Dados do Trabalho


Título

O CAMPESINATO NO MEDIO VALE DO ITAJAI SOBREVIVE, APESAR DA INVISIBILIDADE.

Introdução

Atualmente a região do Médio Vale do Itajaí é composta por 14 municípios e são esses os mais próximos de Blumenau-SC, foi nesta área geográfica que inicialmente se deu a formação da antiga Colônia Blumenau, em 1850. Agricultura, comércio e indústria se desenvolveram aqui simultaneamente. Os lotes rurais foram fixados em 25 hectares, com frente para os rios e ribeirões em cerca de 250 metros, formando retângulos, cujo fundo é de forte relevo e ainda hoje cobertos com a floresta nativa. Lotes pequenos, relevo inclinado e solos ácidos foram desafios que determinaram a necessidade de buscar renda familiar fora da propriedade rural. No entanto, as famílias permaneceram na propriedade e parte da mão-de-obra familiar dedicou-se a produção agrícola, com ênfase para a produção de proteína animal. As propriedades tornaram-se diversificadas e sendo os imigrantes camponeses europeus, os conhecimentos da transformação do alimento in natura era voltada para seus hábitos alimentares.
Estas famílias remanescentes do campesinato colonial, atualmente precarizado, porém resiliente é o objeto de trabalho diário da maioria dos extensionistas da região do Médio Vale do Itajaí. Capacitar, profissionalizar, legalizar as atividades agrícolas destas famílias tem sido um grande desafio para todos nós, declaro isso, porque foi o enfrentamento diário da profissão de extensionista que levou-nos a realizar esta pesquisa. Inicialmente destinada a compreender o Bem de Natureza Imaterial do Modo de Fazer do kochkäse, defendida em dissertação no Programa de Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau (FURB) em 2018.Iniciar uma nova compreensão desta categoria social do Médio Vale do Itajaí é o principal objetivo deste trabalho.

Resumo

Este trabalho é uma reflexão embasada por pesquisa etnográfica que permitiu propor um novo olhar para os colonos-operários do Médio Vale do Itajaí, remanescentes da antiga Colônia Blumenau. Propositalmente não os denominaremos de agricultores familiares, porque é sobre esta invisibilidade que queremos nos debruçar. Suas consequências para o desenvolvimento regional e a ineficácia atual das políticas públicas de fomento agrícola para esta classe social.

Objetivos

Iniciar uma nova compreensão desta categoria social do Médio Vale do Itajaí é o principal objetivo deste trabalho.

Material e Método

Os subsídios para a pesquisa têm fonte na pesquisa etnográfica realizada para a defesa da dissertação.Foram realizadas 8 entrevistas não estruturadas com produtores rurais, feirantes, técnicos e outros atores envolvidos nos sistemas agroalimentares locais na região do Médio Vale do Itajaí. Nestas entrevistas iniciamos a fala pedindo ao entrevistado que nos relatasse a sua história de vida. Destes entrevistados,seis eram agricultores, dos quais apenas um não tinha a pecuária leiteira como uma das atividades que geram renda e ou sustento. O restante eram engenheiros agrônomos, um deles meu companheiro e extensionista rural no município de Rio dos Cedros e outro Gerente Regional da Epagri, descendentes de colonos italianos da região da Serra Gaúcha. A propriedade policultora, a pluriatividade e a facilidade de diálogo foram algumas das características que nos levaram a estas famílias.
Entre as diversas fontes, documental e bibliográfica, aplicamos nas entrevistas não dirigidas a técnica da Linha do Tempo. Nestas entrevistas estávamos munidos de um gravador e um caderno de campo para coletar, transcrever e posteriormente sistematizá-las com auxílio da teoria.

Resultados e discussão

Para MENDRAS (1976), o camponês possui algumas configurações no seu modo de reprodução social, entre elas podemos citar a produção para o consumo e para o mercado envolvente. O acúmulo de capital, quando houver, se dá para prover os herdeiros de um padrão social semelhante aos progenitores. Exemplo, construir uma casa no imóvel rural, comprar um automóvel. As rendas se destinam a suprir os custos da casa com os itens e ou serviços não disponíveis na propriedade rural. Neste caso, também aos gastos com a comunidade envolvente: contribuições para a comunidade religiosa, festas de comunidade, impostos.
Estas configurações do campesinato são muito semelhantes às encontradas nas propriedades rurais dos municípios que fazem parte da região do Médio Vale do Itajaí. Com exceção de uma questão: o trabalho não agrícola. O trabalho não agrícola já foi há tempos pesquisado nas Colônias Blumenau e Francisca, no âmbito do campesinato por autores como SEYFERTH (1974) e ANJOS (1995)que atribuíram o nome “colono-operário” para identificar estas famílias.
A permanência de uma propriedade diversificada, a policultura, como afirma SEYFERTH (1974) permitiu a adequação deste modelo para uma agricultura tradicional, feita por um sujeito que, mesmo que membros da sua família, sejam operários assalariados, os modos de produção e o consumo de alimento, parte deles, são oriundos de um sistema independente peculiar do campesinato.Compreender o colono-operário, dar visibilidade a esta classe é essencial para contribuir com a elaboração de políticas públicas de desenvolvimento regional. Esta ambiguidade de ser colono e de ser operário causa também interpretações ambivalentes por parte dos extensionistas. Por vezes, a fração operário do sujeito social colono é vista como algo negativo, que limita a participação nos eventos de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural). A partir do momento que o colono trabalha um período do dia na fábrica, diminui as chances de participação.
Por isso, a fração colono deste sujeito social, vai sofrendo perdas no processo de capacitação e adoção de tecnologias. O que contribui para a preferência do técnico no trabalho com aqueles cuja família se dedica somente a agricultura. No último programa de governo com empréstimo ao Banco Mundial, houve um projeto de capacitação do jovem rural na modalidade de alternância. De forma resumida, o jovem se deslocava aos centros de treinamento da Epagri durante uma semana, recebia orientações nas mais diversas áreas de agricultura, com ênfase na vocação da região. Ao final do curso o jovem desenvolveria um plano de negócios para implantar na propriedade. Para executar este Plano receberia um montante de recursos financeiros. Além de ATER , outras políticas públicas estavam vinculadas com subsídio, exemplo aquisição de notebooks, impressora. Enfim, uma boa oportunidade de valorização do jovem rural e apoio financeiro as atividades que ele decidiu investir.
No entanto, no Médio Vale do Itajaí a participação maior deste programa foi em municípios localizados nas extremas, essencialmente agrícolas ou em propriedades com uma cultura bem especializada e com bom retorno financeiro como é o caso da banana, que exige muita mão-de-obra. O mesmo não se aplica ao arroz, que é extremamente mecanizado.
Nos municípios do Médio Vale do Itajaí em que a presença do colono-operário é ainda maioria no meio rural, a participação dos jovens ficou deficitária. Políticas Públicas como esta, funcionam como uma semente para a compreensão do valor da ATER. Desta forma, a fração colono do operário vai se distanciando do extensionista. No entanto, não é isso que permite a sua extinção.Para MORATELLI (2018), a resiliência é encontrada nos sistemas agroalimentares desenvolvidos na região do Médio Vale do Itajaí, também inseridos na fabricação do kochkäse.
Um fator que contribui para sua permanência, conforme MENDRAS (1976) aponta, é que o excedente destes sistemas agroalimentares será comercializado no mercado envolvente. O mercado envolvente atualmente são os colegas operários do colono-operário, encomendas de pessoas que vivem na cidade.É para eles que vão o mel, o queijo colonial, o queijinho, a nata,o kochkäse,a cuca,o filé de tilápia, as bolachas, o galeto ou o frango colonial, o marreco recheado, a linguiça, cortes de carnes. Encomendas em volumes maiores são destinadas para as celebrações familiares e religiosas.
A partir deste momento começaremos a compreender por que o colono-operário é uma categoria invisível para os departamentos de fomento da agricultura. Todo o excedente do campesinato é comercializado de maneira informal, o que para o Estado em relação a tributos e condições sanitárias assume a condição da clandestinidade. A clandestinidade por sua vez, traz outros entraves e um deles será a perda do enquadramento de agricultor familiar. Ou seja, sem acesso a DAP .
Sabemos de antemão que as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da agricultura familiar exigem que a família seja portadora de uma DAP. Sem acesso a fomentos e capacitações o colono-operário não é mais um agricultor e dificilmente se tornará um empreendedor. Ele carrega consigo ainda um certoEthos Camponês, um homem simples, de pouca escolaridade,habilidade deficiente com tecnologias digitais e quando do acesso as mídias sociais, comporta-se de maneira pouco crítica, ficando a mercê de informações equivocadas e fragmentadas a respeito de todas as áreas do saber. Muitas vezes, ainda com certo sotaque,são facilmente e pejorativamente chamados de colonos diante do público de cultura urbana. Torna-se também marginalizado pelo próprio extensionista que terá nesta família maior dificuldade de obter alcances preconizados pela Epagri.

Conclusões/Considerações Finais

Considerando os argumentos construídos, os fatos culminam para a perpetuação de discriminação e exclusão nas políticas públicas destes sujeitos sociais presentes no meio rural do Médio Vale do Itajaí. Diante da frágil sustentabilidade que os grandes complexos agroindústrias vêm apresentando. Concluímos que este modo de reprodução social do colono-operário do Médio do Itajaí, deve receber apoio do Estado de maneira semelhante aos demais agricultores familiares, porém respeitando suas peculiaridades.

Referências Bibliográficas

ANJOS, Flavio Sacco dos. A Agricultura Familiar em transformação: o caso dos colonos operários de Massaranduba (SC). Pelotas, Editora da UFPEL, 1995
MENDRAS, Henri. Sociedades Camponesas. Tradução de Maria José da Silveira Lindoso. Rio de Janeiro. Editora Zahar, 1978.
MORATELLI, Nelita F. A perspectiva do desenvolvimento regional nos sistemas agroalimentares inseridos no modo de saber fazer do kochkäse.Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional). Fundação Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, 2018.
SEYFERTH, Giralda. A colonização alemã no Vale do Itajaí Mirim: um estudo de desenvolvimento econômico. Porto Alegre: Editora Movimento, 1974.

Palavras Chave

agricultura familiar, camponês, Colono-operário, Médio Vale do Itajaí.

Arquivos

Área

Grupo VIII: Educação, Sociologia e Extensão rural

Instituições

Epagri - Santa Catarina - Brasil

Autores

NELITA FABIANA MORATELLI