Dados do Trabalho


Título

A CHEIA HISTORICA DE 2021 E OS IMPACTOS PARA OS HABITANTES DA VARZEA DO RIO AMAZONAS: O CASO DA COMUNIDADE DE Nª Sª DO PERPETUO SOCORRO (BOCA DO PADRE) , MUNICIPIO DE ITACOATIARA-AM

Introdução

O rio Amazonas e seus afluentes de água branca são margeados em longos trechos por uma extensa planície de inundação, conhecida regionalmente por “várzea amazônica” e que a mesma está em processo de formação durante o Holoceno. Essa imensa área de inundação chega atingir até 100 km de largura (CARVALHO, 2006; 2012) e uma área estimada em 64.400 km2 o que correspondendo a 1,5% da área da Amazônia Brasileira (SOARES, 1991, p. 102). Devido a origem andina dos rios de água branca, esses rios transportam teores elevados de sais minerais. Junk (1983) observa que a região Andina e pré-Andina está formada na sua maioria por sedimentos cretáceos, alcalinos e relativamente ricos em sais minerais, refletindo-se na composição química da água, que é quase neutra, (pH 6,5 a 7), perto de Manaus (JUNK, 1983, p. 50).
Essas terras baixas formadas na calha do rio Amazonas sofrem inundação parcial ou total durante o período de cheia, que via de regra acontece nos meses de maio a julho. É nesse período que o rio Amazonas deposita grande volume de sedimentos sobre a planície de inundação e nas ilhas aluvionais, em um processo contínuo e realimentando com nutrientes minerais, tornando-a sempre fértil, possuindo um agroecossistema propício à plantações e a pesca (CARVALHO, 2018). Dados diários registrados no Porto de Manaus, desde o ano de 1902, mostram que as grandes cheias estão cada vez maiores e acontecendo em tempo cada vez menor. No referido período foram registradas 16 cheias excepcionais (cheias na casa dos 29,00m acima do nível do mar) sendo que 14 delas aconteceram a partir de 1970 e 6 delas aconteceram nos últimos 11 anos. Ou seja, observa-se que o regime fluvial do rio Amazonas está em processo de elevação, provocando danos econômicos e alterações no comportamento da população varzeana e no complexo sistema fluvial.
No atual ano de 2021 a cheia do rio Amazonas atingiu a cota extraordinária de 30,02 m acima do nível do mar, elevando o nível das águas a mais de 1m acima do terreno, inundando toda a planície e consequentemente problemas de várias ordens para as populações que vivem nesse ambiente. Este trabalho teve como objetivo analisar as estratégias desenvolvidas pelos ribeirinhos de uma comunidade localizada na margem esquerda do paraná da Trindade, esse, localizado na margem esquerda do rio Amazonas, no município de Itacoatiara-AM, durante o período de transbordamento do rio Amazonas.

Resumo

O regime fluvial do rio Amazonas está em processo de elevação, provocando danos econômicos e alterações no comportamento da população varzeana e no complexo sistema fluvial. Durante o transbordamento na várzea em que o rio Amazonas deposita grande volume de sedimentos sobre a planície de inundação e nas ilhas aluvionais com nutrientes minerais, torna-a um agroecossistema rico em fertilidade, propício à plantações e à pesca. Dessa forma, o objetivo desse projeto é analisar as estratégias desenvolvidas pelos ribeirinhos durante o período de transbordamento do rio Amazonas na Comunidade Boca do Padre localizada no município de Itacoatiara-AM. Para atingir o objetivo proposto, foram utilizados instrumentos metodológicos como levantamento de fontes históricas e a observação em campo. As estratégias desenvolvidas pelos ribeirinhos durante o transbordamento são o de construir tablado para “guardar” manivas e rizomas para a próxima produção; levantamento de assoalhos e estoque de polpas de frutas para vender nas cidades e migração para a terra firme, ambiente que não alaga. Pode-se concluir que a fertilidade do solo da várzea é o principal elemento que justifica a ocupação antrópica histórica e atual desse ambiente varzeano.

Objetivos

Este trabalho teve como objetivo analisar as estratégias desenvolvidas pelos ribeirinhos de uma comunidade localizada na margem esquerda do paraná da Trindade, esse, localizado na margem esquerda do rio Amazonas, no município de Itacoatiara-AM, durante o período de transbordamento do rio Amazonas.

Material e Método

Para analisar as estratégias desenvolvidas pelos ribeirinhos decorrentes da grande cheia, objetivo geral do projeto, foram traçados alguns procedimentos metodológicos, por se tratar de uma pesquisa interdisciplinar. Tais procedimentos nos levam a entender como estes ribeirinhos se adequam ao regime hidrológico do rio Amazonas, são esses, o levantamento de dados secundários através de fontes históricas e pesquisas recentes relacionados ao ambiente de estudo e a observação em campo levantando assim dados primários.

Resultados e discussão

Os moradores da comunidade da “Boca do Padre”, assim como as populações que habitam o ambiente de várzea, apresentam de forma inequívoca uma adaptação a esse ambiente, em particular ao regime cíclico de cheia e vazante, fato esse já bem conhecido pela literatura especializada como STERNBERG (1998). Essa adaptação se dá na forma de moradia e nas atividades socioeconômicas entre outras.
Em referência a moradia a estratégia é construir as casas em forma de palafitas, com o assoalho elevado, sempre superior a 1 metro do terreno para que não seja ultrapassado pelo nível da cheia do rio. Porém, quando a cheia acontece em nível excepcional, onde o morador já não sente segurança em permanecer em sua casa, os mesmos procuram alternativas e uma delas é migrar para as cidades ou para lugares mais seguros a terra firme.
No caso dos moradores do local estudado, observou-se que os mesmos já possuem pequenas propriedades no rio Urubu, um rio de água preta que possui suas margens elevadas, fora do alcance das águas e se comunica com o rio Amazonas por furos, facilitando o deslocamento por pequenas embarcações e canoas. Nesse período de máxima da cheia em que os moradores se refugiam no rio Urubu (maio e junho) os mesmos se ocupam em fazerem suas plantações, principalmente a mandioca que será colhida no ano posterior. Outros vendem sua forma de trabalho em forma de diárias para serviços diversos, principalmente na limpeza de campo de gado bovino.
Como o regime hidrológico é cíclico e bem conhecido pelos moradores, os mesmos se preparam para sobreviverem durante o período de cheia. Uma das estratégias observadas foi de estocar alguns produtos de consumo e na medida do possível para vender em mercado consumidor como a cidade de Itacoatiara e até mesmo em Manaus. Para consumo, observou-se pequeno estoque de farinha de mandioca, produto básico da alimentação regional. Observou-se também que alguns moradores tinham em estoques polpas de frutas como maracujá, goiaba, graviola e taperebá. Polpas essas de valor no mercado de Manaus para onde são mais comercializadas. Há de se registrar que os moradores só conseguem produzir e estocar polpas devido a extensão da rede elétrica em toda margem esquerda do rio Amazonas no trecho entre Manaus e Itacoatiara.
Uma outra estratégia observada foi a construção de tablados onde os moradores guardam rizomas de bananas e manivas para serem plantadas nos terrenos que estão emergindo. Observou-se também que muitos moradores se ocupam da pesca em nível de subsistência e comercial pois nesse período muitas espécies de peixes saem dos lagos e igapós formando cardumes para migrarem rio acima (piracema), facilitando a captura.

Conclusões/Considerações Finais

As populações ribeirinhas que habitaram e habitam a várzea amazônica desenvolveram várias estratégias de sobrevivência nesse ambiente, de tal forma que ficarem sem terra no período da cheia não chega a ser de tudo um fator expulsivo, mas adaptativo, pois logo que as terras começam a emergir os moradores estão de volta para as suas casas e reiniciar sua vida.
Carvalho (2012) ao entrevistar moradores da várzea, considerando que os mesmos sofrem anualmente com cheias; terras caídas e com outros problemas a resposta estava sempre relacionado com a qualidade do solo. É que na várzea tudo que se planta dá, enquanto que na terra firme não se consegue ter uma boa produção, pois os solos são muito pobres. Conclui-se assim, que a fertilidade do solo da várzea é o principal elemento que justifica a ocupação histórica e atual desse ambiente varzeano.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, J. A. L. Terras caídas e implicações sociais na área rural de Itacoatiara. In: Dinâmica urbana na Amazônia brasileira: espacialidade, ambiente e saúde – v. 4. Org. José Aldemir de Oliveira. Manaus: EDUA, 2016. p. 121- 152.
CARVALHO, J.A.L. Terras caídas e consequências sociais: Costa do Miracauera, Paraná da Trindade, Município de Itacoatiara-AM. Dissertação (Mestrado no Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia do Instituto de Ciências Humanas e Letras) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus. 2006, 142 p.
CARVALHO, A.S, et al., SAZONALIDADE E ADAPTABILIDADE HUMANA NA COMUNIDADE SÃO JOSÉ (CAREIRO DA VÁRZEA, AM). Revista Terceira Margem Amazônia. Dossiê Baixo Amazonas. Vol.3. Nº.11. 2018. Pag 210-224
FRAXE, Terezinha de J. P. Cultura cabocla ribeirinha: mitos, lendas e transculturalidade. São Paulo: Annablume, 2004. 370 p.
IRIONDO, M. Geomorfologia da planície Amazônica. Atlas do Simpósio do Quaternário no Brasil. 1982. p. 323-348.
JUNK, W. J. As águas da região Amazônica.In: Amazônia; desenvolvimento, integração, ecologia. São Paulo: Brasiliense; (Brasília) CNPq, 1983. 45-100 p.
STERNBERG, Hilgard O’R. A água e o homem na várzea do Careiro. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1998.
WITKOSKI, Antônio C. Terras, Florestas e Águas de Trabalho: os camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos naturais. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2010.

Palavras Chave

(adaptabilidade, estratégias de adaptação, planície de inundação, regime hidrológico)

Arquivos

Área

Grupo IX: Outras áreas de interesse

Autores

ALINE SOUZA DE CARVALHO, NALBERT SOUZA DE CARVALHO, JOSE ALBERTO LIMA DE CARVALHO