Datos del trabajo


Título

O cancelamento de cirurgias eletivas na ótica da equipe de saúde: relações com o processo de trabalho

Introdução

O paciente cirúrgico, ao ser hospitalizado, traz consigo expectativas, dúvidas e temores sobre os acontecimentos que irá vivenciar, independentemente do grau de complexidade da intervenção cirúrgica. Tais preocupações encontram-se voltadas para a realização da cirurgia e não para uma possível suspensão do procedimento. Na ocorrência de tal fato, o paciente pode experimentar alterações ainda maiores em sua rotina de vida, sendo necessárias diversas e constantes readaptações, gerando frustrações e comprometendo o cuidado. As taxas de cancelamento de cirurgias eletivas em hospitais públicos e universitários variam entre 17,6% e 33%, sendo que mais da metade desses cancelamentos são avaliados como potencialmente evitáveis. Em relação ao usuário, o não comparecimento e suas condições desfavoráveis à cirurgia constituem as principais causas de cancelamento de procedimentos cirúrgicos. Quanto às causas relativas às instituições de saúde, destacam-se falta de leitos, equipe médica indisponível e erros de agendamento. Alguns estudos, todavia, apontam como motivo mais evidenciado para o cancelamento de cirurgias o termo “A pedido da clínica”, o qual esconde a real motivação do adiamento cirúrgico. Nesse contexto, é essencial compreender a relação do processo de trabalho em saúde com a ocorrência dos cancelamentos cirúrgicos, visto que apenas o monitoramento de indicadores hospitalares mostra-se insuficiente para a reflexão e elaboração de intervenções para a solução do problema. O modo como profissionais de diferentes categorias organizam e planejam as ações de saúde no perioperatório perpassam necessariamente pela maneira como se articulam para a produção de cuidado.

Objetivos

Compreender o cancelamento de cirurgias na perspectiva da equipe de saúde.

Método

Estudo descritivo e exploratório, de natureza qualitativa, realizado em um hospital de clínicas da região centro-oeste do estado de São Paulo. Foram realizados quatro grupos focais com profissionais de saúde que atuam em duas unidades de internação clínico-cirúrgicas que dirigem-se ao cuidado de média complexidade para adultos/idosos em pré e pós-operatório de cirurgias eletivas. A técnica de grupo focal foi escolhida por possibilitar aos participantes refletirem sobre o tema, explorando suas experiências e concepções. Foram realizados quatro grupos focais, sendo um encontro com cada turno de trabalho, entre os meses de setembro e novembro de 2016, totalizando 34 participantes, incluindo médico, enfermeiro, técnico/auxiliar de enfermagem, psicólogo, nutricionista, assistente social, farmacêutico e gestor. Para iniciar as discussões nos grupos focais foi utilizado um disparador que apresentava discursos provenientes de entrevistas anteriores com pacientes em pós-operatório de cirurgias eletivas, que captaram a percepção sobre o momento cirúrgico. Após a leitura, os profissionais eram indagados pelas moderadoras principal e auxiliar sobre como vivenciavam o cancelamento de cirurgias eletivas. Todos os grupos focais foram gravados, sendo que a duração de cada encontro foi de 50 minutos, aproximadamente. A análise dos dados se deu por meio da técnica hermenêutica-dialética, possibilitando a compreensão da produção de racionalidade em relação aos processos sociais e suas múltiplas determinações, considerando seu contexto histórico. Assim, foram identificadas as ideias, os núcleos e temas de cada grupo focal para, então, reuni-los em temas finais, sendo eles: a articulação da equipe no perioperatório e a judicialização dos procedimentos cirúrgicos.

Resultados

Na temática articulação da equipe no perioperatório, os participantes citaram que a ocorrência frequente de cancelamentos cirúrgicos gera impacto emocional negativo tanto para o paciente como para a equipe de saúde. No caso dos enfermeiros, o desgaste emocional foi relacionado ao papel de informar o paciente sobre o cancelamento cirúrgico que, muitas vezes, não tem explicação concreta devido à comunicação ineficaz entre os profissionais, principalmente aqueles que trabalham no período da tarde, já que é nesse turno que a maior parcela dos avisos de cancelamentos é transmitida aos pacientes. Em alguns casos, o profissional evita dar muitas explicações para evitar seu próprio sofrimento, por ter criado vínculo com o paciente. Por isso, as explicações referentes aos cancelamentos são incompletas e assistematizadas. A apreensão dos profissionais de saúde com os cancelamentos cirúrgicos também pôde ser evidenciada quando relatam uma maior atenção durante o plantão com aqueles pacientes que estão em jejum e aguardam por respostas para realização de cirurgia em detrimento de outros casos considerados menos estressantes por eles, como pacientes em pós-operatório. Tal fato foi mencionado como potencial para a diminuição da qualidade da assistência, visto que há mudança na lógica de trabalho. Na temática judicialização dos procedimentos cirúrgicos, que refere-se à busca do Judiciário como alternativa para obtenção do tratamento cirúrgico, os profissionais mencionaram que vivenciam com freqüência na prática assistencial o longo tempo de espera para a realização de cirurgias, consequência da prática assistencial pouco voltada às necessidades dos sujeitos atendidos, uma vez que, em alguns casos, o paciente tem sua cirurgia cancelada repetidas vezes e há prolongamento de sua hospitalização.

Considerações Finais

As repercussões do cancelamento cirúrgico incidem desfavoravelmente sobre o paciente, que tem seu vínculo rompido em relação à instituição, e ainda impactam negativamente na equipe de saúde, ocasionando estresse, alterando a operacionalização do trabalho, o consumo de tempo e recursos materiais. Os processos jurídicos, por sua vez, caracterizam-se por ter um foco curativo e individual, evidenciando que a judicialização da saúde é reflexo da satisfação de necessidades imediatas relacionadas a tecnologias duras. Dessa forma, compreende-se que o processo de trabalho em saúde no perioperatório na instituição estudada encontra-se fragmentado, centrado em alguns profissionais da equipe, principalmente no cirurgião, e em tecnologias duras, pouco considerando as necessidades das pessoas atendidas no perioperatório. Tais fragilidades estão relacionadas à dificuldade encontrada nos serviços de saúde de operacionalizar o trabalho de modo interprofissional, visto que não há comunicação efetiva entre os profissionais, clarificação de papéis para construção de objetivos comuns e, tão pouco, atenção centrada no paciente, diminuindo da qualidade da assistência. Torna-se necessário, pois, investir em espaços de educação permanente nos serviços de saúde a fim de possibilitar reflexões sobre os desafios e possibilidades da prática colaborativa nos cotidianos das instituições. Ademais, é importante que a gestão dos serviços considere esses espaços como ferramenta potente para subsidiarem suas ações e, assim, estimulem tais iniciativas, visto que o trabalho interprofissional e atenção centrada no paciente são valores imprescindíveis para a cultura organizacional das instituições de saúde.

Palavras Chave

Relações interprofissionais; Comunicação; Assistência perioperatória.

Area

Organização da Atenção em Saúde

Instituciones

Faculdade de Medicina de Marília - São Paulo - Brasil

Autores

Nathália Romeu de Mazzi, Silvia Franco da Rocha Tonhom, Valéria Marli Leonello