautas das ações em saúde desenvolvidas no contexto das prisões femininas.

Considerações Finais

Tendo em vista os aspectos observados na análise do encarceramento feminino por meio do referencial da Vulnerabilidade e Direitos Humanos, podemos afirmar que esses conhecimentos nos fornecem ferramentas potentes para a leitura e entendimento dessa situação e de suas consequências para a saúde pública. As mulheres privadas de liberdade não são necessariamente vulneráveis, estão sim vulnerabilizadas pelo Estado e dupla, ou triplamente sendo punidas no sistema prisional. Salienta-se que por mais que existam iniciativas para garantia de respeito aos direitos humanos, essas ainda são insuficientes tendo em vista o contingente de mulheres privadas de liberdade, especialmente as gestantes e mães de crianças menores de um ano de idade.

Palavras Chave

Mulheres, prisões, vulnerabilidade


Referências:

Brasil. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias: Infopen - Atualizado em Junho de 2016. Brasília Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional, 2017. Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil/relatorio_2016_junho.pdf (1)
Borges, J. O que é o encarceramento em massa? Belo Horizonte - MG:Letramento: Justificando, 2018 (2)
Diuana V.et al. Direitos reprodutivos das mulheres no sistema penitenciário: tensões e desafios na transformação da realidade.Ciênc. saúde coletiva [online]. 2016, vol.21, n.7, pp.2041-2050. ISSN 1413-8123 (3)
Paiva V. ; Ayres JRCM; Buchalla CM (Orgs.). Vulnerabilidade e Direitos Humanos: prevenção e promoção da Saúde. Livro I. Curitiba: Juruá Editora, 2012b. p.165-208 (4)

Area

Saúde e populações vulneráveis

Autores

Gabriela Dalenogare, Letícia Becker Vieira, Rosana Maffacciolli, Renata Maria Dotta