Dados do Trabalho


Título

O PAPEL DO ESTADO NO SUPRIMENTO DE MILHO PARA AS CADEIAS PRODUTIVAS DE CARNES EM SANTA CATARINA SOB A OTICA DAS CAPACIDADES ESTATAIS

Introdução

A produção de suínos e aves constituem-se nas principais atividades agropecuárias de Santa Catarina, responsáveis por 45,1% do valor bruto da produção agropecuária do estado em 2020 (TORESAN et al., 2021). Além da importância econômica, a relevância social dessas cadeias também é significativa, envolvendo quase 15 mil produtores e mais de 90 mil trabalhadores no abate e processamento (GIEHL, 2017).
Contudo, nas últimas décadas se vislumbra uma gradativa redução da participação de Santa Catarina no cenário nacional dessas atividades, principalmente pela expansão das mesmas em outros estados, como é o caso do Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás. Essas mudanças ocorreram especialmente em função da busca de proximidade com áreas fornecedoras de matéria prima, em especial o milho (RODRIGUES et al., 2009).
Enquanto a produção nacional de frangos cresceu 177,9% entre 1997 e 2020, Santa Catarina registrou aumento de apenas 66,0%. Com isso, a participação catarinense no total de frangos abatidos no país caiu de 22,9% em 1997, para 13,7% em 2020. Na produção de suínos o cenário é semelhante: enquanto o número de animais abatidos em Santa Catarina cresceu 149,8% entre 1997 e 2020, o total do Brasil registrou aumento de 262,6%. Com isso, a participação catarinense no total de suínos abatidos no país caiu de 41,7% para 29,1%.
Não é de hoje que a produção de milho em Santa Catarina é insuficiente para atender a demanda estadual. Contudo, com os aumentos nos plantéis e a queda na área plantada com milho a partir dos anos 1980, a situação tornou-se preocupante. Na safra 2019/2020 foram colhidas 2,58 milhões de t, enquanto a demanda foi de 7,37 milhões, gerando déficit de 4,50 milhões de t (EPAGRI/CEPA, 2021). Desse total, cerca de 97,8% destinam-se ao consumo animal.
O fornecimento de milho com origem em outro estado ou país possui como principal limitante o elevado custo do frete. Isso leva produtores e agroindústrias a buscar meios para facilitar e baratear seu acesso ao produto, de forma a melhorar a rentabilidade da produção animal. Geralmente, as alternativas apresentadas envolvem os governos.
O presente artigo tem por objetivo analisar, a partir do conceito de capacidades estatais, as efetivas condições do Estado atuar na ampliação da disponibilidade de milho para a produção pecuária catarinense, focando nas políticas públicas desenvolvidas pelo governo de Santa Catarina.

Resumo

O milho é um dos principais insumos da criação de suínos e aves, sendo responsável por quase dois terços dos custos de produção. Embora Santa Catarina seja um dos principais produtores de proteínas de origem animal do país, a produção estadual de milho é insuficiente para atender demanda interna. Cerca de 60% do milho consumido no estado provém de outros estados ou países, o que encarece o produto. Diante desse quadro, o governo do estado vem implementando ações e políticas públicas, com vistas a ampliar o suprimento de milho ou outros produtos adequados à alimentação animal e com valores que não prejudiquem a competitividade das agroindústrias catarinenses. O presente artigo discute as principais políticas implementadas pelo governo catarinense nos últimos anos, tendo como referencial o conceito de capacidades estatais. Foram analisadas as seguintes políticas: Subprograma Sementes de Milho e Projeto de Incentivo ao Cultivo de Cereais de Inverno. Inicialmente, identificou-se as dimensões associadas. Na sequência, analisou-se a interação entre as mesmas e as políticas consideradas. Concluiu-se que as capacidades estatais para a implementação das políticas públicas da Secretaria de Estado da Agricultura, da Pesca e do Desenvolvimento Rural são presentes e expressivas, com exceção da dimensão transformativa. Por fim, destaca-se que o presente trabalho é um ensaio preliminar, necessitando de aprofundamentos, razão pela qual se sugere estudos complementares.

Objetivos

O presente artigo tem por objetivo analisar, a partir do conceito de capacidades estatais, as efetivas condições do Estado atuar na ampliação da disponibilidade de milho para a produção pecuária catarinense, focando nas políticas públicas desenvolvidas pelo governo de Santa Catarina.

Material e Método

O presente artigo parte da identificação das políticas públicas desenvolvidas pelo governo de Santa Catarina visando o abastecimento de milho e outros alimentos substitutivos para a pecuária estadual. A partir disso, busca-se analisar a capacidade de implementação e obtenção de resultados dessas políticas sob a ótica do conceito de capacidades estatais. Para isso, utilizam-se literaturas que abordam esse tipo de análise.

Resultados e discussão

Ao longo dos últimos anos, políticas públicas têm sido implementadas pelo governo catarinense, visando garantir o suprimento de milho para a produção animal desenvolvida no território estadual ou minimizar o déficit. Na sequência trataremos das principais iniciativas.
a) Subprograma Sementes de Milho
Esse subprograma visa estimular a produção de milho em SC, para atender a demanda da produção animal. De acordo com as normas, cada agricultor pode adquirir até 5 sacas de sementes por meio da política, a preços subsidiados. A ação tem abrangência expressiva, com cerca de 50 mil beneficiários anuais e 200 mil sacas de sementes de milho subvencionadas.
b) Projeto de Incentivo ao Plantio de Cereais de Inverno
A mais recente iniciativa do governo de Santa Catarina consiste em tentar ampliar a oferta de produtos que podem substituir o milho como fonte de alimentação para os animais. Para incentivar os produtores, a Secretaria de Estado da Agricultura, Pesca e Desenvolvimento Rural (SAR) aporta recursos com vistas a subvencionar o custeio da produção das culturas selecionadas. O produtor recebe subsídio de R$250,00 por hectare cultivado.
Capacidades estatais
Quando se faz uso do conceito de “capacidades estatais”, é importante considerar que o mesmo pode adquirir significados distintos, de acordo com o tipo de análise ou a dimensão analisada. Para Pires e Gomide (2016), uma segunda geração de estudos que têm por base esse conceito procuram analisar as capacidades e meios que os Estados têm (ou não) para atingir, de forma efetiva, os objetivos que pretendem por meio de suas políticas públicas.
Cingolani (2013), afirma que, geralmente, capacidade estatal refere-se a uma ou à combinação das seguintes dimensões do poder estatal: a) coercitivo/militar; b) fiscal; c) administrativo/implementador; d) transformador ou industrializante; e) relacional/territorial; f) legal; g) político. Por isso, a autora reforça a necessidade do pesquisador dessa temática apontar com clareza quais aspectos da capacidade estatal serão abordados.
O que se pretende neste segmento é identificar os principais mecanismos de envolvimento do Estado na tentativa de garantia do suprimento de milho e avaliar, de forma preliminar, as potenciais capacidades e eventuais empecilhos no âmbito para a implementação de tais medidas. Para isso, utiliza-se como referencial a concepção multidimensional de Cingolani (2013). Inicialmente, identificou-se, dentre as dimensões apontadas por Cingolani, aquelas que, potencialmente, afetam a implementação das políticas e ações anteriormente mencionadas.
1) Capacidade fiscal
De acordo com Cingolani (2013), esta dimensão refere-se principalmente à capacidade do Estado de extrair recursos da sociedade, na forma de impostos. Contudo, segue a autora, ela também pode ser utilizada para fazer menção à eficiência dos gastos governamentais. Em relação a isso, o Subprograma Sementes de Milho e o Projeto de Incentivo ao Plantio de Cereais de Inverno, são executados com recursos do Fundo de Desenvolvimento Rural, o qual conta com aportes do governo do estado e, principalmente, de agroindústrias do setor de carnes. Os montantes anuais previstos para os dois casos (cerca de R$19 milhões e R$5 milhões, respectivamente), são suficientes para a execução das ações planejadas.
2) Capacidade administrativa
Essa dimensão baseia-se na existência de uma burocracia profissional e independente, conforme define a tradição weberiana (CINGOLANI, 2013). A SAR, órgão responsável pelo Programa Terra Boa e seus componentes, possui apenas 3 servidores efetivos no seu quadro. Grande parte das atividades de caráter técnico são desenvolvidas por detentores de cargos comissionados, o que limita significativamente a independência e, mesmo, a consolidação de uma burocracia profissional, conforme a perspectiva weberiana. A situação só não é mais crítica em função dos funcionários cedidos pelas empresas vinculadas à secretaria atuando na mesma. Ainda assim, a carência de quadros permanentes dificulta a qualificação do corpo técnico da instituição.
Na execução dessas políticas, conta-se ainda com o envolvimento de grande parte do quadro funcional da Epagri, que possui cerca de 1.700 funcionários e escritórios locais em quase todos os municípios catarinenses. Por se tratar de uma empresa pública, o processo de admissão dos funcionários se dá por meio de concurso público, sujeito a todo o regramento legal para a categoria.
3) Capacidade legal
A dimensão legal refere-se ao conjunto de leis e normas (sistema jurídico) que estabelecem os limites de atuação do Estado. Em relação a tal aspecto, buscou-se analisar o embasamento e competência legal para a execução das políticas ora analisadas. No que tange aos dois projetos de fomento, há todo um arcabouço legal que parte da lei no 8.676/1992, conhecida como “Lei Agrícola” e chega às resoluções do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural (Cederural), que estabelecem metas, beneficiários e condições de acesso aos programas da SAR.
4) Capacidade transformativa
Conforme relatado por Cingolani (2013), trata-se da capacidade de intervir em sistemas produtivos, moldando e conduzindo a economia de acordo com os interesses do Estado. Essa intervenção pode se dar de forma direta ou por mecanismos indiretos.
Chama atenção o Subprograma Sementes de Milho, responsável por disponibilizar sementes para aproximadamente 35% da área cultivada em Santa Catarina, conforme estimativas de Mior et al. (2021). No entanto, apesar do alcance, segue se observando queda na área plantada com essa cultura. Vale destacar que os espaços próprios para cultivos anuais são restritos em função da limitação do território catarinense. A principal cultura concorrente com o milho é a soja. Uma eventual expansão da cultura do milho requer que esta seuja mais vantajosa que as concorrentes.
No caso do Projeto de Incentivo ao Cultivo de Cereais de Inverno, ainda não há resultados concretos, visto que essa política teve início em maio de 2021. De qualquer forma, dentre as razões para os baixos volumes de produção de trigo no Brasil, destacam-se o elevado custo de produção e os riscos climáticos associados à atividade. Assim, é pertinente questionar a efetiva capacidade do valor de subsídio (R$250,00/ha) se contrapor aos entraves anteriormente mencionados.

Conclusões/Considerações Finais

De forma geral, avalia-se que há entraves significativos para que o governo do estado de Santa Catarina atinja o objetivo de apoiar as cadeias de produção animal por meio da ampliação e facilitação do suprimento de milho e outros cereais utilizados nas rações. Contudo, ações efetivas em algumas dimensões, como a administrativa, poderiam resultar em ganhos significativos nas atuais ações ou na proposição de novas políticas.
Por fim, recomenda-se que as reflexões apresentadas no presente artigo sejam aprimoradas, com a utilização de informações mais detalhadas e análises mais aprofundadas.

Referências Bibliográficas

CINGOLANI, L. The state of State Capacity: a review of concepts, evidence and measures, 2013.
EPAGRI/CEPA. Síntese da Agricultura de Santa Catarina 2019/2020. Florianópolis: Epagri, 2021. 170 p.
GIEHL, A.L. Boletim Agropecuário. Edição especial “Operação Carne Fraca”, mar/2017. Florianópolis: Epagri/Cepa, 2017. 23 p.
GOMIDE, A.A.; PIRES, R.R.C. Capacidades estatais e democracia: a abordagem dos arranjos institucionais para análise de políticas públicas. In: GOMIDE, A.A.; PIRES, R.R.C. (ed.) Capacidades estatais e democracia. Brasília: Ipea, 2014. 385 p.
MIOR, L.C. et al. Análise dos resultados do Programa Terra Boa. Relatório de projeto. Epagri/Cepa, 2019. 53 p.
PIRES, R.R.C.; GOMIDE, A.A. Governança e capacidades estatais: uma análise comparativa de programas federais. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 58. 2016.
TORESAN, L. et al. Indicadores de desempenho da agropecuária e do agronegócio de Santa Catarina: 2019 e 2020. Florianópolis: Epagri, 2021. 76p. (Boletim Técnico n.198).

Palavras Chave

alimentação animal; capacidades estatais; milho; políticas públicas

Arquivos

Área

Grupo VIII: Educação, Sociologia e Extensão rural

Autores

ALEXANDRE LUIS GIEHL