Datos del trabajo


Título

PESQUISA EM ARQUIVO CONFIDENCIAL: ESTUDO QUALITATIVO SOBRE O ACESSO A SAUDE DE VITIMAS E TESTEMUNHAS DO PROGRAMA FEDERAL DE PROTEÇAO

Introdução

As pesquisas com fontes primárias em arquivos sobre programas de proteção a vítimas e testemunhas são ainda raras no Brasil, devido principalmente à dificuldade de ter acesso aos dados sigilosos. Esse é um estudo com base em arquivos confidenciais do Programa Federal de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas.

Objetivos

O objetivo deste trabalho foi analisar o acesso à saúde de vítimas e testemunhas de crimes e apresentar os cortes orçamentários no programa de proteção na atual crise econômica brasileira. A saúde é aqui abordada a partir do conceito de necessidades humanas, cujo não atendimento pode levar os indivíduos a uma condição sub-humana de vida.

Método

Apresentaremos resultados de uma pesquisa de mestrado realizada em 2013 sobre as necessidades humanas no contexto do Programa Federal de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, que foi um estudo de caso com levantamento de dados e análise documental do arquivo confidencial do Programa, consultado após autorização obtida junto à coordenação executiva. Foram pesquisados os processos referentes a 89 pessoas que no ano de 2011 estavam inseridas no programa de proteção. O projeto foi submetido e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa e atendeu a todas as exigências da Resolução 196/96 sobre Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos. Outra fonte de dados foi uma consulta à Coordenação-Geral de Proteção a Testemunhas (CGPT), do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), em outubro de 2017, com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).

Resultados

No continente sul-americano, o debate em torno do tema da pesquisa ganhou destaque a partir da década de 1990, no calor do processo de redemocratização em vários países da região, aumentando as pressões internas e externas pelo enfrentamento da violência e pela garantia de proteção às vítimas e testemunhas latino-americanas. No Brasil, esse tipo de proteção foi institucionalizado a partir de 1999, quando surgiu a primeira legislação nacional sobre o tema, a Lei nº 9.807, que foi regulamentada pelo Decreto nº 3.518/2000. Atualmente há 140 pessoas protegidas no Programa Federal e, em 2016, havia 458 pessoas sob proteção no país, considerando os programas estaduais. Segundo a pesquisa, constatamos: todas as vítimas e testemunhas em proteção em 2011 eram brasileiras; 72% ingressaram com seus familiares; 50,6% eram do sexo masculino, e 49,4%, do sexo feminino; a maioria era solteira, mas 28% viviam em união estável; 86% eram negros (pardos e pretos); a maior parte (36%) tinha apenas o ensino fundamental incompleto; a maioria (55,1%) estava inserida no mercado de trabalho informal, 17,2% possuíam emprego (em regime celetista ou no serviço público) e 17,1% estavam sem trabalho. Quanto à idade, havia um grupo prevalente de jovens e adultos (61%) e outro de crianças e adolescentes (38%). Não havia idosos a partir de 60 anos no período. Essas pessoas permanecem por um tempo significativo no Programa – 1.347 dias, em média. Nesse período, o Estado teve sob sua tutela a vida de pessoas cujas carências extrapolavam a demanda por proteção física e assistência jurídica. Portanto, competia ao Poder Público também a garantia de um conjunto de direitos que viabilizassem a segurança social dessas pessoas – e aqui entram as medidas de assistência social, médica e psicológica. A pesquisa possibilitou acesso a relatos de participantes do programa que reivindicavam atendimento em saúde, o que permitiu conhecer algumas das dificuldades cotidianas enfrentadas por essas pessoas. Suas necessidades na área da saúde eram: cirurgia (29%), odontologia e acesso ao SUS (ambos com 24%), oftalmologia e saúde mental (ambos com 10%) e insumos para a saúde (5%). Para a execução da proteção, a União repassa recursos para o Programa Federal e para as entidades públicas estaduais, e estes, para as ONGs executoras. De 2012 a 2016, os recursos para os programas de proteção praticamente não sofreram cortes, oscilando na casa dos R$ 14 milhões. Até então, o orçamento público para este fim era mantido fora das suspensões e contingenciamentos para o superávit primário. Em 2017, ocorreu uma redução de quase 3 milhões de reais no orçamento dos programas em comparação ao ano anterior, caindo para R$ 11,5 milhões, revelando que nem mesmo um programa dessa natureza escapou às medidas de contrarreformas regressivas do atual cenário político-econômico nacional. De acordo com as decisões do Conselho Deliberativo do Programa (Condef), em 2011 e 2012, verificou-se que, das demandas de saúde apreciadas nas reuniões, apenas pouco mais da metade (57%) foi autorizada e, dessas, apenas 57% foram atendidas no período. Para além de encarar a já conhecida morosidade e precariedade da rede pública de saúde, as pessoas protegidas têm o agravante de não poderem ter seus dados pessoais incluídos nas bases de dados do SUS por razão de segurança, o que atualmente é um imperativo para todos os procedimentos nesse sistema. Com isto, a rede privada de saúde tem sido beneficiada quando o programa de proteção se vê obrigado a pagar pelo serviço, dada a urgência de alguns casos e a falta de uma estratégia de segurança eficaz. Essa tendência tem ganhado força na atual conjuntura. Pari passu ao congelamento dos recursos da saúde por duas décadas em razão da Proposta de Emenda Constitucional nº 95, o governo segue com sua agenda privatizante, buscando alternativas que ameaçam a universalização e a equidade da assistência pública à saúde no país _é o caso do projeto Plano de Saúde Acessível.

Considerações Finais

Diante dessa conjuntura, agravada pelo corte no orçamento de 2017 dos programas de proteção, é possível concluir que o Estado tem se desresponsabilizado pela proteção dessas vítimas e testemunhas, entregando-as à própria sorte ou responsabilizando suas famílias, que também se encontram sob proteção e, portanto, em privação de plena liberdade. As necessidades humanas em saúde das pessoas inseridas no programa têm sido atendidas de forma insuficiente, o que representa um significativo prejuízo na acepção da teoria das necessidades humanas. O estudo revelou ainda a necessidade do Brasil ampliar pesquisas qualitativas em arquivos confidenciais de modo a trazer para a literatura informações ainda desconhecidas sobre a vida e os direitos de pessoas sob proteção do Estado.

Palavras Chave

Pesquisa qualitativa. Arquivo confidencial. Proteção a vítimas e testemunhas. Saúde. Sigilo.

Area

Violências e Saúde

Instituciones

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - Distrito Federal - Brasil

Autores

DANIELLE GALDINO, CRISTIANO GUEDES