Dados do Trabalho
Título
COMUNIDADE QUE SUSTENTA A AGRICULTURA: EXPERIENCIA EXITOSA EM GOIAS
Introdução
A sigla CSA, que em inglês significa “Community Supported Agriculture”, está associada a um movimento iniciu-se no Japão em 1971, através de reflexões geradas por um líder de cooperativa agrícola chamado Teruo Ichiraku, que questionava sobre o uso de produtos químicos na agricultura (Henderson, 2010). No mesmo período, um grupo de mães e donas de casa que, preocupadas com o uso de produtos químicos nos alimentos, conseguiram se aliar a um grupo de agricultores familiares, iniciando o movimento Teikei, com significado de “parceria” (Eckert, 2016; Henderson, 2010).
A CSA é um movimento mundial organizado pela sociedade civil que, segundo Sousa Junior (2020), estreita a relação entre produtor e sociedade, contrariamente à lógica de mercado, “espelhando anseios de consumidores e produtores, que buscam por uma forma mais humana e holística de tratar a produção e o consumo de alimentos”.
Atualmente, mais de 15 estados brasileiros possuem pelo menos uma CSA em andamento, mas a maior concentração se dá nos estados de São Paulo e no Distrito Federal. Conforme documento publicado pela CSA Brasil (2021), os princípios da CSA consistem na promoção de um modelo de produção que seja saudável ao ser humano e ao seu entorno e incluem: 1. Ajuda mútua; 2. Diversificação da produção; 3. Aceitação de produtos da época; 4. Apreço; 5. Relações de amizade 6. Distribuição independente; 7. Gestão compartilhada; 8. Aprendizagem mútua; 9. Fortalecimento da economia local e 10. Estabilidade.
De forma geral, a CSA é um modelo de trabalho coletivo entre agricultores e um grupo de consumidores, que se comprometem a financiar a produção agrícola por um período e em contrapartida recebem periodicamente os alimentos produzidos. Assim, o agricultor produz com a certeza do escoamento da produção e sem a preocupação em determinar preço para cada item.
A CSA pressupõe um local de encontros entre agricultores e co-agricultores (coagris) em contraponto aos sistemas agroalimentares hegemônicos de produção e distribuição globalizada e padronizada. O local onde se comunga do alimento também é onde a comunidade dialoga sobre outros elementos que envolvem a produção: questões sociais, econômicas, climáticas, políticas e humanas.
Resumo
A busca por produção agrobiodiversa e alimentos locais em circuitos curtos de comercialização, com envolvimento real entre agricultores e consumidores, confronta a lógica de distribuição globalizada como forma universal de acesso à alimentação. O acompanhamento do planejamento, efetivação e desenvolvimento de uma Comunidade que sustenta a Agricultura (CSA) em Goiás aponta os desafios e potencialidades que envolvem esta construção.
Objetivos
O objetivo deste trabalho é retratar a concepção e a criação da CSA Art. 5º em Goiás, envolvendo a produção de alimentos em uma unidade agrícola inserida no Assentamento Canudos, município de Palmeiras/GO.
Material e Método
Esta pesquisa foi realizada através do acompanhamento do planejamento, concepção e desenvolvimento da CSA Art. 5º em Goiás. Para isso, coletou-se informações e dados gerados desde os primeiros esboços desta organização junto aos co-fundadores da CSA, incluindo a autora do presente trabalho.
O objeto de estudo é a CSA Art. 5º e os componentes desta organização são: dois agricultores residentes em uma unidade agrícola situada no Assentamento da Reforma Agrária Canudos, município de Palmeiras/GO e atualmente 51 coagris, tendo iniciado com 12 consumidores que pensaram e materializaram a comunidade.
Resultados e discussão
Reflexões em torno da crise ambiental planetária e a relação desta com o surgimento do vírus, o afrouxamento na gestão da política ambiental, a liberação de ampla gama de agrotóxicos e a insegurança sobre a qualidade e contaminação de alimentos foram fatores determinantes para o início das reflexões sobre o planejamento e criação de uma comunidade que pudesse sustentar um organismo agrícola alicerçado em uma produção de alimentos alinhada à conservação ambiental, com a produção de consciência social, viabilidade econômica, amparando-se nos princípios da Agroecologia.
Então, em meados de outubro de 2020, um grupo de 12 consumidores propôs a dois agricultores familiares – que iniciavam a transição agroecológica em uma área do Assentamento Canudos – serem parte de um projeto de produção de alimentos saudáveis junto a um grupo de consumidores. A partir da reciprocidade de intenções entre consumidores urbanos e agricultores deu-se início a leituras sobre o tema, participação de reuniões remotas com grupos já articulados por todo Brasil, no sentido de acumular informações para a iniciação desta nova célula.
Após pesquisas sobre formatos possíveis que pudessem concretizar esta modalidade de relação/troca almejada, chegou-se ao modelo de CSA, batizando-a de CSA Art. 5º, pensando essencialmente no seu caput, que diz: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” e no Inciso XXIII: a propriedade atenderá a sua função social (Brasil, 1988).
Um passo seguinte foi a formulação de um conjunto de dispositivos que orientasse minimamente a relação construída entre os membros da Comunidade. Neste conjunto de regras construída coletivamente entre agricultores e consumidores, alguns elementos devem ser destacados: 1) A partilha do ônus e bônus, escassez e abundância da produção de alimentos, compreendendo que a atividade agropecuária é uma das atividades econômicas mais arriscadas e que o agricultor (a) deve acionar uma remuneração que possibilite sua (re)produção, e permanência no campo; 2) Local ou Ponto de encontro para a partilha dos alimentos, sem atravessadores e incentivo de entrega das cestas e transporte solidário do Ponto de coleta às residências dos coagris. O local do encontro acordado foi na Paróquia São Judas em Goiânia, disponibilizado pelos freis dominicanos (Fotos 1 e 2); 3) Modalidades e contribuição antecipada aos agricultores; 4) Duração de período mínimo de seis meses de compromisso com os agricultores para investirem nas atividades que envolvam a produção, com a certeza do escoamento da mesma; 5) Compromisso dos agricultores com quantidade e variedade mínima de alimentos ofertados nas cestas semanais, salvaguardados os fatores climáticos; 6) O envolvimento real dos consumidores com a unidade agrícola, com os agricultores e com a produção agropecuária, através de mutirões e de comissões específicas para participação dos co-agricultores (Foto 3).
Atualmente, a CSA conta com 51 coagris. A unidade agrícola possui uma área total de 7 ha, com produção mais intensiva em 3 ha (Fotos 4 e 5). O total de pessoas alcançadas com a produção dos alimentos agroecológicos chegam a pelo menos 200 pessoas na grande Goiânia e semanalmente são ofertados em torno de 400 kg de alimentos à comunidade, além da doação de dezenas de cestas a famílias em situação de insegurança alimentar. As espécies oferecidas na cesta de alimentos agroecológicos são variadas, podendo chegar a até 10 espécies, entre raízes, legumes, folhas, plantas alimentícias não convencionais e frutas. Demonstra-se assim o potencial da Agroecologia em fomentar a agrobiodiversidade, a cooperação e auxiliar em um debate que supere a mercantilização dos alimentos como forma única de mediação entre agricultores e consumidores.
Conclusões/Considerações Finais
A CSA é uma estrutura organizativa que promove o acesso consciente ao alimento e rompe com alguns paradigmas da sociedade pós-moderna sensibilizando-a sobre os riscos e desafios que envolvem a produção agrícola - em especial num cenário de devastação ambiental e mudanças climáticas.
Nos sistemas agroalimentares globais hegemônicos, acontece o rompimento na relação entre consumidor e agricultor. A construção da CSA Art. 5º mostrou que este tipo de experiência vinculada a sistemas agroecológicos abre a possibilidade do aumento da agrobiodiversidade sem a utilização de agroquímicos. O projeto se apresenta viável econômica, social e ambientalmente, proporcionando o envolvimento concreto entre agricultores e consumidores desde o processo de produção até o acesso aos alimentos.
Referências Bibliográficas
Princípios da CSA. Associação CSA BRASIL. 2021. Disponível em http://www.csabrasil.org/csa. Acesso em 17 ago. 2021.
ECKERT, D. A mercantilização em contramovimento: relações de reciprocidade e coesão social na agricultura sustentada pela comunidade em Minas Gerais. 2016. 236 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/143641. Acesso em: 10 ago. 2021.
HENDERSON, E. Community Supported Foods and Farming. Keynote for Urgenci Kobe Conference. Keynote for Urgenci Kobe Conference. 2010. Disponível em: https://urgenci.net/csa-history/ .Acesso em: 12 ago. 2021.
SOUSA JUNIOR, Edimar dos Santos de. Comunidades que sustentam a agricultura no Distrito Federal: Histórico, Caracterização e Impactos. 2020. 140 f. Dissertação (Mestrado em Agronegócios) – Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, Brasília, 2020.
Palavras Chave
Agrobiodiversidade, Alimentos locais, Comunidade que Sustenta a Agricultura, Segurança alimentar
Arquivos
Área
Grupo VII: Gestão e economia rural
Autores
LUDMILLA LUCIANO DE CARVALHO, JANICE MORAIS OLIVEIRA