Datos del trabajo


Título

O DIARIO DE PESQUISA COMO DISPOSITIVO NUMA PESQUISA MULTICENTRICA

Introdução

O uso de diários é técnica utilizada largamente em estudos qualitativos, em suas diferentes abordagens teórico-metodológicas. Do mesmo modo, o diário é uma ferramenta de intervenção utilizada pelos analistas institucionais que possibilita “fazer ver” situações conflituosas e complexas existentes tanto no cotidiano institucional quanto em grupos, coletivos ou equipes de projetos. A pesquisa multicêntrica, a partir da qual se produziu esta apresentação, teve por escopo pensar a inovação tecnológica da produção do cuidado em saúde bucal (SB). Inicialmente, a equipe formulou algumas perguntas: seria possível organizar o trabalho do atendimento em saúde bucal tendo por base o método clínico? Caberia no atendimento a realização da consulta bucal, tal como é realizada por outras práticas clínicas? Seria possível cuidar do paciente sem obrigatoriamente realizar procedimentos de tipo cirúrgico-restaurador? Tais questões se constituíram no verdadeiro desafio do projeto e no principal determinante dos seus êxitos e também de alguns fracassos. Tinha-se, de início, um “diagnóstico da situação” ou o “estado da arte” da prática odontológica, tendo por base a constatação de que o modelo assistencial vigente no sistema de saúde público brasileiro reproduz acriticamente, mesmo sob o SUS, o referencial da odontologia de consultório privado, que significa tornar privados o doente e sua doença. Desde a formulação inicial do projeto, o diário foi pensado como um dispositivo, “uma espécie de novelo ou meada” que poderia ser produzido de diversas maneiras e direções próprias dadas pelos pesquisadores. Assim, assumimos que o uso de diário no trabalho de campo, procedimento utilizado largamente na etnografia e também na Análise Institucional (AI), deveria ser prática corrente entre os membros da equipe de pesquisa. Do mesmo modo, todas as informações registradas iriam servir para a elaboração de relatórios e iriam auxiliar na análise e interpretação dos resultados.

Objetivos

1. analisar o uso do Diário de Pesquisa (DP) como “um certo” dispositivo da AI;
2. explorar diferentes dimensões do vivido pelos diaristas-pesquisadores propiciadas pela construção dos diários;
3. restituir a análise das implicações que se cruzaram nos movimentos provocados nas e pelas experienciações deste projeto multicêntrico na escrita dos pesquisadores.

Método

O DP foi proposto para o grupo de pesquisadores desde o início da construção do projeto, com o propósito de atender às particularidades de cada um, de cada campo, possibilitando análises futuras. Num primeiro momento, os diários ficaram restritos apenas a cada diarista. Num segundo momento foram socializados em pequenos grupos e, somente num terceiro momento da pesquisa, fase do monitoramento e avaliação, foram disponibilizados coletivamente durante os seminários presenciais. Não foi estabelecida uma periodicidade para os registros, cada pesquisador seguiu seu ritmo, imprimindo, também, suas singularidades, possibilitando a cada um traçar seu trajeto, sua escrita, suas marcas. Como um dispositivo, os DP colocaram em funcionamento um conjunto de realidades alternativas que transformaram “o horizonte considerado do real, do possível e do impossível”, que depois de escritas, lidas, relidas, discutidas constituíram-se no material de análises, elaboração de relatórios, mas, sobretudo, para a análise das implicações dos diaristas-pesquisadores. Neste sentido, estamos considerando que não há um dentro e um fora dos DP produzidos pelos diaristas-pesquisadores nesta pesquisa. Cada um, respeitando suas singularidades, os diferentes lugares que ocupa, suas experiências, trouxe para os DP as relações que teceram e conservaram com as instituições. Em nossos espaços de pesquisa, como em nossos fazeres profissionais e pessoais, somos permanentemente atravessados pelas instituições. E, analisar as implicações, “é dizer, sobretudo, das instituições que nos atravessam”

Resultados

Os trechos-fragmentos escritos nos DP, foram identificados de acordo com o lugar que cada um ocupou na pesquisa. Assim, nos cenários nos quais a pesquisa se desenvolveu, contamos com catorze diaristas-pesquisadores que se lançaram à experiência da escrita de um DP: um dentista concursado numa Universidade, dois professores universitários, duas pós-graduandas, três estagiários de odontologia, duas dentistas de Centro de saúde, quatro dentistas do SUS. A análise da implicação foi um exercício sem a pretensão de finitude, mas antes de continuidade possível, para trabalhar o material constitutivo dos DP. Para isso fizemos algumas escolhas de fragmentos que traziam diferentes dimensões do vivido pelos diaristas. Buscamos depreender do que está nos registros o que nos tocou de diferentes formas, dialogando com as três instâncias do Diário, como uma técnica de análise de implicações: o narrador, o autor implicado e o autor “real”. Anotamos a escrita íntima de um dos pesquisadores: "É um bom momento para escrevermos o diário. Aquele que a gente começa a escrever pelo o que está pensando e sentindo, sem ter a preocupação de voltar a ler, corrigir ou acertar o texto". (dentista da universidade). Conflitos com a metodologia do projeto: "Mostro que por se tratar de pesquisa social do tipo ‘quali’, quanto mais eventos não previstos ou ‘indesejáveis’ ocorrerem maior será nossa riqueza". (docente da universidade); um lugar de distanciamento e resistência ao que estava sendo proposto: "(...) aprendi odontologia social, é a mesma coisa" (dentista-2).

Considerações Finais

O DP funcionou como uma máquina que operou no sentido de produzir efeitos heterogêneos nos pesquisadores e na pesquisa, constituindo um dispositivo da intervenção com potencial de articular diferentes pessoas, em diferentes lugares, com diferentes saberes e experiências, inclusive no cotidiano da saúde bucal. Acionaram modos de funcionamento que provocaram os pesquisadores a refletirem sobre o que faziam na clínica, a escreverem sobre o que refletiam com a clínica e, sobretudo, a compartilharem o vivido, trazendo estranhamentos que ficavam reverberando ao longo do trabalho, o que produziu efeitos nos processos de inovação da clínica. Cumpriram, assim, sua dupla função: a de ser uma escrita de si e a de propiciar a reflexão acerca do trabalho realizado e do seu conteúdo pedagógico, das angústias e desencontros, mas também da investigação do desconhecido.

Palavras Chave

Diários, Saúde Coletiva, Saúde Bucal, Análise Institucional

Area

Direitos, Justiça e Saúde

Autores

Luciane Maria Pezzato, Carlos Botazzo, Solange L'Abbate