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Título

PRODUÇÃO DE CUIDADO OU CONTROLE DE CORPOS? RELATO DE EXPERIÊNCIA EM UMA UNIDADE DE ATENÇÃO PRIMÁRIA, RJ, BRASIL

Introdução

Este relato de experiência nasceu a partir da imersão, durante estágio curricular do Curso de Graduação em Enfermagem, em uma Unidade de Atenção Primária à Saúde (APS), localizada na Área Programática 5.1, zona oeste do município do RJ. Viver o cotidiano real da produção do cuidado em saúde nos revela, dentre muitas coisas, a tensão entre controle versus cuidado, e o estreito limite entre a frieza dos indicadores e o calor das vidas que pulsam em um território marcado por muitas vulnerabilidades. A APS possibilita o fortalecimento de ações voltadas às mulheres, principalmente as historicamente excluídas, respeitando a diversidade, promovendo sua autonomia e participação na construção de projetos de cuidados. Todavia, a participação popular, ainda que asseguradas na Constituição e nas Leis Orgânicas da Saúde (8.080/90 e 8.142/90), encontra objeções na sua efetivação. A autonomia e participação na sua própria saúde ainda são desafios para as(os) usuárias(os) do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente em um território vulnerável.

Objetivos

Discutir a autonomia e participação popular dos usuários da atenção básica em um território de vulnerabilidades sociais adscrito à uma unidade básica de saúde no município do Rio de Janeiro/RJ.

Desenvolvimento

A participação popular no SUS é uma conquista de movimentos sociais feito por categorias, organizações e classes populares, ocorridos durante a década de 1980, culminando na criação do sistema de saúde brasileiro. Consideramos participação em saúde não só a institucionalizada em leis, e expressa pelos Conselhos Locais, Municipais e Estaduais; e nas Conferências de Saúde. Considera-se também a não institucionalizada, ocorrendo em toda e qualquer atividade e cenário de saúde, como individuais/assistenciais e coletivas/educativas. Esse movimento levanta a bandeira da democracia e direito de coparticipar na construção de políticas públicas e discutir sobre o sistema, além de articular junto aos trabalhadores de saúde a construção de projetos de cuidados. Tal direito ainda encontra dificuldades na sua implementação, principalmente em territórios onde os indicadores de saúde demonstram desafios para a Atenção Primária. Esses desafios se traduzem, no território vivenciado, como: elevado número de gestações na adolescência e/ou não planejadas, infecções sexualmente transmissíveis, violência de gênero, violência urbana, uso abusivo de álcool e outras drogas, doenças crônicas não transmissíveis, doenças respiratórias e/ou cardiovasculares, entre outras. Além de questões que expõem a fragilidade de políticas públicas sociais, tais como: educação, segurança e trabalho. Burocracia do SUS; precarização do trabalho; relação autoritária entre gestor e trabalhador; e um modelo de saúde conservador e biomédico são uns dos entraves na construção de práticas emancipatórias à luz da perspectiva da educação popular e, por conseguinte, da participação comunitária, bem como da co-construção de cuidados. No Brasil, recentes retrocessos, como a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 2017, também comprometem a longitudinalidade e universalidade do cuidado com a redução da carga horária de algumas categorias profissionais, a redução e limitação na atuação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e até a alteração da configuração das equipes, comprometendo o vínculo entre usuários e trabalhadores. Trata-se do relato de experiência através da descrição dos seguintes passos: descrição da atividade desenvolvida, identificação do grupo da população e reflexão sobre a prática vivenciada. Nesse sentido, a experiência em questão aborda a saúde da mulher na perspectiva do planejamento reprodutivo, evidenciando o embate entre o querer da usuária e o controle do trabalhador de saúde frente aos indicadores do território pertencente a sua equipe de saúde da família. A usuária, 18 anos, em consulta de enfermagem, realizava exames citológicos de rotina e relatou não querer fazer uso de anticoncepcional, utilizando outras medidas de contracepção. Entretanto, apesar de relutância da mesma no início, o profissional de saúde sugeriu, convenceu e prescreveu o uso de anticoncepcional. Tal prática profissional trouxe as seguintes reflexões: a APS preconiza o acolhimento com escuta ativa e qualificada, onde o cidadão possa levantar suas demandas e o profissional possa ouvir e analisá-las, buscando os melhores fluxos para resolutividade das necessidades em saúde. Considera-se, desse modo, o acolhimento como uma postura ético-política dos trabalhadores, estabelecendo vínculo de cuidado e respeito à autonomia das usuárias, objetivando elevar o protagonismo dos sujeitos no processo de produção de saúde e a humanização das relações entre profissionais de saúde e usuárias. A postura do trabalhador de saúde, na experiência relatada, abre discussão sobre um território com sujeitos em situação de vulnerabilidade e a tentativa de controle do profissional frente ao enfrentamento de uma demanda trazida pela usuária. Aqui, tratamos vulnerabilidade como um fenômeno determinado por uma multiplicidade de fatores. A atenção integral a esses sujeitos focaliza as demandas e necessidades de diversas ordens que os mesmos valorizam, bem como as capacidades que cada um possui, e o encontro destes em um contexto de desigualdade e injustiça social. Na situação relatada, percebe-se que o trabalhador de saúde pré-julgou e/ou usou de seu julgamento pessoal para a tomada de decisões. Tal julgamento é produto da vivência profissional no território, estando a frente de uma equipe de saúde da família, lidando com os indicadores anteriormente citados. A ideia de controle toma forma como uma tentativa de organização de um “problema social”, nesse caso, gravidez não planejada. Nesse sentido, entraves como a precarização do trabalho e o ainda modelo biomédico contribuem para uma postura limitadora, a qual não agregou a participação da pessoa na construção de seu projeto de cuidados.

Considerações Finais

A democracia e autonomia dos usuários do SUS ainda são frágeis e necessitam de defesa em pró da sua existência. Uma reflexão sobre as circunstâncias que os profissionais de saúde encontram-se pode trazer luz para a discussão, ao ponto de também serem ouvidos quanto às suas demandas. O sujeito social deve ganhar ênfase, sobressair-se da maré dominante de políticas públicas ineficazes e ser ouvido. Que a sua voz seja uma das, se não a principal, quando o assunto for seu projeto de cuidados (e de vida). Espera-se com a sistematização deste relato de experiência trazer para a reflexão e ação na APS a defesa do sujeito social enquanto protagonista de sua história de vida, que sejam vozes à transformar as práticas profissionais.

Palavras Chave

Atenção Primária à Saúde; Saúde Coletiva; Participação Popular.

Area

Democracia, Participação e Controle Social na Saúde

Autores

MARIA CLARA HENRIQUE MOREIRA GERALDO, VANESSA DE ALMEIDA FERREIRA CORRÊA, MARY ANN MENEZES FREIRE